O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

copos com uma excelente garrafa de Veuve Clicquot , a quem uma voz
espalhafatosa que entrava atrás de Nuno apelidou alegremente de brigada do
champanhe. Desta vez ele não dispensou a oferta e deixou que lhe servissem
uma flûte.


Duas portas de vidro em quadrícula branca, abertas de par em par, ligavam
o faustoso marmoreado do átrio a uma sala alcatifada que lhe pareceu tão
grande como o seu apartamento. Nuno parou um instante a ambientar-se. A
decoração era clássica, cheia de recantos de bom gosto, sofás e cortinas em
tons verde-água, armários brancos com prateleiras repletas de livros, ambiente
aconchegante. Havia gente sentada pelos sofás confortáveis, na maioria
casalinhos entretidos em conversas a meio tom. Mesmo à sua frente, a sala
abria-se para um largo alpendre que mais parecia um terraço, e, descendo uma
escada ampla de quatro ou cinco degraus, estava-se no jardim, onde, aí, sim,
decorria a festa. Nuno dirigiu-se para lá, atraído pela música alta e pelo
burburinho animado. Deteve-se no topo da escada e esquadrinhou com os
olhos a multidão, a ver se localizava o dono da casa. Calculou que estivessem
ali umas duzentas pessoas.


No canto direito do alpendre, atrás de uma mesa de som, um tipo com ares
profissionais, de cigarro ao canto da boca, encostava à orelha um lado dos
auscultadores, enquanto acertava as faixas dos LP que ia pondo a tocar em
dois pratos, de modo a garantir que a música não acabava. Também havia um
bar, rodeado de gente, onde dois criados fardados serviam bebidas. No centro
do jardim, dançava-se em cima de um praticável. Em redor, afundados em
pufes de cores berrantes ou simplesmente sentados na relva, jovens barbudos
de cabelos desgrenhados, trajando camisas floridas, calças à boca-de-sino e
sandálias, conversavam com raparigas de túnicas esvoaçantes, flores no
cabelo e colares de missangas. Formavam pequenos grupos que faziam rodar
charros de mão em mão. Ao fundo havia uma piscina iluminada onde Nuno
imaginou que mais lá para o fim da noite cairiam muitos bêbados vestidos.
Bob Dylan cantava How many roads must a man walk down / Before you call
him a man?
e na pista todos dançavam suavemente como se fossem
passarinhos prestes a levantar voo, e provavelmente era assim que se sentiam,
a avaliar pelo cheiro adocicado a haxixe que pairava no ar. A média de idades
deveria andar pelos vinte e cinco anos e dava a impressão de que aquela gente
acabara de chegar de Woodstock — o festival realizara-se há um mês nos
Estados Unidos —, embora Nuno fosse capaz de apostar em como nenhum
dos presentes tivesse lá posto os pés. De qualquer modo, a música continuou
por conta de Janis Joplin, Jefferson Airplane e Jimmi Hendrix, num estilo

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