tu conheces, o tal que dava a festa.
— É um tipo, não sou amigo dele, mas sei quem é.
Óptimo, pensou o fornecedor, já estamos a chegar a algum lado.
— E qual é o nome dele?
Este mundo é muito pequenino, animou-se o fornecedor quando o táxi
parou à frente da casa no Restelo que lhe havia sido indicada pelo jovem em
pré-coma alcoólico e ele reconheceu a moto de Nuno estacionada à porta.
Felizmente para mim, fez um sorriso malvado e deu umas palmadinhas no
bolso do casaco onde trazia a sua navalha de ponta e mola, infelizmente para
ele . Pagou ao motorista, abriu a porta, saiu do táxi. Abotoou o casaco
amarrotado, deu-lhe um esticão para o alisar, puxou os punhos da camisa para
fora das mangas do casaco. Não obstante, continuou a ser um tipo com mau
aspecto no seu fato castanho claro de muito mau gosto. Com efeito, era por
demais evidente que não fazia parte do restrito clube de boas famílias em que
se propunha entrar. O aspecto duvidoso, os modos pouco polidos, a
indumentária deslocada e a própria idade, bastante superior à dos convidados,
denunciavam-no. Não que isso intimidasse o fornecedor. Na verdade, estava-
se bem nas tintas. Chegou, entrou, dá cá uma flûte e ali estava ele no alpendre,
a saborear o champanhe e a percorrer a multidão com olhos predadores, a ver
se localizava Nuno.
O escritório, contíguo ao átrio, uma porta à direita do bengaleiro, tinha o ar
grave das decorações pesadas. Os cadeirões de cabedal, a mesa em vinhático
carregada de molduras de prata a empurrarem-se umas às outras para o
precipício, as paredes forradas de estantes escuras de boa madeira, repletas de
lombadas elegantes, tudo aquilo muito solene, muito sombrio. O playboy
sentou-se a uma secretária em pau-santo de sacristia, de gavetas com
ferragens douradas. Carregou no interruptor do candeeiro de mesa, pescou
uma Parker de ouro no copo das canetas e pôs-se a preencher um cheque com
uma letra muito caprichosa, à luz abafada de um abajur verde-escuro. No lado
oposto da secretária, em pé, Nuno soltou um suspiro.
— O que é que tu estás a fazer? — perguntou-lhe.
Ele ergueu os olhos, confuso com a pergunta, pois não se estava mesmo a
ver?
— Estou a passar-te um cheque — respondeu, num tom óbvio.