Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1

pintaste, tens de trazer-me um ou dois quadros.
João Pedro replicou-lhe e a sua voz foi em crescendo, até acabar aos gritos.
— Não posso ir aí, porque são telas muito grandes. São oito retratos e tens de os ver todos juntos.
É uma colecção, percebes? Tem de ser apreciada no seu conjunto, e não te vou levar uma amostra,
não são tapetes, são quadros! E, se não vieres hoje mesmo, telefono a outros galeristas e garanto-te
que vais arrepender-te para o resto da vida se me perderes para a concorrência. Por isso, deixa-te de
merdas e vem para cá já!
André não queria acreditar no que acabara de ouvir. João Pedro a gritar e a praguejar era uma
novidade. Ficou incomodado, mas também curioso.
— Tu não me disseste que só pintavas marinhas? Que não querias pintar mais nada?
— Disse, mas mudei de ideias. Foda-se, André, vens ou não vens?
Okay, okay , tem calma, eu vou.
— Óptimo. Estou à tua espera. Ah! mais uma coisa...
— Sim?
— Quando chegares, não toques para a minha casa, toca para o direito.


André chegou mais depressa do que João Pedro esperara. Foi o tempo de largar tudo e apanhar um
táxi. O marchand era como um perdigueiro com faro para a caça, se lhe cheirava a negócio, ninguém
o parava. Entrou na sala a dizer:
— Confesso que fiquei curioso com... o que... tu... — emudeceu. João Pedro vigiou-o, expectante,
pendurado num sorriso nervoso, ansioso pela aprovação do expert. Sabia o que tinha ali, mas era
juiz em causa própria e precisava muito da confirmação de um especialista.
André estacou defronte das telas, surpreendido.
— Meniiino, o que é iiisto?!
Observou atentamente o conjunto, depois, tirou do bolso os óculos de ver ao perto, aproximou-se,
viu as telas, uma a uma, ao pormenor, com olho clínico, como se estivesse a farejá-las. E ia soltando
interjeições de aprovação. «Temos obra», dizia, «temos obra, sim, senhor.» João Pedro ria-se,
aliviado. Parecia que o estava a ver, no seu sonho, pequenino, a saltitar à frente das telas, dando
gritinhos, muito excitado.
— Brilhante! — exclamou.
— Então, qual é o veredicto?
André desviou os olhos das telas por um momento e voltou-se para João Pedro, intrigado.
— Foste tu que pintaste isto?
E João Pedro, espantado com a pergunta, lançou um olhar incrédulo a Cristiane, como que a pedir
o seu testemunho. Ela deu dois passos em frente, parou ao lado de André, cruzou os braços,
observou-se nas telas, disse:
— Eu não deixaria que mais ninguém me pintasse desta maneira.
— Claro que fui eu que pintei isto — afirmou João Pedro.
— Tu nunca pintaste nada assim...
— Pois não. Eu disse-te, ao telefone.
— Isto é extraordinário — declarou André, extasiado. — Isto é revolucionário!
— Achas mesmo?
— Se acho mesmo? Menino — apontou um dedo assertivo para as telas —, isto vai fazer de ti uma

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