Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1

perguntou o entrevistador.
— Não — disse. — Permita-me que corrija um pormenor fundamental: não se trata de simulação,
mas de situações reais, de facto.
— Quer dizer que...
— Quer.
— ... que, por exemplo, o quadro A Mulher Depois do Amor é mesmo um retrato depois do acto
sexual?
— Acabadinho de fazer.
— E A Masturbação?
— Bem, nesse caso não é depois, era o que ela estava a fazer.
— Estou a ver... E a modelo colaborou nessa representação insólita?
— Obviamente.
— Pois, claro, obviamente...
— É que, repare, a Cristiane não é uma simples modelo. Ela nem sequer é modelo profissional, só
entrou neste projecto por ser comigo.
— Posso inferir então que têm uma relação?
— Suponho que é esse o termo correcto.


Ainda no Brasil, Cristiane começou a receber dezenas de telefonemas e e-mails de pessoas
conhecidas. Algumas felicitavam-na com entusiasmo, outras criticavam-na com um franco azedume
moralista. Cristiane apressou-se a vasculhar a internet para saber o que João Pedro andava a dizer à
imprensa. Inicialmente ficou chocada, ele falava abertamente da intimidade dos dois e expunha-a aos
olhos da opinião pública sem se preocupar em filtrar as palavras. Achou o seu discurso um tanto ou
quanto abrutalhado e pouco escrupuloso. Pareceu-lhe que a delicadeza do tema exigia que fosse mais
subtil para a resguardar. Devia-lhe isso. O primeiro impulso levou-a a agarrar no telefone para o
desancar, mas reconsiderou, havia que esperar umas horas para ponderar o assunto sem
precipitações, deixar assentar as ideias. E com efeito, pensando melhor, tinha de reconhecer que João
Pedro merecia alguns créditos pela forma como promovia o seu trabalho. Ele compreendia que a
polémica dava frutos, potenciava a vertente escandalosa das telas para dar oxigénio ao falatório.
Muito inteligente, pensou.
Havia uma firme unanimidade positiva nas críticas ao trabalho de João Pedro, em termos
puramente técnicos, embora não faltasse quem falasse de sexo sórdido e o acusasse de promover a
pornografia. Mas Cristiane leu um comentário na imprensa e outro e outro ainda, e todos encerravam
peças laudatórias ao projecto conjunto de João Pedro e dela. Bem, ele achara o seu caminho e
levara-a com ele, pois não era verdade que poderia, legitimamente, só falar de si próprio nas
entrevistas e ignorá-la? Afinal de contas, ele é que era o artista, era a ele que se devia o mérito e a
genialidade do trabalho. Ela não passava de uma figurante. Mas não, não fora egoísta. E que diabo,
pensou, seria uma hipocrisia queixar-se de meia dúzia de frases cruas nas entrevistas, depois de ter
consentido ser retratada nua, em poses eróticas, com as coxas brilhantes do esperma acabado de
verter. Todo o projecto fora excessivo desde o início, as entrevistas eram o que menos importava.
Ela expusera-se, mas ele também o fazia agora ao dizer a um jornal coisas como esta: «Fodi com a
Cristiane toda a manhã e depois pintei-a, ainda exausta e suada e molhada, sem permitir que se
lavasse, com o cabelo desgrenhado, muito corada e feliz. Queria apanhar esse momento único de

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