Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1
— Mas eu não sou igual a ela.
— Como é que julgas que ela conseguiu aquelas coisas todas?
— Não sei nem me interessa. Só sei que vou arranjar um emprego para pagar a universidade.
— És uma egoísta, é o que tu és.
— Sou egoísta porquê?
— Deixas-nos aqui, a mim e ao teu pai. A tua irmã já se foi, agora vais tu.
— Pois, mas tu foste a primeira a dizer à minha irmã que fosse, porque aqui não tinha futuro.
— Só pensas em ti, sempre foste assim.

Por mais que fossem as objecções da mãe, umas absurdas outras nem tanto, a Carol nada lhe tirava
da cabeça que a sua verdadeira preocupação era que ela não triunfasse em Lisboa para não deslustrar
o brilho do sucesso da filha mais velha. O seu sonho era ver a irmã de Carol regressar à aldeia
doutora e poder dizer às vizinhas que a sua menina se formara. As outras haveriam de morrer de
inveja da sua filha importante, oh se morreriam! Teria muito gozo em empinar o nariz e dizer-lhes
que, se precisassem de uma consultazinha, poderiam pedir à sua filha médica se lhes arranjava um
bocadinho do seu tempo atarefado.
Enfim, via nestes sonhos a reparação de anos de sobranceria das vizinhas, que já tinham os seus
filhos para o estrangeiro e faziam ares superiores quando falavam deles, reproduzindo, impantes, os
pormenores das ricas vidas que levavam em França ou na Suíça. Haveriam de engolir os sorrizinhos
babados que lhes via quando eles regressavam nas férias de Verão em grandes carrões carregados de
presentes de luxo.


Uma semana antes de Carol fazer as malas e apanhar o comboio para Lisboa, a mãe caiu de cama,
doente. Sofria muito, e só se queixava de que ninguém queria saber dela.
— Olha, a tua filha, que é médica, que venha cá no fim-de-semana e te passe uma receita. Telefona-
lhe, verás que ela vem a correr — atirou-lhe Carol, brutal.
Não a suportava, nem aos seus joguinhos psicológicos. Não se submeteu às manipulações matreiras
da mãe.
O pai animou-se, escondeu o desgosto atrás de um sorriso, levou Carol à estação na carrinha de
caixa aberta da quinta, que costumava utilizar para os assuntos de trabalho. Conduziu em silêncio, a
fumegar pela janela aberta um cigarro no canto da boca, e manteve a sua máscara sorridente, como se
não lhe custasse que Carol saísse de casa. Ela, com o coração apertado por o ver assim, pensou
como era irónico que a mãe a tentasse reter com astúcias velhacas, e o pai, que sofria
verdadeiramente por ficar sem ela, disfarçasse para não a desencorajar.
Já na estação, ele obrigou-a a aceitar um pequeno maço de notas.
— É tudo o que tenho de parte — disse. — Escondi o dinheiro da tua mãe para te dar.
— Não pai, nem pensar. Não podes fazer isso.
— Posso, pois. É para te aguentares nos primeiros tempos, enquanto não arranjas emprego. E
livra-te de desistires e voltares para casa. Não quero voltar a ver-te aqui, a não ser de férias.
Carol abraçou-se a ele, aconchegou-se no seu peito.
— Vais fazer-me muita falta — disse, com lágrimas no olhos.
— E tu a mim, mas vai e não olhes para trás. A felicidade está lá à frente, em Lisboa.

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