5

Enquanto Clara entontecia com sonhos e planos que, na sua cabeça, a incluíam ao lado de João
Pedro num futuro próximo, ele pensava nela com o sorriso mais tolo, sem quaisquer conjecturas,
extasiado com o interesse de Clara em conhecê-lo. Clara era a primeira rapariga a sugerir a
possibilidade de romance com João Pedro. Podia parecer trivial, mas para ele tratava-se do
acontecimento mais extraordinário da sua vida de adulto e perturbou-o tanto que, por aqueles dias,
não conseguia estudar, pintar, comer ou dormir. Sentia-se a planar num estado de plena felicidade e
enredado num turbilhão de sentimentos alegres que o surpreendiam sublimemente. Andava enlevado.
E, no entanto, não sabia o que fazer, achava-se lerdo, incapaz de uma iniciativa, não tinha a menor
ideia. A primeira conversa fora calamitosa, isso ele sabia, não podia ter provocado boa impressão
em Clara, e esta certeza de que era uma besta e de que ela o considerava um idiota esmorecia-lhe a
coragem. Embora agora passasse mais tempo na faculdade, vigiando à distância os movimentos de
Clara, contemplando-a discretamente com desvelo, João Pedro fraquejava. Clara ignorava-o, era
ostensiva no seu desinteresse, nem um olhar de soslaio, nem um sorriso encorajador, nada, apenas um
lânguido desviar de cabeça quando o topava a observá-la.

Ela sentia-se perplexa com a atitude de João Pedro. Havia nele uma postura que denotava
interesse, enfim, João Pedro não desdenhava, olhava, parecia-lhe até pasmar um pouco. Havia ali
uma atençãozinha óbvia quando ela surgia e via perfeitamente que ele a seguia com os olhos, quem
sabia se até com alguma admiração. Mas era tudo. Ele não sorria, não acenava, não se levantava para
lhe falar. Era desconcertante. Com efeito, João Pedro mortificava-se com a sua falta de iniciativa,
mas o cérebro paralisava, estupidificava, baixava os olhos, concentrava-se num livro que fingia ler
até ela se sentar mais atrás e, depois, na confusão normal enquanto a aula não começava, lá se virava
para a ver. Era apanhado em flagrante a espiá-la e voltava-se logo para a frente tomado por uma
ansiedade, acelerava-lhe a pulsação, punha-se vermelho, tinha suores.
Inicialmente, Clara confundiu o embaraço com altivez, ocorreu-lhe que João Pedro não a tivesse
em consideração, que se tivesse esquecido dela assim que a deixara à porta da faculdade, no entanto,
mais tarde, via-o erguer a cabeça na cantina, na biblioteca, segui-la pelo rabo do olho ainda que nada
dissesse, e isso confundiu-a. Clara já o achava bem apessoado num género circunspecto, muito sério,
muito sensato, e interrogava-se com algum devaneio romanesco se haveria outras saias a impedi-lo,
se era um compromisso que ela desconhecia que se intrometia entre eles.

Ponderou com gravidade o que deveria fazer, já que ele nada fazia. Clara observava todos os dias
pessoas que se acanhavam nas situações mais insignificantes: o homem de casaco puído no metro que
deixava passar a sua estação porque se distraíra e tinha vergonha de furar à pressa por entre os
outros passageiros; a senhora que saía antes da sua paragem por causa do bêbado que lhe piscava o