Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1

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A paciência não era uma das virtudes de Clara e a falta de iniciativa de João Pedro mexia com ela.
Finalmente, esqueceu-se da promessa que fizera a si própria de não voltar a dirigir-lhe a palavra e
decidiu abordá-lo à hora do almoço. Não que o tivesse planeado, mas, ao entrar na cantina, reparou
nele sozinho numa mesa, a olhar para ela, a baixar os olhos como sempre, e pensou que se lixe, não
passa de hoje.

Aproximou-se com o tabuleiro nas mãos, parou à frente dele, ofereceu-lhe o seu sorriso mais
encantador, perguntou-lhe:
— Posso sentar-me?
João Pedro fez-se escarlate, entupiu com um pedaço de batata entalado na garganta.
— Estás bem?
— Estou, engasguei-me — respondeu, fazendo um esforço tremendo para dominar a tosse.
— Estás mesmo bem? — perguntou Clara, muito séria, a controlar-se para não se rir.
— Estou óptimo — respondeu, atrapalhado.
Ela, ali especada de pé, apontou com o queixo para o lugar livre.
— Posso?
— Podes, claro — assentiu, fazendo um gesto desajeitado.


Teriam comido em silêncio se Clara não falasse pelos dois, mas, como era boa a tagarelar, teve a
habilidade de contornar o défice de coloquialidade de João Pedro. Na altura não sabia, pensava que
ele fosse uma espécie de sábio e só abrisse a boca para dizer coisas inteligentes. Julgava que ele não
perdia tempo com banalidades e, sendo um pensador culto, só falasse de assuntos realmente
interessantes. Bom, não era bem assim, João Pedro não falava porque não tinha nada para dizer, não
sabia por onde começar para seduzir uma rapariga, faltava-lhe a verve. Porém, descobriu que afinal
não era tão difícil como isso, desde que a rapariga estivesse interessada.
— Então, vais ser pintor? — perguntou Clara entre duas garfadas.
— Sim, bem, eu gosto de pensar que já sou, mas, realmente, ainda tenho de aperfeiçoar a minha
técnica e aprender bastante, antes de poder dizer que sou um pintor a sério.
— Oh, estás a ser modesto. Eu sei que já és muito bom.
— Nunca somos tão bons quanto desejamos. É um trabalho para toda a vida.
— Lá isso é verdade — concordou. — É o teu sonho, então?
— É.
— Vais conseguir.
— Vou conseguir o quê?
— Realizá-lo.
João Pedro olhou-a com uma expressão de condescendência, ou apenas de indulgência.

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