vizinho, como muitas outras pessoas, podia confundir a timidez de João Pedro com antipatia.
João Pedro só estava a par da vida do embaixador pelo que Clara lhe contava, pois não
conversava realmente com ele e, ao contrário da mulher, nunca vira a tal filha hospedeira que ela
descrevia loira e de olho azul, a atirar para o espampanante. Esta incapacidade de João Pedro para
ter, pelo menos, um relacionamento de cortesia com o vizinho desconcertava Clara. Ela tinha
consciência de que a recusa dele em dedicar dois minutos da sua vida ao embaixador, nem que fosse
para falar sobre o tempo ou outra banalidade qualquer, não se devia a uma embirração. João Pedro
não tinha nada contra o senhor, só o evitava por instinto. Se se dava o caso de se cruzarem, estando
acompanhado de Clara, ela e o embaixador começavam logo a falar animadamente de como o
pesadelo da crise estava a deprimir o país e trocavam experiências pessoais que constatavam essa
realidade, ou conversavam sobre outro tema qualquer que viesse a propósito, e, enquanto isso, o
contributo de João Pedro para a conversa não passava de um sorriso aqui, uma expressão de
fatalidade ali, um aceno de cabeça para corroborar algo que eles diziam, mas não chegava a
verbalizar uma opinião. E Clara sabia que ele tinha opiniões sobre os assuntos.
Era assim com toda a gente do bairro. O merceeiro, o homem do talho, a senhora da tabacaria,
cumprimentavam Clara, conheciam-na, gostavam dos gémeos, adoravam o bebé, mas o rosto fechado
de João Pedro e o seu silêncio persistente desincentivava-os a tentar comunicar com ele.
Este comportamento anti-social do marido preocupava Clara, incomodava-a.
— Porque é que nunca falas com o embaixador? — perguntou-lhe um dia.
— Mas, eu falo-lhe sempre — respondeu João Pedro, surpreendido.
— Não, tu cumprimenta-lo, não falas com ele.
— Que queres que fale?
— Não quero que fales nada, só acho estranho conheceres o senhor há tanto tempo e não falares
com ele.
— Não é, propriamente, meu amigo.
— Pois não, é só um vizinho que adora os miúdos e tem sempre uma palavra simpática para nós.
— Eu não sou antipático com ele.
Clara revirou os olhos, exasperada.
— Esquece — disse.
Quanto ao embaixador e João Pedro, era um caso perdido. Fazia três semanas, o emérito vizinho
estava tranquilo no seu conforto a ler o Le Monde diplomatique, afundado no cadeirão de couro, na
sala, debaixo do candeeiro de pé curvo que o banhava de luz. Era o seu lugar preferido para ler, pois
já tinha muita dificuldade em focar as letras pequenas e ali havia o candeeiro e a luz que entrava pela
janela em cima. Homem de grande cultura e de fino pensamento, mesmo depois de reformado, o
embaixador não dispensava a leitura de jornais e revistas. Lia muito, pesquisava na internet,
mantinha-se a par da cena internacional. E ali estava ele, debruçado sobre o eterno braço de ferro do
Irão com o resto do mundo, quando adormeceu antes de chegar ao fim da página. Não foi a primeira
vez que dormiu uma sesta a meio de um artigo, só que desta não voltou a acordar.
O funeral do embaixador seguiu-se a uma missa solene na Basílica da Estrela, templo de eleição
para os falecidos mais ilustres, e teve a presença do primeiro-ministro e do ministro dos Negócios