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A melhor prova de que João Pedro não enlouquecera da noite para o dia era ele ter perfeita
consciência de que não poderia contar a Cristiane que já a conhecia de um sonho. Nem pensar, vai
dizer que sou doido! Pensou isto, já ia ao volante de regresso a casa a planear como haveria de se
aproximar dela. Estava entusiasmadíssimo, mas sem ideias, sentia-se crasso, estupidificado. Não
tinha plano, como haveria de ter se não sabia como se seduzia uma mulher? A única que namorara,
com quem casara, fora Clara e mesmo essa não conquistara com expedientes de amor. Ela é que
tomara a iniciativa, quando não, ainda hoje estaria à espera que ele se decidisse a avançar. Bem,
Clara desistira dele, abandonara-o, não voltava, pensou. Passou-lhe uma melancolia pelo espírito,
uma nuvem triste, mas logo voltou a Cristiane e, sentindo-se assaltado por uma erecção inesperada,
distraiu-se de Clara e recuperou a boa disposição.
Noutra ocasião teria ficado bloqueado, incapaz de uma iniciativa, desistiria dos seus intentos antes
mesmo de ensaiar um gesto, uma palavra. Hoje, porém, não se preocupou demasiado, encolheu os
ombros a pensar que não precisava de plano nenhum. Cristiane ia morar a seu lado, bastava que
deixasse as coisas correrem, algo haveria de acontecer. Lembrou-se de uma frase: «Laissez faire,
laissez passer, le monde va de lui même», declarou, triunfante, em voz alta. «Não é economia,
estúpido, mas é como se fosse. Estamos todos no mercado!»
Teve sorte, conseguiu estacionar perto do seu prédio. Desligou o motor, ficou ali perplexo,
debruçado sobre o tabliê com os dedos fincados no volante. A camioneta das mudanças já não se
encontrava à porta da rua, os homens que carregavam os móveis de Cristiane tinham desaparecido,
não havia vivalma. Foi um choque, não lhe ocorrera que ela não continuasse a entrar e a sair, a
dirigir a mudança, dando ordens práticas em meio de uma alegre agitação. «Merda», rosnou,
abanando a cabeça, desiludido.
A tranquilidade na rua era tal que, por momentos, duvidou que tivesse mesmo encontrado Cristiane
de manhã. Queres ver que fazia tudo parte do sonho e não há Cristiane nenhuma! Não, não pode
ser, claro que há. Fez uma careta cómica, de embaraço, enquanto metia a chave na fechadura. Estou
a ficar maluco, estou a ficar maluco, estou a ficar maluco...
Subiu os degraus da entrada do prédio em bicos dos pés e foi assim até à porta de casa. Mas não a
abriu, ficou à escuta, tentando perceber algum sinal de vida no apartamento do lado. Não ouviu nada.
Decidiu entrar, mas não abriu a porta. Voltou-se, dirigiu-se até à porta dela e continuou à escuta. Nem
um ruído lá dentro. Regressou à sua porta, arrependeu-se, tornou a ir à porta dela, levou o dedo à
campainha, não teve coragem de tocar, perguntou-se o que estava a fazer, foi para casa, arrependeu-
se, voltou atrás por impulso e, desta vez, tocou à campainha. Ficou horrorizado ao ouvir o toque
estridente, abriu muito os olhos, contou depressa em voz baixa até dez, como ela não veio abrir,
escapuliu-se para casa. Já ia abrir a porta quando ouviu a voz de Cristiane.