Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1

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A gargalhada de Cristiane foi-lhe morrendo na garganta enquanto abanava a cabeça, desconcertada
com o disparate que dissera. Mas Cristiane não se ria só dessa gafe insignificante, ria-se, sobretudo,
devido ao alvoroço em que a sua alma se encontrava. Quando ficou sozinha, fez uma careta divertida,
inflamada por um frenesim, abalada por um arrepio agradável que lhe percorreu as entranhas, o
peito, o pescoço, como um calor a subir-lhe desde o ventre. Ou, como se costuma dizer, sentiu
borboletas na barriga.
Mas, por que razão se sentia ela assim, se não se apaixonara naquela tarde? Cristiane não se
apaixonava, muito menos à primeira vista. Desde que se lembrava de si e dos seus sonhos de menina,
que buscava essa sensação transcendente que trespassava o coração de um ser humano e o tornava
arrebatadoramente vulnerável às emoções do amor, mas que ela só conhecia dos romances que lia e
dos filmes que via. Não obstante, já tivera a sua conta de amantes, para não dizer um incontável
desfile de amantes capazes de morrer por ela. Cristiane era tão bonita que sempre vivera rodeada de
homens bonitos. Bem, sempre vivera cercada por todo o género de homens, pois não havia chão que
pisasse que não atraísse de imediato a atenção masculina. Era simpático, facilitava-lhe a vida, mas
chegava a ser maçador ter de aturar alguns tipos a babarem-se para cima dela.


Os melhores colegas de trabalho de Cristiane eram Serginho e Roberto. Os voos com aqueles dois
nunca eram monótonos e a estada no destino uma pândega, sem a tensão sexual das outras viagens
com colegas desejosos de a seduzir e a levar para a cama. Serginho e Roberto iam às compras com
ela no Rio de Janeiro e abespinhavam-se como gatos assanhados contra os homens que a abordavam
e diziam baboseiras para se fazerem interessantes.
Cristiane sabia defender-se, e se durante um voo um passageiro pertinaz se tornava inconveniente,
ela resolvia o assunto com um sorriso imbatível e uma resposta demolidora. Mas, claro que também
tinha os seus romances fugazes com um ou outro colega que a entusiasmava, pois era como ela
dissera a João Pedro: As viagens de trabalho podiam ser muito compridas enquanto se esperava pelo
voo de regresso.


Conquistar um homem era demasiado fácil para Cristiane, mas isso não explicava a sua
incapacidade de se apaixonar, ou talvez explicasse em parte, na medida em que se sentia muitas
vezes acossada pelo excesso de pressão masculina. Mal comparado, era um pouco como aquelas
estrelas de cinema que não podem sair à rua sem serem importunadas, a cada passo que dão, por
desconhecidos que lhes querem falar, elogiar, pedir um autógrafo, seja o que for. Os piropos, mais ou
menos decentes, os estranhos com vontade de lhe agradar, as ousadias de desconhecidos armados em
engraçados faziam parte da sua rotina diária. Tornava-se cansativo.
Ela convivia com isso. Afinal de contas, seria muito pior se a achassem repulsiva. Também não era

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