O jantar demorou. João Pedro descobriu que Cristiane era perfeccionista com os seus cozinhados.
A couve esteve quase meia hora de molho em água quente para ficar mais tenra e depois, na panela,
permaneceu em lume brando com as salsichas durante uma eternidade, para apurar. Entretanto, João
Pedro foi-se esquecendo de Clara, abriu uma garrafa de vinho branco, que não estaria à altura do
gosto requintado de Cristiane, mas estava bem gelada e ele serviu-a em flûtes de cristal.
Foram para a mesa já muito para lá das dez da noite e com a garrafa de branco vazia. João Pedro
vasculhou a despensa e resgatou de lá um tinto razoável. Instalaram-se na mesa da sala de jantar com
as pequenas chamas das velas, que ele teve a inspiração de acender, de permeio, a bailar ao nível
dos olhos. Ela serviu-se e ele observou-a com um suspiro silencioso, a pensar que era mesmo
bonita.
As velas tinham derretido quase até ao fim, da segunda garrafa de tinto já só restava um fundinho,
os pratos vazios haviam sido recolhidos. Cristiane apoiava-se num cotovelo, com a cabeça deitada
na mão, e tinha uma expressão entre a indolência e o enlevado.
— Porque é que te separaste? — perguntou-lhe. Tinham passado a tratar-se por tu mais ou menos
entre a primeira e a segunda garrafa de tinto. A informalidade estava instalada entre eles e já se
permitiam entrar por terrenos mais íntimos.
João Pedro encolheu os ombros, recostado na cadeira com as pernas estiradas e uma mão a segurar
o copo em cima da mesa.
— Sei lá, acho que ela se fartou porque eu me dedico demasiado ao trabalho.
Cristiane pousou nele uns olhos doces, cheia de bonomia e compreensão.
— A pintura é a tua essência, não é?
Ele fez uma expressão de perene inevitabilidade.
— É...
— As mulheres são lixadas — disse ela a sorrir.
João Pedro soltou uma gargalhada breve, abanou lentamente a cabeça com um sorriso pensativo.
— Se são — disse.
— Gostava que pintasses o meu retrato — declarou Cristiane.
Uma luzinha de reconhecimento acendeu-se na mente de João Pedro e ele pensou bingo! Tinha a
certeza de que iria pintar o retrato dela, já o vira no sonho da noite anterior.
— Porquê? — perguntou-lhe.
— Porque não tenho nenhum e tu és um pintor extraordinário.
Ele sentiu-se enrubescer um pouco e confortou-se com a luz frouxa das velas que lhe encobria o
embaraço inconveniente. Já antes, Cristiane contemplara com tento os quadros dele, espalhados pelas
paredes da casa, e derramara sobre eles incontidos elogios. João Pedro sentira-se agradavelmente
enaltecido, embora ficasse sempre sem jeito quando alguém expressava deslumbramento pelo seu
trabalho.
— Nunca pintei nenhum retrato — disse. — Só na faculdade, mas esses não contam, porque não
prestavam.
— Oh, não deve ser um problema para ti.
— Acho que não — concordou, com uma pontinha de pretensiosismo.
— Então, pintas?