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Poder-se-ia considerar que aconteceu o que tinha de acontecer, que era previsível que, ao seguir
por esse caminho, João Pedro e Cristiane foram pouco originais e esmagaram o romantismo que
pairava sobre os seus espíritos encantados. Mas, convenhamos, originais já eles eram, cada um à sua
maneira, e o romantismo não constituía uma prioridade para nenhum dos dois. Além disso, a
originalidade e o romantismo não eram, necessariamente, virtudes incontornáveis. Hoje em dia,
sobrevalorizava-se a originalidade em contraposição com a uniformidade imposta pela ditadura da
publicidade. As pessoas prestavam culto à diferença, ansiavam contrariar a igualdade do rebanho
social, mas também pretendiam ser modernas, queriam estar na moda em todas as frentes: vestir,
comer, beber, falar, frequentar, ter! Tudo conforme os cânones da moda. Era uma incoerência?
Evidentemente. Mas, para fugir a essa contradição, o indivíduo precisava de ser o primeiro em tudo.
Deste modo, tinha a ilusão de ser ele o criador de tendências. O precursor de tendências regressava
sempre à originalidade, abandonando rapidamente as modas, comprando mais e mais, à frente do
pelotão, sendo o campeão do consumo sem suspeitar que era a maior vítima da indústria e das suas
sofisticadas técnicas de venda.
João Pedro e Cristiane eram os verdadeiros originais. Eles tinham um problema com o excesso de
originalidade, não se enquadravam no rebanho, sofriam de solidão crónica.
— Hoje, o jantar é por minha conta — anunciou Cristiane. Pegou no telemóvel, encomendou uma
piza.
Meia hora mais tarde, quando o rapaz das pizas tocou à campainha, Cristiane teve um risinho
nervoso, simulando um pudor que não sentia.
— Tens de ir tu à porta — disse, representando uma falsa ingenuidade. Tinha vestido só as cuecas
e continuara a conversar com João Pedro nua, confortavelmente recolhida no canto da chaise longue
a abraçar as pernas dobradas à frente do peito.
João Pedro voltou com a piza e Cristiane foi à cozinha em passinhos ligeiros buscar uma garrafa de
vinho branco que pusera a gelar no frigorífico, dois copos, um saca-rolhas. Sentou-se com as pernas
dobradas, cruzadas.
Comeram à mão as fatias de piza, entre gargalhadas de boa disposição. João Pedro quis limpar-lhe
com o dedo um bocadinho de tomate no canto da boca. Cristiane segurou-lhe a mão e chupou-lhe o
dedo, envolvendo-o com os lábios carnudos, mantendo os olhos nos olhos dele. Foi um momento
erótico, que ela prolongou dando-lhe a comer um pedaço da sua fatia de piza.
— É bom? — perguntou-lhe, provocadora.
— É muito bom — respondeu.
A caixa da piza foi abandonada no chão, a garrafa de vinho, igualmente vazia, também. Cristiane