Um Homem Escandaloso

(Carla ScalaEjcveS) #1
— Sim, casamos de branco na praia, ao pôr-do-sol.

Cristiane imaginou a cena, com um sorriso. Era fácil esquecer o resto da vida e fantasiar sem
limites, rodeados daqueles luxos perenes, que, no entanto, não lhes pertenciam. Mas Cristiane sempre
tivera acesso aos lugares mais sumptuosos do mundo sem precisar de dinheiro e não se deslumbrava
facilmente. O que a surpreendia era a felicidade que sentia na companhia daquele homem singular.
De vez em quando, ainda dava consigo a pensar que ele era praticamente um estranho, pois, há um
mês, não sonhava que iria conhecê-lo, nem com os dias excessivos que iriam viver, as tardes
devassas em sua casa, as sessões de pintura intercaladas com o sexo sem regras. Não podia imaginar
que iria com ele ao Brasil e que, de repente, estaria sentada ao seu lado a olharem para as montanhas
assombrosas a fantasiar sobre a hipótese de se mudarem para aquele país delicioso e casarem na
praia. Cristiane nunca falara com nenhum homem sobre o casamento, nem a brincar! No entanto, ali
estava ela a sugerir o impensável de outrora, suspensa de uma resposta positiva, nem que fosse só
uma hipótese extravagante.


A tarde pusera-se quente e húmida. O calor, as roupas molhadas coladas ao corpo, a leve euforia
das caipirinhas e a conversa íntima suscitaram em Cristiane pensamentos concupiscentes.
— Quero ir para o hotel — declarou.
João Pedro lançou-lhe um olhar de esguelha, desconfiado. Ela devolveu-lhe uma expressão
desafiadora.
— Agora? — perguntou ele.
— Agora.
— Qual é a urgência?
— Quero que me leves para a cama e que faças amor comigo como se não houvesse amanhã.
Após um breve silêncio de incredulidade, João Pedro abriu-se num grande sorriso, como se tivesse
ganho um prémio.
— Vamos! — disse.
Cristiane tinha estas saídas desconcertantes que ainda o deixavam atordoado, mas não deixou de
notar a subtil mudança de atitude em relação a ele. Há poucos dias, em Lisboa, Cristiane ter-lhe-ia
feito a mesma proposta escolhendo palavras bem mais cruas e directas que não incluiriam, em
definitivo, o termo amor. Ela substituíra o vernáculo ordinário e excitante, que implicava
divertimento puro e descomprometido, por uma linguagem deliberadamente romântica, que sugeria
um carinho apaixonado.
João Pedro apercebeu-se de que havia uma alteração de atitude em Cristiane desde que viajaram
para o Brasil. A dedicação dela, a vontade de agradar, de fazer com que ele se sentisse feliz ao seu
lado eram tais que chegava a ser um entusiasmo um pouco asfixiante. Cristiane planeava os dias ao
milímetro: primeiro iam aqui, a seguir ali, depois acolá, e os programas eram tão preenchidos que só
permitiam um tempo limitado em cada lugar e, muitas vezes, tinham de se apressar para não falharem
a visita seguinte, como se não estivessem de férias e houvesse a obrigação de cumprir um plano
rigorosamente estabelecido. Numa ocasião, sentaram-se numa esplanada e João Pedro — que
acabara de aprender a palavra chope — estava a adorar pedir chopes, uns a seguir aos outros, e não
lhe apetecia fazer mais nada senão passar o resto da tarde ali a beber cerveja e à conversa, mas
Cristiane começou a ficar impaciente com as horas, receosa de que já não fossem a tempo de apanhar

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