Uma noite em Nova York

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Filipe chegou ao Empire State Building dez minutos antes da hora marcada,
às dezesseis e cinquenta. Parou à frente do edifício, no outro lado da rua,
fumando um cigarro, mergulhado numa nostalgia, lembrando-se de Isabel na
esplanada, anos atrás, do rosto dela, das suas mãos brincando com o
pacotinho de adoçante vazio, da sua voz dizendo “não estamos destinados a
ficar juntos”, dele a retorquir-lhe “deixe estar, nos encontramos daqui a uns
anos, quando formos velhinhos. Tomamos um café e nos lamentamos da vida
que poderíamos ter tido juntos”. Os anos tinham passado e o destino trouxera-
o ali... e Isabel, teria vindo?


Houve um momento, um pressentimento, uma clarividência, Isabel não viria,
teve a certeza. Olhou para o relógio, cinco da tarde, jogou fora o cigarro,
sentiu-se um perfeito idiota, encolheu os ombros, deu meia-volta e começou a
afastar-se, pensando em questões práticas: pegar um táxi, ir ao hotel buscar a
bagagem, seguir para o aeroporto. Chegou ao fim do quarteirão, viu um táxi
vazio, estendeu o braço, o carro parou, entrou, disse o endereço do hotel ao
motorista.


Reencontrar Isabel teria sido uma alegria, mas a vida não voltava atrás e era
um disparate imaginar o contrário. As pessoas não tomavam decisões que lhes
mudavam a vida com base em impulsos românticos. Isabel nunca iria largar
tudo para se encontrar com ele. Filipe nem sabia se Isabel ainda o amava, se
sequer pensava nele.


O trânsito não avançava, o táxi arrastava-se numa fila que parecia não ter
fim, o motorista, um indiano furioso de turbante branco, amaldiçoava aquela
cidade impossível. Filipe encostou a cabeça ao vidro, distraiu-se observando
as pessoas andando na calçada, reparou nos homens engravatados e
encolhidos nos seus sobretudos, de pasta na mão, nas mulheres sofisticadas,
bem vestidas, de cabeça erguida, nos jovens de jeans e sweatshirts e blusões
desportivos, com fones de ouvido, abstraídos da confusão, fintando as
pessoas, ligeiros nos seus tênis. Calculou que não voltaria a Nova York
durante muito tempo. No dia seguinte estaria em Lisboa e a vida continuaria.
“A tua vida funciona sem mim”, dissera-lhe Isabel um dia, antes de deixá-lo.
Lembrava-se dessa frase final e de lhe responder com um nó na garganta

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