Filipe. Há anos que não pensava naquilo, refletiu, mas sentia-se triste e
nostálgica. Encolheu os ombros, pensando que devia ser por isso. Abriu mais
a porta, saiu do consultório, voltou a fechá-la, percorreu o corredor que
conduzia à saída para a rua com a mente presa à recordação daquele dia
decisivo.
Lembrava-se de todos os momentos daquele dia, como se não tivesse
acontecido há mais de duas décadas. Lembrava-se de Filipe ter desligado o
telefone, de ter ficado aflita e de ter tentado ligar novamente, de Filipe não ter
atendido nenhuma das oito chamadas que ela fizera do hospital ao longo da
tarde. Oito chamadas, até disso se recordava, pensou, espantada com a
exatidão da sua memória tantos anos depois.
Patrícia passou a porta de saída do hospital e a noite fria caiu sobre ela com
uma agressividade inesperada. Aconchegou melhor as abas do casaco e
apressou o passo em direcção ao estacionamento. Fazia tanto frio, notou,
ansiando por chegar em casa e tomar um banho quente.
O frio... também se lembrava de ter passado muito frio naquela noite, há
vinte e cinco anos, sentada no degrau da escada do prédio de Filipe, à espera
dele. Ele chegou perto das duas e encontrou-a ali na rua, encolhida no casaco,
de braços cruzados, inclinada para a frente com o queixo em cima dos
joelhos.
Filipe fitou-a perplexo, de mãos afundadas nos bolsos do sobretudo cinza-
escuro que usava na data.
– O que é que está fazendo aqui a essa hora, Patrícia?
Ela levantou-se de um salto.
– Não fui jantar com o meu colega – disse, precipitadamente.