Opinião • p. 3B
ARTIGO
- A era dos acordos com o poder público
 FÁBIO MEDINA
 OSÓRIO
 Os novos espaços de diálogo entre o poder
 público e as pessoas, sejam físicas ou ju-
 rídicas, impressionam pela elasticidade,
 temporalidade, formalidade e transversali-
 dade das disciplinas jurídicas. Antes, o fe-
 nômeno era restrito a determinadas áreas
 do Direito privado, e sempre debaixo de res-
 trições; mas agora se alastrou ao Direito pú-
 blico de modo indiscriminado, inclusive ao
 Direito penal e ao tributário (vide portaria
 360 da Procuradoria-Geral da Fazenda Na-
 cional, de 13 de junho de 2018, que trata de
 acordos em matéria tributária).
 As novas tecnologias irromperam nos do-
 mínios do Direito e criaram suas próprias
 leis, gerando uma lógica peculiar de veloci-
 dade e soluções, àluz dos paradigmas da in-
 teligência artificial. Imaginar que as anti-
 gas premissas que permeavam os conflitos
 poderiam presidir as relações interpessoais
 seria uma ilusão nos tempos complexos que
 vivemos. Os processos disruptivos são per-
 manentes e também as inovações não dis-
 ruptivas abrem caminhos surpreendentes.
 Não se trata apenas de reconhecer as rela-
 ções digitais como imperiosas, e logo os ser-
 viços públicos digitais, a administração pú-
 blica digital, e as soluções consensuais co-
 mo obrigatórias. Cuida-se, sobretudo, de
 homologar a autonomia das partes e inclu-
 sive do poder público, para composição dos
 problemas como vetores essenciais do de-
 senvolvimento contemporâneo, a partir da
 disponibilidade de todas as categorias de di-
 reitos possíveis, difusos e coletivos.
 Abandona-se, dessa maneira, o dogma da
 indisponibilidade dos direitos fundamen-
 tais, algo clássico na modernidade, para
 adentrar-se o nebuloso campo darelativiza-
 ção e ductibilidade desses mesmos direitos.
 O direito à liberdade, por exemplo, passa a
 ser disponível pela própria parte que dele é
 detentora, e que se vê ameaçada pelo Esta-
 do-Ministério Público, com o qual poderá
 negociar uma pena privativa de liberdade
 em troca de informações e confissão.
 Também será possí-
 As novas vel negociar acordos
 tecnologias envolvendo recompo-
 irromperam nos sição ao Erário, com
 domínios do devedores ou credores,
 Direito e criaram desde que o deságio se-
 suas próprias leis, ja vantajoso ao setor
 gerando uma público, algo muito
 lógica peculiar melhor que pagar dívi-
 das com alto impacto
 aos contribuintes. Tal lógica valerá, igual-
 mente, para o campo ambiental, tributário,
 cível, trabalhista ou qualquer outra esfera
 em que estejam envolvidos direitos afeta-
 dos pelos poderes públicos. O Direito in
 abstracto cede lugar ao direito in concreto
 construído nos casos e nos acordos.
 Quem pode dizer se um acordo vai ser
 bom ou ruim? Deve-se confiar no sistema
 de Justiça, na qualidade dos advogados, e na
 assistência jurídica a ser prestada também
 aos desassistidos e aos pobres, através dos
 defensores públicos, profissionais estes
 que detêm expertise qualificada e que tra-
 balham inclusive em home office em nume-
 rosos casos atualmente. Será fundamental
 confiar nos parâmetros racionais, proporci-
 onais e razoáveis dos acordos e na interdi-
 ção à arbitrariedade dos poderes públicos.
 Acordos de colaboração premiada, de le-
 niência, ou essas informações sob recom-
 pensa que virão dos "informantes do bem"
 deverão estar lastreados em sólidos ele-
 mentos de corroboração. O modelo de acor-
 dos será baseado em critérios jurídicos, não
 no capricho dos gestores públicos e muito
 menos na irracionalidade humana. E os
 precedentes sempre serão úteis.
 Fábio Medina Osório é advogado e foi
 ministro da Advocacia-Geral da União
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PÁTRIA AMADA
.BRASILGOVERNO FEDERAL (^)
