10 • Público • Segunda-feira, 9 de Setembro de 2019
tempo que ocorre a subida ininterrupta dos
índices bolsistas dos EUA e dos títulos de
dívida, são factores de preocupação —
estima-se que 17 biliões de dólares de dívida
sobretudo pública, i.e., 19,5% do PIB mundial,
se transaccione na actualidade a taxas de juro
negativas, um fenómeno sem precedentes.
Embora o risco mais preocupante,
aÆgura-se, resulte do declínio do dólar como
moeda de reserva internacional,
nomeadamente na sequência de acções
empreendidas pela actual Administração
Trump.
Mas serão estes indícios condição
suÆciente para uma recessão em 2020?
Parece que não, pelas seguintes razões.
O FMI estima que o PIB mundial crescerá
este ano a uma taxa
nominal de 3,9%. Os
preços do petróleo e
do gás natural
continuam próximos
dos mínimos dos
últimos cinco anos,
com renováveis e
novas tecnologias a
perspectivar energia
abundante e a preços
estáveis (ou a preços
que não crescem a
taxas elevadas).
A política
monetária continua
extremamente
acomodatícia, sem
que se veriÆque risco
de aumento da
inÇação. Antes pelo
contrário, o principal
risco parece ser a
deÇação, com
globalização,
mudanças Economista. Escreve à segunda-feira
Ricardo Cabral
A crise que (não) vem aí?
N
ouriel Roubini, conhecido por “Dr.
Doom” por ter antecipado a crise
Ænanceira internacional de
2007-2009, num artigo de opinião
de Junho de 2019, aÆrma que estão
presentes nove dos dez riscos que,
de acordo com um seu artigo de
2018, poderão conduzir a uma
recessão e a uma crise nos EUA e
na economia mundial em 2020.
Mas Nouriel Roubini tem a noção de que é
problemático prever e sobretudo datar uma
recessão. Nouriel Roubini acertou em
algumas das suas previsões em 2007-2009,
mas não tem tido razão desde então.
No Google Trends, que mede a frequência
com que uma dada expressão é procurada no
Google, dando-nos um indicador simples da
preocupação relativa das pessoas com
determinada temática, ocorre algo
interessante. Quando se procura o termo
“crise Ænanceira”, veriÆca-se que está
próximo dos níveis mais baixos dos últimos
cinco anos e tem diminuído no último ano,
particularmente nos EUA. Quando se procura
o termo “crise económica”, veriÆca-se que
está em diminuição nos EUA, mas a nível
global tem vindo a aumentar, atingindo os
valores máximos no último ano, ainda assim
37% abaixo do máximo dos últimos cinco
anos. E os resultados variam de acordo com a
região (o Google Trends não reconhece a
Zona Euro nem a União Europeia como
espaços económicos distintos).
O receio da crise próxima entrou já no
discurso político nacional de pré-campanha
das legislativas. De acordo com os seus
programas, os partidos estarão preparados
para a crise, mas asseguram-nos que não será
necessária austeridade.
A nível nacional, existem de facto alguns
sinais de preocupação, traduzidos na
deterioração da balança corrente do país em
resultado do abrandamento da taxa de
crescimento das exportações nacionais e do
provável início da recessão na Alemanha.
A guerra comercial da Administração
Trump, as sanções económicas a países como
Irão, Venezuela e a Coreia do Norte e a
empresas como a Huawei, a crise na
Argentina e no Brasil e, pior, um potencial
conÇito militar com o Irão, que conduziria à
escalada dos preços do petróleo, ao mesmo
tecnológicas e declínio populacional (se se
excluir o continente africano) a contribuírem
para esta tendência.
A política orçamental de várias economias,
como EUA, Japão, China, Coreia do Sul,
também é expansionista. O Governo da
Coreia do Sul anunciou recentemente um
pacote que prevê o aumento da despesa
pública em 8%, de forma a combater o
abrandamento económico.
A Zona Euro abandonará, finalmente,
a estratégia da austeridade?
A Zona Euro, em particular, que foi um
enorme travão à economia mundial desde
2010, e que contrabalançou o efeito
expansionista da política económica
chinesa, está prestes a mudar de rumo,
promovendo programas de expansão
orçamental.
A presidente eleita do BCE, Christine
Lagarde, na quarta-feira passada, perante o
Parlamento Europeu, solicitou aos governos
da Zona Euro o lançamento de um programa
de estímulo orçamental para combater o
populismo, argumentando que a maior parte
dos estados membros da Zona Euro têm
margem orçamental para o fazer.
Face à subida da direita radical nas eleições
estaduais na Alemanha e à queda continuada
tanto da CDU/CSU como do SPD, parece
muito provável que Ænalmente a Alemanha
venha a alterar a regra-travão da dívida da sua
constituição. Se tal vier a ocorrer, e espera-se
que sim, a Alemanha estará também obrigada
a promover a alteração do pacto orçamental
europeu e regras orçamentais
complementares, porque não faz sentido
alterar a regra-travão para posteriormente
Æcar constrangida pelas regras orçamentais
europeias.
A margem orçamental criada nas
economias da Zona Euro, por um lado, pela
redução da despesa com juros, e, por outro,
O principal
risco parece
ser o da
deflação, com
globalização,
mudanças
tecnológicas
e declínio
populacional
a contribuírem
lado, pela muito provável alteração das regras
orçamentais — por exemplo, o aumento do
déÆce estrutural de 0,5% para 2% ou 2,5% do
PIB — seria enorme e sem precedentes.
Em particular, em Portugal, a política
orçamental, que foi pró-cíclica durante o
período de austeridade, agravando a recessão
ou travando o crescimento económico,
começa Ænalmente a contribuir para o
crescimento económico. O eventual
abrandamento das trocas comerciais será
compensado, em contraciclo, pelo aumento
do investimento e da despesa pública.
O discurso do Ministro das Finanças e
Presidente do Eurogrupo da prudência e da
paciência parece algo ultrapassado face à
atitude de decisores europeus do BCE e
sobretudo da Alemanha, mas também da
administração Trump (tenha-se presente a
pressão que o Presidente americano tem feito
sobre a Reserva Federal) perante os riscos de
crise internacional.
As regras orçamentais europeias existentes
não fazem sentido. Por conseguinte, seria
bom que os dirigentes europeus partilhassem
dessa noção, ao invés de agirem como se essas
regras, ad hoc, fossem imutáveis para todo o
sempre.
As eleições gerais de 6 de Outubro
O PS está, segundo as sondagens, à beira da
maioria absoluta. O programa de governo do
PS deÆne como primeiro e segundo
objectivos (p.5) a redução da dívida para
100% do PIB e um saldo primário de 3% do
PIB, respectivamente. Não apresenta quadro
orçamental. O programa do PS prevê um
aumento da despesa pública com pessoal de
3% por ano, destinado sobretudo à reposição
das carreiras e ao aumento do emprego
público, não se comprometendo com
aumentos de salários da função pública.
Mário Centeno veio, entretanto, aÆrmar que
existe margem no programa para aumentos
de salários da função pública à taxa de
inÇação, se esta for baixa. Aumentos dos
salários à taxa de inÇação, durante mais
quatro anos, não se aÆguram politicamente
sustentáveis.
Se se conÆrmarem as alterações na
Alemanha acima referidas, o PS terá margem
(e o dever) para despir o fato das contas mais
que certas.
Mas a campanha ainda vai no adro...
O risco de crise está sempre presente
Sim, uma crise económica pode ocorrer
mais tarde ou mais cedo.
Mas para já, pelo menos, os dirigentes no
poder nas principais economias do mundo e
nos bancos centrais têm instrumentos e
conhecimento para, em larga medida, a
impedir, se quiserem.
PAULO PIMENTA
Os sinais de que a crise
espreita aparentam ser
significativos, mas há
instrumentos e mecanismos
para a impedir
ESPAÇO PÚBLICO