Público • Segunda-feira, 9 de Setembro de 2019 • 11
ESPAÇO PÚBLICO
da produção.
Não entender isto é não querer ver que os
cidadãos são avaliados em função do estatuto
económico-social que têm.
É também não perceber que cidadãos que
eram discriminados pela pobreza em
resultado do subdesenvolvimento dos países
de que eram originários têm hoje um estatuto
que está nas antípodas do que existia,
resultado do desenvolvimento económico
desses países.
Também jamais perceberão o exemplo de
Obama e como é que foi possível ser eleito
Presidente.
Por outro lado, a direita xenófoba, que
inicia passos tímidos para também se
consolidar em Portugal, contradiz-se na
defesa de uma conceção patriótica que diz ter,
procurando com isso iludir os cidadãos
quando na verdade o que tem é uma ideia
nacionalista que
contém em si o
populismo e que
nada tem a ver com o
patriotismo.
Se alguma razão
existe no que invoco,
suscitado pela
necessidade de um
debate salutar que se
deve aprofundar, é
porque, neste
domínio, a luta
contra o racismo se
integra também na
própria aÆrmação de
Portugal no mundo e
dos países de língua
portuguesa e deve
ser antes de mais um
combate
consequente contra a
pobreza e contra
todas as formas de
discriminação.
A necessidade de,
em Portugal, se
reforçar politicamente estes desígnios neste
mundo global, aberto e sem fronteiras,
decorre das funções do Estado e impõe-se
porque há diferenças que nos unem.
Espero, assim, que estas ideias se
aprofundem e reforcem nos debates públicos.
Secretário-geral da UCCLA
Vítor Ramalho
As diferenças
que nos unem
N
os recentes debates políticos em
Portugal houve duas situações que
me tocaram por não contribuírem
para clariÆcar a tão necessária
conceção estratégica neste mundo
global em que vivemos.
Essas situações têm a ver com as
interdependências e o papel que
tem Portugal e os países de língua
portuguesa no mundo, por se
estarem a privilegiar temas muito
conjunturais ou por se estar a desfocar a
essência do que deve ser o conteúdo das
intervenções nos debates.
A primeira dessas situações decorre do
facto do tema da aÆrmação de Portugal no
mundo, particularmente na ligação com os
países de língua oÆcial portuguesa e as
relações ibero-americanas, tão importantes
para a própria UE, não estar de facto na
agenda.
No entanto, ela respeita a uma função
soberana do Estado, é um desaÆo real, como
o devem ser a procura de consensos nas
outras funções soberanas, desde a Justiça, à
Defesa e terminando na Saúde.
A segunda situação foi agora suscitada
pelos acontecimentos xenófobos, ocorridos
recentemente na África do Sul contra
emigrantes, por alegada defesa do emprego.
A conceção universalista e tolerante de
Portugal e dos povos dos países de língua
oÆcial portuguesa tem também neste domínio
um contributo não negligenciável a dar.
Esse contributo respeita à defesa dos
direitos humanos que ultrapassa a visão
maniqueísta, dual e antipedagógica com que
no fundamental até há escassos meses teve
lugar um debate na comunicação social sobre
o racismo, com posições que parecem fugir
ao que deve ser debatido, com os olhos
também no futuro.
A esquerda que se reclama marxista ao
negar o que Marx explicou, ao analisar a
realidade social, não considerou que na
conceção de Marx o racismo tem no cerne um
fundamento económico.
Os recentes processos migratórios e o
cemitério que é hoje o Mediterrâneo,
arrastando conceções populistas, aí estão a
prová-lo.
Como é sabido, a escravatura teve causas
económicas e a abolição dela também
fundamentos económicos determinados aqui
pela Revolução Industrial e pela massiÆcação
A conceção
universalista e
tolerante de
Portugal e dos
povos dos
países de língua
oficial
portuguesa
tem um
contributo a dar
SIPHIWE SIBEKO/REUTERS
Os recentes debates políticos
não contribuíram para
clarificar a conceção
estratégica no mundo global
podem, por exemplo, ser aplicados os
tradicionais critérios que norteiam o
investimento público. A valorização da sua
atratividade e dos seus recursos exige
igualmente tratamento verdadeiramente
diferenciador, quer no que respeita às
famílias, quer às empresas. E isto não é um
custo para o país, é um investimento que deve
ser assumido, na maior parte das vezes sem
retorno imediato, mas que implica preservar
e valorizar os ativos (contribuem para a
qualidade do ar e da água do país, entre
outros) e as potencialidades destes territórios,
cujo abandono tem tido um custo
incomensurável.
A coesão territorial exige uma melhor
governação, incorporando a dimensão
territorial nas políticas públicas, o que obriga
a uma articulação mais eÆciente entre os
diferentes níveis de administração (da escala
europeia à escala local, a que está associado
o princípio da subsidiariedade) e entre as
diferentes políticas setoriais, que devem ter
uma visão/atuação partilhada sobre o
mesmo território. Só com uma maior
coerência e sinergia entre políticas setoriais
com enfoque no mesmo território é que se
podem maximizar os impactos territoriais
das políticas públicas. Neste domínio, muito
há a fazer no nosso país, pois sabemos que a
divisão do território difere de área para área.
Por exemplo, a
região centro é um
determinado
território para o
turismo e outro no
que toca à saúde e
cultura. Quando não
temos intervenções
setoriais que se
sobrepõem e
consomem recursos
sem acrescentar
valor num dado
território.
Estas abordagens
de base territorial
implicam o
desenvolvimento de
formas de discussão
e participação ativa
dos cidadãos no
processo de tomada
de decisão. Isto exige
mudança na forma
de tomada de
decisão política,
envolvendo partilha da decisão e de
responsabilidade; transparência e prestação
de contas. Exige no fundo uma nova forma de
fazer política e de tomar decisões, o que
demora tempo, tempo esse que tem que
começar já!
Presidente da CCDR Centro
Ana Abrunhosa
Há territórios onde não
se recuperará população
É
necessário e urgente abordar o tema
da coesão territorial com verdade e
sem demagogias. O discurso até
agora do politicamente correto
deverá ser corrigido para o discurso
da verdade. É urgente abandonar a
visão redistributiva da política de
coesão, assumindo-se que não basta
colocar recursos nas regiões menos
desenvolvidas, mas antes assumir
que a diminuição das assimetrias regionais
envolve investimento seletivo, qualiÆcador e
capaz de valorizar os recursos endógenos dos
territórios. Estando o crescimento dos
territórios baseado nos seus recursos
endógenos e na sua capacidade de atração de
novas atividades e pessoas, há que assumir
que não é possível ter a tónica no crescimento
em todos os territórios, e assumir também
que em porções importantes do nosso país
coesão territorial signiÆca gerir o declínio, e,
portanto, signiÆca assumir que há partes do
nosso território onde não vai ser possível
recuperar população e atividade económica.
Contudo, isto não signiÆca o abandono destes
territórios, nem deixar de garantir às
populações o acesso aos bens e serviços nas
mesmas condições da população dos
territórios mais desenvolvidos. SigniÆca, hoje
em dia, por exemplo, que em vez de a pessoa
ir ao centro de saúde, à loja do cidadão, ao
mercado, são os prestadores destes serviços
que vão a casa das pessoas. Com as
tecnologias de que dispomos, é seguramente
possível fazer melhor e com menos recursos,
tendo as pessoas no centro das políticas e das
decisões.
O princípio da coesão territorial na
formulação das políticas públicas tem de ser
sinónimo de realçar as características de
cada território, não ao nível dos problemas,
mas numa lógica de valorização, focando-se
nas oportunidades destes. Isto implica
abandonar a forma tradicional de fazer
política, em que temos políticas transversais,
que se aplicam a todo o território, sem se ter
em conta as especiÆcidades dos territórios,
sobretudo dos mais frágeis. É obrigatório
uma ação pública diferenciada com os
territórios, tratar de forma diferente
realidades que são estruturalmente distintas,
pelo que a solução “one-size-Æts-all” é
insuÆciente para lidar com a
heterogeneidade territorial existente.
Nos territórios de baixa densidade não
É obrigatório
uma ação
pública
diferenciada
com os
territórios, pelo
que a solução
one-size-fits-all
é insuficiente
A coesão territorial exige
uma melhor governação,
incorporando a dimensão
territorial nas políticas