Público - 11.09.2019

(Jacob Rumans) #1

22 • Público • Quarta-feira, 11 de Setembro de 2019


LOCAL


Tribunal diz ser inconstitucional


proibir realização de touradas


A acção legal movida pela Prótoiro, o
Clube Taurino Povoense e a empresa
Aplaudir fez ao Tribunal Administra-
tivo e Fiscal do Porto dois pedidos.
Embora se intitule uma “intimação
para protecção de direitos, liberdades
e garantias”, pedia a condenação da
Câmara Municipal da Póvoa de Var-
zim a disponibilizar “com urgência”
a praça de touros da cidade e do
Ministério da Cultura a fazer uma
“vistoria” ao local, através da Inspe-
ção-Geral das Actividades Culturais,
para que as três touradas previstas
para breve pudessem ser realizadas
naquele espaço. Em nenhuma delas,
a juíza deu razão aos queixosos, con-
siderando a intimação “totalmente
improcedente” e absolvendo a autar-
quia. Mas a sentença, de 9 de Setem-
bro, é ainda assim “uma vitória” para
o trio que moveu a acção: “Fica claro
que os municípios não podem proibir
touradas”, congratula-se o secretário-
-geral da Prótoiro, Helder Milheiro.
A pronúncia era “absolutamente
expectável” para esta associação, que
diz ter a lei do seu lado: proibir toura-
das “viola os direitos e liberdades
fundamentais de todos os cidadãos
portugueses”, defende. “É o direito
à cultura que está em causa.”
De facto, embora não fosse essa a
matéria em análise, o TAF não poupa
o executivo de Aires Pereira, que em
Julho de 2018 decidiu, por unanimi-
dade, proibir a realização de “corri-
das de touros ou outros espectáculos
que envolvam violência sobre os ani-
mais”. Esta restrição, considera o
TAF, “não é feita em lei nem com
base em lei” e, por isso, as decisões
tomadas em Assembleia Municipal
“padecem de inconstitucionalidade
orgânica”.
A juíza que assina a sentença é
clara: “A Varzim Lazer, E.M. e o
Município da Póvoa de Varzim não
podem proibir a realização dos
espectáculos tauromáquicos”, escre-
ve. Deixando, no entanto, um amar-
go de boca a quem queria realizar
espectáculos no recinto municipal.
É que estas entidades não podem
impedir, mas também “não são obri-


Acção interposta contra Câmara da Póvoa de Varzim no TAF do Porto não conseguiu o acesso pretendido à


praça da cidade. Mas sentença deixa um aviso: há “inconstitucionalidade orgânica” na proibição de touradas


ro, com eco de Rui Porto Maia: “É um
alerta para outros municípios”.
A Póvoa de Varzim foi a primeira
cidade portuguesa a declarar-se anti-
touradas, seguida de Viana do Caste-
lo. Mas para os dirigentes das duas
entidades, estão em causa situações
diferentes. Se na Póvoa foi imposta
uma proibição, em Viana houve ape-
nas uma declaração de princípios,
considera Helder Milheiro. “São as
duas posições questionáveis, mas
uma é mais grave do que a outra.”
Entende o TAF que o “direito à tou-
rada” existe atendendo ao “reconhe-
cimento jurídico (actual) da dimensão
cultural das touradas”. Nesse sentido,
explica, “o direito à realização de tou-
radas, está dentro do âmbito de pro-
tecção da ‘liberdade de criação cultu-

GONÇALO DIAS

Tradição das corridas de touros e espectáculos com cavalos tem, na Póvoa de Varzim, registos no século XIX

ral’, que é um dos ‘direitos, liberdades
e garantias’ consagrados na Consti-
tuição.”
A decisão classiÆcada como “histó-
rica” pelo Clube Taurino Povoense
motivou as três entidades que promo-
veram esta acção legal a voltar aos
espectáculos que queriam realizar.
Em breve, adiantam, vão divulgar
data para uma tourada a realizar
numa “praça de touros amovível” na
Póvoa de Varzim. O presidente da
autarquia, Aires Pereira, diz aguardar
com tranquilidade o anúncio: “Tenho
muitas dúvidas de que seja possível
realizar qualquer espectáculo no ter-
ritório de um município sem autori-
zação deste. Mas veremos...”

demolição já foi iniciada, com vista à
reconversão num pavilhão multiusos.
Esse direito de encerrar o espaço para
realizar trabalhos está previsto pela
lei, sublinha o TAF. Mas para a Prótoi-
ro e o Clube Taurino, não é assunto
encerrado: “A câmara é contra as tou-
radas, mas não deve ser contra o patri-
mónio”, aponta Rui Porto Maia.
Aires Pereira considera que o TAF
não está munido de poderes para
“decidir sobre inconstitucionalidade”
e não vê a deliberação do executivo
na berlinda: “Não me preocupa, não
fomos chamados a fazer qualquer
retractação”, disse ao PÚBLICO. Para
a Prótoiro e o Clube Taurino Povoen-
se, no entanto, a história tem outra
leitura. “Este caso pode fazer juris-
prudência”, considera Helder Milhei-

Executivo da


Póvoa decidiu


em Julho de 2018,


por unanimidade,
proibir as touradas

Póvoa de Varzim


Mariana Correia Pinto


[email protected]

gadas a ceder o espaço”. E a explica-
ção é simples: “A existência de um
bem privado da Administração não
pressupõe que esse bem seja sempre
e em qualquer caso disponibilizado
a um particular”.
A autarquia alegou, além do mais,
que a praça de touros não tem condi-
ções de segurança para receber qual-
quer espectáculo, uma vez que a sua
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