Público - 11.09.2019

(Jacob Rumans) #1
4 • Público • Quarta-feira, 11 de Setembro de 2019

DESTAQUE


UNIÃO EUROPEIA


H

á muito que se habituou aos
holofotes e quase não preci-
sa de apresentações. Elisa
Ferreira é, sem dúvida, a
mulher portuguesa mais
vezes mencionada para car-
gos de topo em organizações funda-
mentais para o país. Mas, desta vez,
o primeiro-ministro, António Costa,
quis indigitá-la para comissária euro-
peia, sendo a primeira mulher portu-
guesa escolhida para um cargo destes.
A ex-eurodeputada, que entrou pela
primeira vez para o Parlamento
Europeu pela mão do PS, regressa a
Bruxelas, três anos após ter assumido
funções no Banco de Portugal (BdP),
para ocupar a pasta da Coesão e
Reformas.
Formada em Economia pela Uni-
versidade do Porto, Elisa Maria da
Costa Guimarães Ferreira tem o seu
percurso ligado ao PS, mas nunca
quis ter Æliação partidária. Quem já
trabalhou com ela destaca-lhe a capa-
cidade de trabalho, a competência, a
determinação e a segurança com que
fala dos dossiês. Defeito que mais lhe
atribuem: ser pouco tolerante.
Quem a conhece associa o seu per-
curso à “escola de Valente de Olivei-
ra”, que “nasceu” na Comissão de
Coordenação da Região Norte (CCRN)
e que forjou um conjunto de quadros.
“Elisa Ferreira, Silva Peneda, Arlindo
Cunha, Luís Braga da Cruz, entre
outros, estiveram ligados à ‘escola’ de
Planeamento de Valente de Oliveira”,
aÆrma uma fonte do PSD. Mais tarde,
Elisa Ferreira e Braga da Cruz viriam

a ser ministros de António Guterres.
Entre 1995 e 1999, tutelou a pasta do
Ambiente ( José Sócrates era secretá-
rio de Estado adjunto do Ministério
do Ambiente), e de 1992 a 2001 foi
ministra do Planeamento. Braga da
Cruz foi ministro da Economia.
Antes de assumir funções governa-
tivas, passou pela CCRN, onde desem-
penhou funções de vice-presidente.
O seu actual marido, Fernando Freire
de Sousa, com quem é casada em
segundas núpcias, é o actual presi-
dente deste organismo, que tem ago-
ra a designação de Comissão de Coor-
denação e Desenvolvimento Regional
do Norte (CCDRN).
O primeiro marido, António Tavei-
ra, que foi secretário de Estado dos
Recursos Naturais no Governo de
Cavaco Silva, foi candidato pelo PSD
à Câmara do Porto em 1993. Dezasseis
anos depois, o PS convidou Elisa Fer-
reira para liderar a lista à presidência
da mesma autarquia. Ambos falha-
ram a corrida. Taveira perdeu para
Fernando Gomes, Elisa Ferreira para
Rui Rio. Ficou célebre a declaração
que a agora comissária fez então a
propósito da sua candidatura: “É uma
grande vantagem ter alguém que não
vem para a câmara porque quer pro-
tagonismo ou porque quer uma
gamela. Eu perco uma gamela para
vir para o Porto por amor à cidade”.
Fernando Gomes recorda a sua
passagem como assessora da Câmara
do Porto. “Convidei-a a integrar o
‘grupo de sábios’ que criei no primei-
ro mandato como presidente, onde
se discutiam as ideias e projectos para
a cidade”, revela, enaltecendo o per-
Æl e a competência da então assesso-

Elisa Ferreira, comissária,


cosmopolita e tripeira


ra. “Tinha uma grande apetência pela
economia urbana e conhecia muito
bem a região. Aliás, foi com o apoio
dela que o Porto lançou as bases da
regionalização.”
Do currículo da economista, que
está a um mês de completar 64 anos,
consta uma passagem pela Assem-
bleia da República, como deputada,
durante dois anos. Em 2004, é eleita
como eurodeputada, quando já esta-
va operacional a supervisão única
centrada no Banco Central Europeu
(BCE). Nessa altura, foi a relatora da
proposta de regulamento do Parla-
mento e do Conselho Europeu que
estabeleceu as regras de resolução
das instituições de crédito no quadro
do Mecanismo Único de Supervisão.
Eram então desenhadas as regras da
União Bancária que vieram a pôr de
pé, desde 1 de Janeiro de 2016, o “res-
gate interno” dos bancos em risco de
colapso, chamando os accionistas e
credores a assumir prejuízos (e abrin-
do a possibilidade de serem imputa-
das perdas aos depositantes acima de
100 mil euros).
O protagonismo que ganhou como
relatora e representante do Parla-
mento nas negociações com os gover-
nos da União Europeia valeu-lhe o
reconhecimento dentro do Parlamen-
to, da Comissão e até do então execu-
tivo de Passos Coelho. Ex-colegas que
acompanharam o seu trabalho enal-
tecem os “bons desempenhos” em
áreas como a economia Ænanceira,
por exemplo, ao mesmo tempo que
lhe apontam a “falta de visão política
e a incapacidade para negociar com
os seus pares”.
Na qualidade de vice-governadora,

gão. É sócia do FC Porto desde o dia
10 de Outubro de 1991 (o seu número
é o 18.167) e tem lugar cativo, mas
muitas vezes é convidada para assistir
a jogos no camarote presidencial de
Pinto da Costa.
“Como ministra do Ambiente, teve
um papel importantíssimo na concre-
tização do sistema de despoluição do
Rio Ave e da recuperação do Vale do
Ave”, aÆrma fonte socialista, subli-
nhando que a despoluição do Ave foi
crucial para a recuperação económi-
ca da região.
Filha única e tardia de uma família
para quem a austeridade era um valor,
raramente tira os pés do chão, ainda
que seja capaz de sonhar, conforme a
própria assume. E sabe como reagir
em situações que exigem fair play. A
contestada co-incineração em cimen-
teiras como forma preferencial de
tratamento dos resíduos industriais
perigosos — decisão tomada em 1997
— valeu-lhe um cartoon de António,

viu o seu nome envolvido numa das
polémicas mais intensas dos últimos
anos no sector Ænanceiro, nomeada-
mente os créditos ruinosos da Caixa
Geral de Depósitos, que geraram per-
das avultadas cobertas pelos contri-
buintes. Em especial, no caso de um
dos clientes mais problemáticos, a La
Seda, viu-se forçada a esclarecer que
não iria pedir escusa nas decisões do
BdP relacionadas com este cliente,
onde o seu marido, Freire de Sousa,
teve um papel importante a determi-
nada altura.

Portuense especial
Nas palavras do recém-eleito eurode-
putado do PS, Manuel Pizarro, a nova
comissária é “uma portuense espe-
cial: é ao mesmo tempo absolutamen-
te tripeira e completamente cosmo-
polita, consegue combinar estas duas
características de uma forma suave”.
De vez em quando, Pizarro cruza-se
com a comissária no Estádio do Dra-

Janez Lenarcic, RE
Gestão de Crises
Diplomata de carreira, Lenarcic
era o único candidato a
comissário que não estava
ligado a nenhuma das famílias
políticas europeias. Era o
ex-representante permanente
da Eslovénia na União Europeia.

Kadri Simson, RE
Energia
A ministra dos Assuntos
Económicos e Infra-estruturas
da Estónia ainda foi nomeada
pelo seu Governo para a actual
Comissão, mas Juncker não lhe
atribuiu nenhum pelouro.

Jutta Urpilainen, S&D
Parcerias Internacionais
A antiga presidente do Partido
Social-Democrata da Finlândia,
que foi ministra das Finanças e
vice primeira-ministra do país
entre 2011 e 2014, vai gerir a
pasta das Parcerias
Internacionais.

Virginijus Sinkevicius, Verdes
Ambiente e Oceanos
O jovem ministro da Economia e
Inovação da Lituânia, de 28
anos, será o segundo comissário
dos Verdes, embora as suas
ideias não estejam totalmente
em consonância com as da
família europeia.

Nicolas Schmit, S&D
Emprego
O eurodeputado do
Luxemburgo foi ministro do
Trabalho e fez parte das
negociações para a construção
de uma coligação de Governo,
após as eleições legislativas de
Outubro de 2018.

Helena Dalli, S&D
Igualdade
A ministra maltesa para os
Assuntos Europeus e a
Igualdade vai ter as mesmas
preocupações e
responsabilidades acrescidas
como comissária para a
Igualdade.

Paolo Gentiloni, S&D
Economia
Como Ursula Von der Leyen, o
poliglota Paolo Gentiloni
pertence a uma conhecida
família aristocrata: são ambos
ferozes combatentes da vaga
populista que assola a política
europeia.

Valdis Dombrovskis, PPE
Vice-presidente executivo e
Serviços Financeiros
Conhecido pelo seu estilo sóbrio
e disciplinado, continuará a
seguir os mesmos temas, mas
com a responsabilidade
acrescida de ser também
vice-presidente executivo.

Margarida Gomes

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