Público - 11.09.2019

(Jacob Rumans) #1
6 • Público • Quarta-feira, 11 de Setembro de 2019

ESPAÇO PÚBLICO


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CARTAS AO DIRECTOR


Obrigada, prof. Castilho


Não se tem cansado, o professor
Santana Castilho (S.C.), de, na sua
coluna semanal aqui, no PÚBLICO,
enumerar diversas situações
anómalas que têm prejudicado
brutalmente a classe docente. (...)
Atentemos nos números que o
prof. S.C. trouxe à colação num seu
artigo, baseado numa investigação
da historiadora Raquel Varela.
Vejamos: “22.000 professores
usam medicação em demasia; 85%
manifestam sinais de
despersonalização; 47,8%
apresentam sintomas
preocupantes de exaustão psíquica
e emocional; 91% — importante este
número — consideram que baixou
o prestígio da proÆssão; 31%
expressam desmotivação para
ensinar; 85% referem que o
Ministério da Educação não
valoriza o seu trabalho; 80 %
sentem que diminuiu a sua

autonomia e poder de decisão.
Mais palavras para quê? Obrigado,
professor Santana Castilho, pelas
suas palavras de apreço pelos
professores, palavras
denunciadoras de situações
intoleráveis que conduziram à
autêntica proletarização da classe
que já foi proÆssão digna e nobre.
Por alguma razão a Fenprof está
“inÆltrada” e “representa” um
número considerável de
professores...
António Cândido Miguéis, Vila Real

O dilema identitário


Li com bastante interesse o
editorial do Manuel Carvalho
acerca do dilema identitário do
Bloco de Esquerda (se é de
extrema-esquerda ou
social-democrata e as piscadelas de
olho ao centro). Concordo com a
maior parte.

Não sendo minimamente afecto
ao BE, não posso, contudo, deixar
de tecer algumas considerações.
O argumento de que “esquerda”
é incompatível com “contas certas”
é uma generalização típica da
direita. Como chega à conclusão
que não se podem aplicar contas
certas ao “mundo de sonho” (uma
desqualiÆcação muito pueril,
diga-se) dos benefícios sociais que
enunciou?
Tenho uma teoria acerca disto: o
PÚBLICO, o seu director e os seus
detentores (a Sonae) são, na
realidade, ultraliberais.
Enquanto o PÚBLICO e os seus
responsáveis não saem do armário
em termos ideológicos, vou
continuar a espantar-me com o
dilema identitário de um jornal que
por um lado faz tudo pela causa
ultraneoliberal, mas por outro
continua a ser tido publicamente
como “de esquerda”.
Alípio Soeiro, Lisboa

País perplexo com Costa


António Costa diz-se perplexo
com Rui Rio por este ter “tirado da
cartola” o TGV. E a sua
perplexidade é ainda maior, diz o
primeiro-ministro, porque,
nomeadamente, o PSD foi sempre
o campeão anti-TGV. Ao ouvir este
dislate de António Costa, o país é
que Æcou mesmo perplexo com o
primeiro-ministro. E não só por
isto. O essencial é que não se
percebe bem por que razões não
se faz o TGV e também um novo
aeroporto internacional,
Æcando-se pelo remendo do
Montijo. António Costa diz que o
TGV é um produto tóxico e não há
condições políticas e Ænanceiras
para pensarmos nele na próxima
legislatura. Pergunto: como é
possível falar em produto tóxico,
quando a vizinha Espanha e a
França o têm?
Simões Ilharco, Lisboa

Elisa Ferreira é a primeira mulher portuguesa
a ocupar o cargo de comissária europeia,
depois de ter sido já eurodeputada. A actual
vice-governadora do Banco de Portugal, ligada ao
PS e formada na Comissão de Coordenação da
Região Norte, regressa a Bruxelas para gerir a
distribuição dos fundos comunitários e promover a
política de apoio às regiões que terão de enfrentar a
transição energética. A pasta da Coesão e Reformas
fica-lhe bem. (Pág. 2 a 5) A.C.

Cristiano Ronaldo está cada vez mais perto
da incrível barreira dos 100 golos marcados
com a camisola da selecção. Ontem, apontou
nada menos do que quatro na goleada que Portugal
infligiu à Lituânia, em mais um jogo da fase de
qualificação para o Euro 2020. O avançado da
Juventus deu expressão à superioridade portuguesa
frente ao último classificado do Grupo B e confirmou
que o campeão europeu caminha a passos largos
Elisa Ferreira Cristiano Ronaldo rumo a mais uma fase final. (Pág. 44-45). N.S.

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O Brasil à frente da nova vaga do autoritarismo


D

esenganem-se os profetas da
desgraça que vêem o Brasil de
hoje transformado numa
ditadura de extrema-direita.
Não, o Brasil permanece como
uma democracia sólida, mas não é por
obra e vontade da sua liderança. É por
causa da força das suas instituições,
da soÆsticação da sua sociedade ou
pela força e determinação da sua
imprensa livre. Mas há um dilema a
acompanhar no futuro próximo: saber
o que acontece na relação de forças
entre a pulsão autoritária do clã

Bolsonaro e uma oposição
democrática fragmentada, desiludida,
desorientada e atormentada pela
herança contaminada do lulismo.
Com uma certeza perigosa à partida:
em nenhum outro país do Mundo o
poder político mostra o mesmo
despudor em confrontar as regras e os
valores da democracia como no Brasil
de Bolsonaro.
Deixou de ser apenas uma questão
de discurso. Se outrora Bolsonaro foi
capaz de elogiar Carlos Brilhante
Ustra, o militar conhecido por
torturar opositores no tempo da
ditadura, agora assume-se como
cabeça de um clã no qual há membros
(no caso, o Ælho Carlos, vereador no
Rio) que dizem nas redes sociais o que
de facto o Presidente pensa: que não
haverá transformações rápidas no
país “por vias democráticas”. Junte-se

à ideia o nacionalismo patente no
discurso sobre a Amazónia, o
nepotismo que leva o Presidente a
admitir nomear o seu Ælho Eduardo
como embaixador em Washington ou
a apologia de uma cultura intolerante
que leva a polícia a invadir uma bienal
literária para apreender um livro para
a infância na qual dois homens se
beijavam e Æcamos com o quadro
completo. O bolsonarismo não dá o
golpe apenas porque o Exército não
quer e as vanguardas da sociedade
brasileira não deixam.
Não é caso para grande
tranquilidade, porém. Como um
vírus, o discurso persecutório contra
gays, negros ou qualquer outra franja
da sociedade que escape ao
estereótipo do poder dominante
vai-se estendendo. Dando
continuidade à fractura social aberta

pelo colapso do lulismo e do PT, o
Brasil extrema-se, criando o contexto
ideal para o golpismo da
extrema-direita (a extrema-esquerda
está moribunda). Com o país
encalhado na crise económica, com o
MDB dissolvido na sua crise moral, o
PSDB incapaz de assumir a sua
responsabilidade histórica e o PT
atado à narrativa do “golpe” que
existiu mas não iliba a sua arrogância,
a corrupção e mentira, o Brasil hesita
numa atmosfera de pessimismo.
Enquanto houver tribunais capazes
de proibir a censura e jornais com
coragem para enfrentar a provocação
autoritária, a democracia subsistirá.
Se essa relação de forças é efémera e
condenada a sucumbir, o tempo o
dirá.

Manuel Carvalho
Editorial
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