Folha de São Paulo - 23.08.2019

(Ron) #1

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UMJORNALASERVIÇO DO BRASIL


a


Publicado desde 1921–Propriedade da EmpresaFolha da Manhã S.A.

PresidenteLuizFrias
diretorderedaçãoSérgio Dávila
suPerintendentesAntonio ManuelTeixeiraMendeseJudith Brito
Conselho editorialRogério CezardeCerqueiraLeite,
Marcelo Coelho,Ana Estela de SousaPinto, Cláudia Collucci,
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Patrícia Campos Mello,Suzana Singer,Vinicius Mota,
AntonioManuelTeixeiraMendes, LuizFriaseSérgio Dávila(secretário)
diretoria-exeCutivaMarcelo Benez(comercial),Marcelo Machado
Gonçalves(financeiro)eEduardo Alcaro(planejamentoenovos negócios)

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editoriais


Ou ele ou ele


Transparência de ocasião


Há poucomais deum mês,opre-
feitodeSãoPaulo,BrunoCovas,
decidiu subirotom aocomentar
aresistênciaderepresentantes do
PSDB mineiroàtentativadaala
paulista dasigla,liderada pelo go-
vernadorJoãoDoriaepor ele pró-
prio,deexpulsarodeputadoeex-
presidenciávelAécio Neves.
Numaespécie de ultimatoaodire-
tório nacionaltucano,Covas lan-
çouodesafio: “Ou eu ou ele”.
Nestaquarta( 21 ), em Brasília, ao
apreciaropedido paralevaroca-
so de Aécio ao Conselho de Ética,
ocolegiadodecidiu ficarcomoex-
governadordeMinasGerais. Ore-
lator, deputadoCelso Sabino (PA),
expôssuavisãocontráriaàadmis-
sibilidade darepresentação—ese
viuacompanhadopor 30 dos 35
correligionários presentes.
Impôs-se, assim,derrota frago-
rosa aDoriaeaoalcaide paulista-
no,que pareceter bons motivos
parasearrepender do afoitorep-
to àcúpula partidária—umsinal,
se não de amadorismo, pelo me-
nosdeimaturidade política.
Por suavez, ogovernadorafir-
mou pormeiodenotaqueoPSDB
escolheuolado errado.“Oderro-
tado nessecaso nãofoiquem de-
fendeuoafastamentodeAécio.
Quem perdeufoioBrasil.”
Em que pesem os gravessinais de
envolvimento emcorrupção,ocan-
didato tucano derrotado nas elei-
ções presidenciais de 2014 conse-

guiu mais umavezfazervaler seu
longohistóricopolíticoesua po-
derosa rede derelações.
Segundo argumentou sob anoni-
mato um de seus aliados,oestrago
queAécio poderiafazernoPSDB já
se materializou no pleitode 2018.
Votarpor sua permanência, nes-
te momento, seria umaforma de
conteroímpetodogrupo lidera-
do pelogovernadorpaulista, que
tentaseassenhorear da legenda.
Nãosetrata,que fique claro, de
disputaentrealasregionais do par-
tido, masentregrupos —paulistas
ou não, mineirosounão—favorá-
veis econtráriosàascensãodo no-
vo caciqueepostulanteaoPalácio
do Planalto em 2022.
Sãoperfeitamentelegítimas e
fundadas as ambições deDoria,
maséfatoque suarápidaebem-
sucedidacarreirapolíticarepresen-
ta uma inflexãoàdireitanas tradi-
ções tucanas.Noexemplomaisre-
cente, ele levouàlegendaodepu-
tado AlexandreFrota (SP),umdis-
sidenteprecocedo bolsonarismo.
Na campanha eleitoral,ogover-
nadorsedistancioudeseu padri-
nho político, Geraldo Alckmin,e
se apresentoucomouma espécie
de aliadotácitodeJairBolsonaro,
posição da qual agoraprocuracau-
telosamenteseafastar.
Suaspretensões presidenciais es-
tãoentre as poucas certezaspolí-
ticasdopaís.Jáosrumos doPSDB
ficaram ainda maisobscuros.

Opersonalismo deJair Bolsonaro
(PSL) maculaatéoque poderiam
ser açõescorretas dogoverno,vi-
deadivulgação de dadosreferen-
tesàcompradeaviõescomfinan-
ciamentos subsidiados do BNDES,
obancofederal defomento.
Uma das bandeiras dacampa-
nha do hojepresidentefoi “abrir a
caixa-preta”dainstituição estatal.
Com isso se alimentavanoeleito-
rado antipetistaaexpectativade
novosescândalos associáveis às
gestões de Luiz Inácio Lula da Sil-
va eDilmaRousseff.
Nãorestadúvida de queoBNDES,
um banco 100 %público, deveter
todas as suas operações quenão
estejamcobertas pelosigilo ban-
cárioexpostas àsociedade.Isso é
especialmenteverdadenocaso de
contratos que envolvam juros infe-
riores aos praticadospelo merca-
do —subsidiados, portanto.
OgovernoBolsonaro,entretanto,
conseguiu transformaroque seria
uma necessária prestação decon-
tasnum espetáculodemesquinhez
eantirrepublicanismo. Mal se dis-
farçou, no episódio,aintenção de
desgastar desafetoseadversários.
Poucosdias antesdeobancodi-
vulgar as informações,omandatá-
rio deuaentender queoapresen-
tador deTVLuciano Huckhavia
comprado um jatinhocomrecur-
sosfavorecidos.Tratava-se deres-
postaexplícitaauma crítica recen-
te de Huckasua administração.
Naterça-feira( 20 ),oBNDEStor-

nou públicaalistacom 134 con-
tratos de financiamentos deavi-
õesexecutivos da Embraeraju-
rossubsidiados, novalortotalde
R$ 1 , 921 bilhão.Láestavam os no-
mes do apresentadoredogover-
nador deSãoPaulo,JoãoDoria
(PSDB)—ambos tidoscomo pos-
tulantesempotencial ao Planalto.
Nãosediscuteapertinência da
revelação dos dados,repita-se. O
problema estáemcomofazê-lo.
Estatísticaseinformações pú-
blicas devemser apresentadasde
formacompleta eimpessoal,com
periodicidade previamentedeter-
minada —não de maneiraseleti-
va eaosabor dos humores einte-
ressesocasionais das autoridades.
No caso do BNDES, há um debate
dos maisrelevantes em andamen-
to sobre opapel da instituição.Os
desembolsosparaacompra de ae-
ronavesnão sãoilegais, mascons-
tituemexemplo de uso no mínimo
questionáveldos recursos.
Obancodeveatuar como um hos-
pital paraempresas em dificulda-
des? Afinal,foiparaajudaraEm-
braer apósacriseeconômicaglo-
balde 2008 queogoverno abriu a
linha de créditoparaacomprade
jatosexecutivos. Em outroscasos,
envolvendo somas muitomaiores,
buscou-se estimularcompanhias e
setoresconsiderados estratégicos.
AequipeeconômicadeBolso-
naroparecedisposta alidarcom
tais temas.Opresidentepoderia
aomenosnãoatrapalhar.

PSDB rejeitapor amplamaioriaexpulsãode Aécio,


em derrota de DoriaeCovas queevidencia divisões


internas; rumos do partido ficam maisobscuros


SãoPauloQuemfazrefénscorreo
riscodelevar legitimamente uma
bala nacabeça.Tantooconsequen-
cialismocomoadeontologia mode-
radatendemaconsiderar permissí-
velouaté obrigatóriaaaçãodopoli-
cial quemataocriminoso que ame-
açavaavida de inocentes. Umacoi-
sa, porém,éaceitaramortedose-
questrador WillianAugustodaSil-
vacomo umrevésinevitáveleou-
traécelebrá-la,como fizeram poli-
ciais,WilsonWitzel eJairBolsonaro.
Euatécompreendoacomemora-
çãodos policiais.Éverossímil,afinal,
que elestenhamfestejado nãoexa-
tamenteamortedosequestrador,
masosucesso da operação, que, a
crer nasinformações prestadas pe-
lasautoridades,foimesmoexem-
plar,tendo seguidotodos os proto-
colos, incluindoaavaliação,por psi-
cólogos, de que Silvaestavaemsurto
psicóticoerepresentavaperigo real.
Epor que não podemos estender
essa leituramais benigna dacele-
bração para Witzel eBolsonaro? Em
parte, podemos, mas declarações
dadas pelas duas autoridadesafas-

tamapossibilidadedequetenha si-
do só isso.Bolsonaro, porexemplo,
soltou um“nãotemqueter pena”.Já
Witzel hátempos insistenatese de
que franco-atiradores devemaba-
tersuspeitos mesmo que não este-
jam ameaçandoavida de ninguém.
No caso específico, há umcompli-
cador adicional paraaposiçãomais
linha-dura.Peloque linos jornais,
Silvanão eraalguém que possaser
classificadocomo bandidoemani-
queisticamentecolocado nacate-
goria dos vilões que merecemcas-
tigo. Ao quetudo indica,ele sofria
de transtornosmentais,que, se não
determinaramoataque ao ônibus,
decertocontribuíram paraque ele
ocorresse.
Nãoéabsurdo imaginar que, se o
sistemadesaúde funcionasse me-
lhor,Silvateriarecebido um diag-
nósticoeteriasido tratado,evitan-
doosurtoe,assim,aprópriatragé-
dia.Épreciso muitademagogia, ou
ser uma pessoa muitoruim, paranão
sentir pena ou algum tipo de empa-
tianuma situação dessas.
[email protected]

BRaSÍlIaDepois de instalar umapolí-
ticadenegligêncianomeioambien-
te,JairBolsonaroredobrouaaposta
no discurso da soberania nacional. A
denúnciadeinteressesestrangeiros
sobreaAmazôniacarregauma dose
de lógica, mas serve principalmen-
te paramascararodesmontedos
órgãos de fiscalizaçãoeumaretó-
ricaque estimulaodesmatamento.
Apressão internacional sobreo
Brasil se alastroucomvelocidade
proporcional às provocações deBol-
sonaro. Quandoopaís perdeu os mi-
lhões doFundo Amazônia, ele deu
de ombrosemandou AngelaMer-
kelpegarodinheiroparareflores-
taraAlemanha. “Lá está precisan-
do muitomaisdoque aqui”,disse.
Opresidentegostou debancar o
valentão.Depois, criticoutambém a
Noruegaereforçou suas acusações
contraONGs queatuam naregião.
Dispostoaexploraraameaçaes-
trangeira,Bolsonaroganhouum
presentenestaquinta-feira( 22 ). O
presidentefrancês, EmmanuelMa-
cron, afirmou que as queimadas na
Amazôniaeram uma“criseinterna-

cional”econvocouuma discussão
de emergência sobreoassuntono
G 7 ,grupodepaísesdesenvolvidos.
Ofrancês deucombustível aditi-
vadoàplataforma nacionalista de
Bolsonaro. Usou um pronome pos-
sessivoemprimeirapessoa (“nossa
casa estáqueimando”) e, de quebra,
ainda publicou umafoto antiga, que
ajudouobrasileiroareforçarsuas
queixas de manipulação de infor-
mações sobre adevastação.
Bolsonarorespondeu que Macron
reproduzia uma“mentalidadecolo-
nialista” ao chamar outros países pa-
ra discutiremoassunto.“Ogoverno
brasileirosegueabertoaodiálogo,
combase em dados objetivoseno
respeitomútuo”,afirmou.Nada dis-
so foimarca do presidente atéaqui.
Ele preferiu questionar estatísticas
oficiaiseinsultouseus pares.
OBrasil percebeu que, por trás do
discurso dos europeus,háameaças
de puniçõeseconômicas.Aquestão
na Amazôniavaiaceleraroreposici-
onamentodopaís no mundo.Bolso-
naro, atéaqui,preferiuoisolamento
eoalinhamentoúnicocom os EUA.

RIoDEJaNEIRoWoodstockfoihá 50
anos e, há pelo menos 30 ,ficoespe-
randoaenxurrada dereportagens,
artigoseanálisesarespeitoque sa-
emacada dez anos. Fiz istodeno-
vodesta vez. Nãoqueofestival em
si me interesse. Quando eleaconte-
ceu, li noJornal doBrasil umvago
telegramafalando de umfestival de
rock acontecido dias antesequere-
uniramilharesde jovens numa gro-
ta chamadaWoodstock.Veja bem,
na época, asagências de notíciasle-
varamalguns dias parasetocar —
significandoqueWoodstockcres-
ceuemimportânciaàmedida que
se distanciou dofato.
Um ano depois,saíramoLPtri-
ploeodocumentáriodeMichael
Wadleigh, que estabeleceramuma
versão oficial sobreofestival—ver-
são que só agoracomeçaaser con-
testada,conspurcandoaromânti-
casagade paz, amor,sexo, drogas
erock androll comrelatosdegen-
te atolada emfezes, assédios, estu-
proseaté mortes nocenário.Mas,
enfim, nada disso me dizrespeito. O

que me interessaéodestino dora-
pazedamoçaabraçados soboedre-
dom enlameadonacapadoLPeno
cartaz do filme.
Eles setornaramosímbolo deWo-
odstock.Dedez em dez anos,noani-
versário dofestival,aimprensa em
peso os entrevista. Chamam-seBob-
bi eNick, têmhoje 70 anos e—incrí-
vel—continuam juntos.Bem, isso
contrariatodooprogramalibertá-
rio dos jovens de 1969 ,dos quais eu
eraum.Nossageraçãopregavaose-
xolivre, grupal,aberto. Nada dere-
lações estáveis e, muitomenos,ca-
samento. Eraproibido proibir.Wo-
odstockresumiatudo isso.
Pois,seera assim,Woodstock fra-
cassou.BobbieNick secasaram,ti-
veramdois filhose,quem sabe, ne-
tos. Sãoaposentados,talvez mem-
bros doRotary eaposto quetomam
gemadaantes de dormir.Acadadez
anos, leio sobreWoodstocktorcen-
do para que elestenham finalmente
piradoeseseparado. Masemvão.
Nãoéque ficaramcaretas. Sem-
preforam. Mais ou menoscomo eu.

Festejando tragédias


Palanque amazônico


CareticeemWoodstock



  • Hélio Schwartsman


  • BrunoBoghossian




  • RuyCastro




Em 2018 ,foi publicadoumex-
celentelivrodeDanielBarros,
estudioso de políticaspúblicas,
comestetítulo,abordandoos
desafiosdaeducação brasilei-
ra ealgumas boas práticas que
vêmnoscolocandonocami-
nhocorreto. Otemaéabor-
dado na perspectivadoensi-
noformalemostracomo al-
gumas escolhasfeitas pelo Bra-
sil no passado trouxeram difi-
culdades em assegurar apren-
dizagemde qualidade parato-
dos no presente.
Aboaeducação,noentanto,
associa-setambémàpolidez,
ao saudávelhábitodedemons-
trarmosrespeito por outrosse-
reshumanos no tratocotidia-
noenas conversas quetemos
compessoas dentroeforada
nossa bolha.
Asregras de etiqueta, longe
de serem um ritual sem senti-
do ou ultrapassado,envolvem
fórmulas simplificadas paraen-
viar sinaisanossos interlocu-
toresdeque entendemos que
compartilhamosamesmacon-
dição humana.Trata-se de par-
te doferramental quefoisede-
senvolvendo no nosso proces-
so civilizatório.
Sim, há pessoas hipócritas
que usam linguagem polida pa-
ra desrespeitareagredir quem
éconsiderado,por algumcri-
tério,inferior ou quemtemvi-
sões demundo distintas, mas
isso não desqualificaouso da
boaeducação.
Ela pode ser umexcelenteau-
xiliar naconstrução de umaco-
municação não agressivaque
nos possibilitecriarpontes ho-
je tãoraras,nonosso polariza-
docenáriopolítico.
Afinal,não sairemos da crise
civilizatória que vivemoseda
armadilha paralisantedeata-
quesmútuos, enquantonão
dialogarmos parapoder ela-
borar uma agendamínima de
políticas públicasaserem im-
plementadas.Eháquem pre-
firaparticipar de polêmicasle-
vantadasacadatuíteoficial a
discutiradifícilconstrução de
uma sociedade mais justa, plu-
raledesenvolvida.
Eissonão ocorreapenas no
Brasil.No 3 ºCongresso Inter-
nacionaldeJornalismo de Edu-
cação, nestasemana,Lynell
Hancock,daescola de jornalis-
mo da UniversidadeColumbia,
ao sereferir aocontextoame-
ricano,disse que “certacober-
tura de rumores, tuítesefun-
cionários públicos que podem
ou nãocair,tiraofocodoque
émais pertinenteparanossas
democracias:aeducação”.
Éfundamental, nestesenti-
do,que abandonemos as trin-
cheiras que parecem nos pro-
tegerdaopinião de outros e
nos permitematirar devol-
ta acada agressãorecebida, e
possamos assimbuscar parcei-
rosdejornada naconstrução
de políticas públicas de qua-
lidade, mesmo que deles dis-
cordemos em alguns pontos.
Para issoaboaeducação,nos
dois sentidos dotermo,éum
bom pontodepartidaepermi-
te que nosfoquemos no que é
mais importante.
Afinal,temos um país mal
educado paraconsertar!

País mal


educado



  • Claudia Costin
    DiretoradoCentrodeExcelênciae
    Inovação em PolíticasEducacionais,
    da FGV. Escreve às sextas


Jaguar

opinião


A2 SExtA-FEIrA,23DEAGoStoDE2 019
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