Folha de São Paulo - 21.08.2019

(Steven Felgate) #1

aeee


mundo


A20 Quarta-Feira, 21 DeagostoDe 2019


entrevista
denismukwege



  • LucasNeves


PARISOfimdosilêncio de víti-
mas de estuprorepresentaum
avançonocombate àviolência
contraamulher,mas épreci-
so ir além, sobretudo porque
cadavezmais crianças são vi-
sadasporcriminosos.
Oapeloédoginecologista
Denis Mukwege, 64 ,vence-
dor doNobeldaPazem 2018.
Omédicoparticipa doFron-
teiras do Pensamento,nes-
ta quarta( 21 ), emSãoPaulo.
Em 1999 ,ele criou um hos-
pital naRepúblicaDemocrá-
ticadoCongoparaoperarví-
timasde mutilaçõesgenitais
eoutras agressões. Mais de
40 milpessoas já passaram lá.
Opaís está mergulhado há
cercadedez anosemumcon-
flitoentreExército, milícias e
rebeldesemgrande parteim-
portadoda vizinhaRuanda.



  • Osr. estevenoBrasilem 2010
    parafalar sobre otratamen-


to clínico de vítimas de estu-
pro. Algomudoudesde en-
tão?Houveumaevolução
positiva,aimprensa tratacada
vezmais desse assunto, dan-
do visibilidadeaalgoque era
tabu 10 , 20 anosatrás. Écla-
ro quegostaria quefosse mais
rápido.OmovimentoMeToo,
apartir de 2017 ,permitiuco-
locar ainda mais emevidên-
ciaosofrimentomuitasve-
zessilencioso dasmulheres.

Qualfoiarepercussão do Me-
Toonaregiãoemqueosr.
atua?Oproblema por láéa
ausência do Estado de Direito.
Ofatodenão haverinstaura-
çãodeprocesso apósadenún-
cia desestimula as mulheres.
Quandocomeceiaatender
vítimas, elas não queriamdi-
zerque osferimentos eram
em seusórgãos genitais,con-
tavamque tinham sidoatingi-
das por chifres devacas. Era
claroque as agressões haviam
sido perpetradas por homens.
Aos poucos, elascomeça-
ramafalarmais abertamen-
te,oque nos ajudouaemba-
sar inquéritoseacompanhá-

lasemtribunais.Hoje,quan-
do esse movimentosetorna
global,vejo que ascongolesas
se sentem menos isoladas. O
silêncioéamaior arma dos
agressores paraperpetuar
essa prática. Quandoele pre-
valece,protege oestuprador.

Depois deosr. receberoNo-
beldaPaz,aumentouointe-
resse degovernoseempresas
em financiar seu projeto?Re-
cebemos 5 milhões de euros
dogoverno de Luxemburgo
paraacolherpacientesem
condiçõesmelhores.Nosso
hospitalfoiconcebido para
comportar 125 leitos, não es-
perávamosacatástrofeatu-
al, quandotemos 450 leitos.
Ascondições são muitodi-
fíceis. Esperoque outrosgo-
vernoseorganizações sigam
oexemplo de Luxemburgo.

Os casosdeestuprotêm di-
minuído naRDCnos últimos
anos?Todos esperamque eu
digaqueonúmerocaiu. Mas
não.Enquantohouverum Es-
tado quecontinua permitin-
do estupros, nadavaimudar.

Violência sexualé


como uma metástase,


diz vencedordoNobel


Congolês Denis Mukwegetrabalhacomatendimento a


vítimasdeabuso,que seguem crescendoemseu país


Oque émaischocanteéque,
de unsanos paracá, onúme-
ro de crianças agredidastem
crescidoconstantemente —e
isso incluiataquesabebês. É
oresultado do desapareci-
mentodaJustiçanessaregi-
ão; quandoaimpunidadeéto-
tal, ohomem nãotemlimites.
Issoquer dizer queavio-
lência sexual deixaofront de
guerraese dissemina na soci-
edadecomo uma metástase.
Temos umageraçãoperdida.

Comocombateressa cultura
de violência?Acabarcom os
grupos armados queatuam
nolestedopaís.Sãoaome-
nos 150 formações, sem ide-
ologia,que estupram,matam.
Oproblemaéque há mui-
tosnogoverno,noExército
enapolícia quecometeram
crimesdeguerrae,emalguns
casos,contraahumanidade.
Isso segundo umrelatório de
2010 dasNações Unidas.
Os nomes dos autores des-
sesatosforamretirados do
texto, mastodossabem quem
são.Ninguém incomoda es-
sas pessoas, quecontinuam
abancareliderarguerrilhas.
Pareceque, na RDC,quanto
mais se mata,mais prestígio
se conquista. Por queorelató-
riodaONUestáengavetado?

Osr. disse em entrevistasque
há tambémumgargalo na
educação.Paraeducar as
pessoascom vistasauma mas-
culinidade positiva, derespei-
to às mulheresenão objetifi-
caçãodeseucorpo,épreciso
queexistamregras. Quando as
normas sociais sãorompidas,
não hárecuperação possível.
Em outros países, pode-se
falar em “masculinidade posi-
tiva”porqueasociedade fisca-
liza,fazperguntas. Numa sel-
va sem lei, porém, 50 pessoas
podemfazeromesmo estra-
goque mil em uma socieda-
deregulada. Quando não há
lei, ninguém acreditanoque
aeducação pode propiciar.

Osr. já sofreu críticas porfa-
lar sobreaviolênciacontra
mulheres emvezdedeixá-las
se expressarem por simes-
mas?Já ouviressalvas, mas
só falo do quevejo.Trata-se de
situações que documentei, es-
tudei.Euestivecomcentenas,
milhares de vítimas.Éessaex-
periência que me credencia.
Se eu mantivesseosilêncio di-
antedoquetestemunho,se-
riacúmplice dessa violência.

Com os títuloseascondeco-
rações quetemrecebido, so-
bratempo paraclinicar?An-
tesdoNobel, passava 75 %do
tempo no blocooperatório e
acompanhando pacientes. Is-
so mudou.Preciso merevezar
entreamedicinaeasturnês
parachamaraatenção para
aviolênciacontraamulher.
Percebi essanecessidade em
2009 ou 2010 ,quandooperei
uma bebê de um anoemeio
vítima de abuso,netadeuma
mulher que eu já havia trata-
do.Quando se chega àsegun-
da outerceirageraçãode ví-
timas, percebe-se que essa si-
tuaçãoéinsustentável. Nãoé
no blocooperatório que sevai
conseguir dar fim ao drama
do lestedaRDC.Fazer esse
chamamentoétão importan-
te quantooperar as vítimas.

Denis
Mukwege, 64
Ginecologista
da República
Democrática
do Congo, ven-
ceuoPrêmio
NobeldaPaz
em 2018 por
seu trabalho
àfrentede
hospital que
atende vítimas
de mutilações
genitais
eoutras
agressões

Raul Arboleda/AFP

China defende direito de


expressão depoisdeser


acusada de desinformação


THEWASHINGTONPOSTOcon-
frontoentreTwitter, Facebo-
okeogoverno chinês alcan-
çounovopatamar nestater-
ça( 20 ),quandoPequimde-
fendeu seu direitodedivul-
garsuas opiniões online—
mesmo queastáticas violem
as diretrizes das empresas
paraconteradisseminação
de informação enganosa.
Aresistência da China, ma-
nifestadapelo porta-vozdo
Ministério dasRelaçõesEx-
teriores,GengShuang,foi
divulgada um dia depoisde
TwittereFacebookconsi-
deraremogoverno chinês
responsávelpelo que cha-
maramde “comportamento
coordenadoenão autêntico”
ao moldararepresentação
online dos protestos políti-
cosque agitam HongKong.
Foiaprimeiravez que
grandes empresas ameri-
canas citaramaChinaco-
moresponsávelpor uma
campanha de desinforma-
ção, embora pesquisadores
afirmem há anos queogo-
verno do país asiáticotem
operações sofisticadas nas
redes sociais destinadas a
influenciarodebate público.
Algumas das milhares de
contasfechadas pelas em-
presastinham perfis que
afirmavamser de outros pa-
íses, inclusivedediversas ci-
dades dosEstados Unidos, e
oTwitterafirmouqueferra-
mentastecnológicas chama-
das VPNs eram usadas para
falsificaralocalização.
Gengexplicou que ascon-
tas não são obradeequipes
dedesinformação dogover-
no,mas de estudantes chi-
neses eoutros quevivem no
exterioreque “obviamente
têmodireitodeexpressar
seu pontodevista”,segundo
aagência de notíciasReuters.
Nenhuma dasempresasres-
pondeu imediatamenteaos
pedidos decomentários so-
breasdeclarações deGeng.
Oscomentáriosdofun-
cionáriodoministério das
Relações Exteriores da Chi-
naressaltaramodesafio que
as empresasde mídia social
enfrentam natentativade
combaterastáticas de desin-
formação usadas pelos rus-
sos nas eleições presidenci-
aisdos EUAem 2016 eque
sãocadavezmais populares.
Enquantoasempresas se-
diadas nos EUAtentam po-
liciarodiscurso onlineglo-
balmente, não háconsenso
internacional sobreoque
se qualificacomo discurso
permissível—outáticas per-
missíveisnadivulgaçãodes-
se discurso,seja poragentes
dogoverno ou outrapessoa.
Pesquisadores de desin-
formação elogiaram Twit-
tereFacebook na segunda-
feira( 19 )por citaremogo-
verno chinêscomorespon-
sávelpor campanhasonline
queretrataramosprotestos
de HongKongcomo obrade
baderneiros violentos,pro-
vocados porforças ociden-
tais comoaCIA.

OTwitterfechou quase mil
contas que, segundoaem-
presa,faziam partedaope-
ração, ecerca de 200 milfo-
ramcriadas paraajudar no
esforço. OFacebookfechou
cincocontas, setepáginas e
três gruposemsua platafor-
ma, descritoscomofalsos.
Aescalaeasofisticaçãodo
esforçonãoforamparticu-
larmentenotáveis, masade-
cisão dasempresas de apon-
tarumgoverno poderosoco-
moresponsável —antesevi-
tado—foi vistacomo um in-
dicador da crescenteasser-
tividade doVale do Silício.
Asempresastêmenfren-
tado pressão políticaepú-
blicanosúltimos anos pa-
racombaterosrelatosfal-
soseenganosos que inun-
daram suasplataformas e
distorceramodebate onli-
ne emtodoomundo.
“Seria umatarefa difícilal-
guém denunciaraChina em
uma operação de influência”,
disseBenNimmo,chefede
investigações da Graphika,
empresa de análise deredes
sediada emNovaYork.
Os movimentos doFacebo-
okedoTwitterpodem cri-
ar um grandeconfrontoge-
opolíticosobreapossível in-
fluência dos países nasfor-
mascomoainformação se
espalha pelaweb.
AChinatem desfrutado
de umcontrole praticamen-
te inatacávelnas redessoci-
aisdentrode suas frontei-
ras, empregando sistemas
decensuraestritaevigilân-
ciacontraassuntos quecon-
flitamcom as ambições, a
imagemeopoder autode-
clarados dogoverno.
Masareação das empresas
sugere queopaístentoutáti-
cassemelhantes de manipu-
laçãodeinformações emto-
doomundo, provavelmente
paraminar os protestos em
HongKong.
Daniel Sinclair,pesquisa-
dor independentederedes
sociaisemNovaYork que
acompanhaainfluênciachi-
nesa, diz que astentativas do
país de orientarodebateon-
linenoOcidenteparecemter
crescidorecentemente,tal-
vezpor preocupações sobre
como ele estásendo percebi-
do em meioàguerracomer-
cialcomosEstados Unidos
eaagitação em HongKong.
“Essenacionalismo chi-
nês que estáseespalhando
pelasredes sociais america-
naseocidentais, em grande
parte, nãoéverdadeirade-
sinformaçãocomoaenten-
demos, mas muitoéapoia-
do porpropagandaestatale
notíciasfalsas”, disseSinclair.
“A cho que nuncavimos a
máquina de mídiadeles fun-
cionando nessa escala (...)
Com asredes sociais,aChi-
natemnovos tipos de influ-
ênciaenovosdedos na mí-
dia ocidental que não tinha
antes.”Craig Timberg, Drew
HarwelleTonyRomm
tradução de Luiz roberto
Mendes gonçalves

Mukwegeno
Fronteiras do
Pensamento
Nestaquarta
(21), às 20h30.
teatrosantander
-av. Presidente
Juscelino
Kubitschek,
2.041, itaim
Bibi, são Paulo.
ingressos: de
r$ 962,50 a
r$ 3.145 (para
todas as
palestras, não
há ingressos
paraeventos
individuais).
Mais em:
fronteiras.com

NamanchetedoWall Street
Journal, as gigantes detecno-
logia, BigTech,“já sob holo-
fote federal” nos EUA, vãoen-
frentar“inquéritoantitruste”
também em grupo de estados.
Ainvestigaçãofezsurgirem
“Osfalsos patriotas doVale do
Silício”,título docolunistade
tecnologiadoNYT,Kevin Ro-
ose, descrevendocomo abri-
ram“corrida paraseaconche-
garaogoverno”.Listaações
deFacebook,Google, Apple
eAmazon,oGafa, ligadas à
guerracomercialdeTrump.

TodaMídia


NelsondeSá
[email protected]

Ilustração do NewYork Times paraacoluna
‘Osfalsos patriotas doVale do Silício’,sobre
esforçosdeFacebookeoutros parase
aproximarem deTrump,contraaChina


Entram emcena


‘falsospatriotas


doVale do Silício’


mOrdOr
PorWashington Post,Süddeutscheeoutros,
São Paulo às escuras,tomada por ‘fumaça’
de queimadas emRondônia;oWPlistou as
piadas paulistanas, que viram paralelocomos
domínios de Sauron, em ‘Senhor dos Anéis’

MasfoioTwitter, sócio me-
nor do grupo,que chamou a
atenção ao adotar umapolí-
ticacontra“meioscontrola-
dos peloestado”,mais precisa-
mente, chinesescomoaagên-
cia Xinhua ouojornalGlobal
Times/Huanqiu. Porém não
contraaBBC,expressamen-
te,porque só “financiada por
contribuintesdeimpostos”.
Adistinçãorevoltouosite
The Canary, omais alinhado
ao PartidoTrabalhistanaopo-
sição britânica, críticodaBBC.
TambémoGlobal Times, cujo
repórterFuGuohaofoiamar-
radoesurradoporativistas
de HongKong naterça( 13 ).
Ojornal chinês enfatizou
que, acionado pelo Twitter,
oFacebooktambém passou a

derrubarcontas.Obritânico
ressaltouqueaescalada das
plataformasavançaaindaso-
breveículos iranianos,russos
eoutros queconflitamcoma
“narrativadoestablishment”.

FalunGonGEnquanto reper-
cutiaalistanegradoTwit-
ter, aNBCdivulgouextensa
reportagem sobreaascen-
são do The Epoch Times, site
americano ligadoàseitachi-
nesaFalunGong—cujo“ob-
jetivoexpressoéderrubaro
governo da China”. Ositeal-
cançahojeaté 3 bilhões de vi-
sualizações mensais em suas
contas de Twitter, Facebook e
YouTube. “Pelos números, não
há defensor maior deTrump
noFacebook”, destacaaNBC.
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