Época - Edição 1079 (2019-03-11)

(Antfer) #1
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A


políticabrasileirase tribalizoueaindanãodescobrimos
comoescapardessacilada.Ocrachádeidentificação
(“feminista”,“comunista”, “neoliberal” etc.) temdefinidoco-
moecomquemestamosdispostosanos relacionar.Respeito
eargumentosabandonaramde vezaconversa.Mesmoqueo
fenômenonãosejanovo,equeacivilidadenuncatenhasido
avirtudedesociedadestãodesiguais, atecnologiadecomu-
nicaçãoelevouoproblemaaumaescaladesconhecida.
MonicadeBolle,colunistadeÉPOCA,contouque
temsidoalvodeameaçasnaciberesfera—o“Quinto
Poder”.Notouqueagressoresapostamnomedodo
agredidoerecomendoureaçãopormeioderastreiode
identidades,exposiçãopúblicadereputaçõesouatéde-
núnciacriminal.OQuinto Poderétãohistriônicoque
fezJair BolsonaroforçarSergioMoro arevogaranomeação
deIlonaSzabócomoconselheira doMinistériodaJusti-
ça.Pesoua“repercussãonegativaemalgunssegmentos”,
naspalavrasenvergonhadasdoministro.Nãosesabe
quemmostroumaisfraqueza,opresidente ouominis-
troque,atéoutrodia,nãose podiademitir.
Monicatambémobservou,semanasatrás,queogoverno
temmostradopoucoalémde“ideólogosalucinados”ede-
fendeuquegeneraisasseguremque“asmaluquicesfiquem
circunscritasàretórica”.Pelo menosgarantiriam“diverti-
mento nospróximosquatroanos”.Ta lveznãotenhamosnos
dadoconta daconexãoentreas duascoisas:osideólogos
alucinadosládecimaeoQuinto Podernasredesaquide-
baixose retroalimentam.Aretóricanuncaé“sóretórica”,
sobretudoquandoveiculaódioeincitação.Aretórica étam-
bématoe,maisdoqueameaçar,podeviolentar ematar.
Conta-seque,nareuniãoquedecretouoAI-5,emde-
zembrode 196 8, ovice-presidentePedroAleixoalertouo
general CostaeSilva:“Oproblemadesteatonãoéose-
nhor nemos quecomosenhor governam,masoguarda
daesquina”.Aimagemdo“guardadaesquina”,emnos-
so anedotáriopolítico,adverteparaoriscodequeauto-
ridades nasruasajamsemqualquercontroledaleiquan-
dorecebemumsinalpositivolá decima.Aretóricain-
flamáveldeBolsonaro, hojeterceirizadaaseusfilhose
algunsministros,pedeatualizaçãodessaimagem:ao
“bolsonarista daesquina”,nãosãosópalavras.Obata-
lhãodebolsonaristasdaesquinapraticaofensasecrimes
deódiosobogritoliberatóriode“Agora éBolsonaro”.

Osmais covardesse escondemnacavernadas redes. Um
presidente dignoteria dito,nomínimo, “nãoemmeu
nome”.Umpresidenteignóbil, dependente dobatalhão,
ficaemsilêncio.Enquanto isso, crescemataques aativis-
tas,homossexuais, índios,fiscaisdoIbamaetc.
Te mosescutadoqueoantagonismodo“nóscontra
eles”nãoéinvençãodeBolsonaro.Essaressalvaétrivial.
Oantagonismo,por si só,nãoéumaanomaliadademo-
cracia,massuacaracterísticamaiselementar.

Cuidado,porém,comequivalências
apressadasepreguiçosas,poishápelo
menosdoistiposde“eles”:o“eles”que
divergede“nós”eo“eles”que
supomosserinferiora“nós”.

Adistinçãoécrucial.Noprimeirocaso,“nós” e“eles”
discordamossobreaJustiça,opapel doEstadoesuare-
laçãocomomercadoeoscostumes.Sãodivergências
quese resolvempelaviadodiálogo,dabarganhaedo
votonumadisputacontínua.Sepersuadidos,“eles”po-
demse juntara“nós” evice-versa.Éamarcadoantago-
nismopolíticoliberal,reguladoporumapremissade
igualdade.Premissamodesta,masfundamental.
Nosegundocaso,adivisãoéestáticaecomlugares
pré-definidos:“eles”serãosempre“eles”ecarregamem
suaidentidadeoestigmadainferioridadedeclasse,de
méritoindividual,raça,etnia,gênero,orientaçãosexual
etc.Porfalhadecaráterouporforçadodestino,“eles”
nuncapoderãose tornarumde“nós”.Sãomenoshu-
manos.Mais doqueumadversárioquebuscamosder-
rotarpelasviasinstitucionais,equepodese tornaralia-
doaqualquertempo,sãoumaameaçaexistencial,um
inimigoquebuscamoseliminar,encarcerarou,name-
lhordashipóteses,explorareexcluir.Oantagonismo
autoritárioeestamentalnãoreconheceadignidadedo
outroouqualquerbemcomumaser compartilhado.
SehádúvidasobrequalgrupoBolsonarointegra,de
umlado,etodososoutrospresidenteseleitosdesdeo
fimdaditaduramilitar,deoutro,bastaumaconsulta
sinceraaosanaisdahistória brasileiranestes30anos.
Nenhumoutrochegoupertodaponta dapraia.

C.H.M. [email protected]

CONRADOHÜBNERMENDESÉDOUTOR
EM DIREITOEPROFESSORDA USP

OBOLSONARISTADAESQUINA

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