Psique - Edição 156 (2019-02)

(Antfer) #1

dossiê


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IMAGENS: SHUTTERSTOCK

Porém é preciso que o sujeito se
comprometa e saiba que ainda as-
sim as coisas podem sair de outro
modo. Em sua origem, a palavra
delírio traz o sentido de sair do
trilho. No entanto, é delirante crer
que a vida é um trem que não sai
dos trilhos. Ainda que não pos-
samos ser felizes totalmente e o
tempo todo, ainda que cada um fa-
brique seus sintomas como modo
de dizer de sua história descarri-
lhada, ainda que produzir sonhos
não seja suficiente, ainda que, tal
como nos vende o capitalismo ur-
bano, a felicidade não possa ser
adquirida e ainda que a busca do
princípio de prazer não possa ser
toda satisfeita, não se trata de de-

sistir ou recuar, pelo contrário: in-
ventar-se. Algo neste impossível é
possível. Vivemos frente a um não
todo possível.
“O programa de tornar-se fe-
liz que o princípio de prazer nos
impõe não pode ser realizado;
contudo não devemos – na ver-
dade, não podemos – abandonar
nossos esforços de aproximá-los
da consecução, de uma maneira
ou de outra” (Freud, 1930).
Somos fisgados devido a nos-
sa carência de ter uma garantia,
de sermos acolhidos, determos o
poder das certezas, o falo do con-
trole, o império do saber, o gozo
de dominar etc. Fisgamo-nos,
tal como o peixe no anzol, ele se

pega, o pescador apenas comple-
ta e oferta meios, mas é o peixe
que se pega. A busca cega pela fe-
licidade encontra muitas coisas,
mas encontra a felicidade?

A favor dos resilientes


C


omo modo de lidar com o
desamparo habitual do hu-
mano e fetichizado com o poder,
inaugurou-se o seguinte dizer:
“O mundo é dos espertos”, fra-
se esta que legitima a anulação
do outro em nome da esperteza,
uma brecha, pode pisar, o mundo
é dos espertos, dizem. Esse dis-
curso que soa bonito não é sem
consequências, é preciso ficar
atento e indagá-lo. Em tempos

Somos fisgados devido a nossa


carência de ter uma garantia, de sermos


acolhidos, determos o poder das certezas,


ofalo do controle, o império do saber,


ogozo de dominar etc.


Divã móvel de desejo
O divã não é cama de Procusto, onde
se arrancam ou esticam os sujeitos
para moldá-los a uma ditadura da nor-
malidade. Divã é móvel de desejo e
modos de descobrir um saber fazer
com as pulsões. Móvel, não no sentido
concreto de objeto físico. E sim no
sentido abstrato de mover, de criar
elasticidades, de descobertas, de per-
mitir certa anormalidade que compõe
a loucura que habita cada singularida-
de. Divã sem escuta e sem associação
é sofá. O divã, em seu uso clínico, é
móvel que move o sujeito rumo à
responsabilização de suas estranhas
entranhas mentais!

O lúdico, grande aliado das crianças no mundo, segue a lógica: no brincar, tudo pode, tudo se
reorganiza. O brincar é o melhor remédio para a infância

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