Psique - Edição 156 (2019-02)

(Antfer) #1

d o s s i ê


46 psique ciência&vida http://www.portalespacodosaber.com.br

objetizantes, ser esperto é ter al-
guma coisa a mais, é ser mais, é
transbordar-se de maravilhas, de
estética da amostra e ser supe-
rior. É ter o mundo, como numa
mania de grandeza delirante. En-
tão, de quem seria o mundo? A
esta pergunta talvez não tenha-
mos resposta, mas resvalaremos
no espaço de cada um em seu ser,
em seu mundo. Então, de quem é
seu mundo?
O viver do falante é com la-
ços, nunca só. Carregamos co-
nosco aprendizados e partes de
onde vamos relando pela vida
afora. Integramos partes do mun-
do, assim somos desde crianças,
comendo e colocando tudo na
boca, para sentir, para mais do
que ter, para ser. Investimos afe-
to nas pessoas com quem temos

convívio, nas coisas que estão no
nosso dia a dia, nos fatos e até
nos embaraços.
Para lidar com as crises, pre-
cisamos não recuar perante elas.
Necessitamos muito mais do que
a lógica da autoajuda (se faz bem,
beleza, mas que não seja a única
saída, que não seja a solidão de
uma aposta na vida), do passo a
passo a ser seguido, e ainda que
manquejando, carecemos de nos
comprometer, ter capacidade
de resiliência e, com isso, lidar
com a castração, reconhecendo-
-a junto ao nosso limite de que
nem tudo que sonhamos pode ser
alcançado. Só ali podemos nos
reinventar, no desamparo que
nos é tão caro. Negá-lo, traçar
um mundo retilíneo uniforme, de
fuga, de unicórnios, afável, sem

os atravessamentos do real do
mundo, é secundarizar o que é do
humano, sua essência desejosa, a
falta como motora de seus dese-
jos! Renegar a castração do mun-
do, combater o que não vai bem,
tamponando-o, parece ser bonito
quando se pensa, mas ineficaz
para realojar a posição de sujeito
que vai muito, mas muito, muito
além do pensamento positivo.
“Infelizmente, o que a histó ria
nos conta e o que nó s mesmos te-
mos experimentado nã o fala nes-
se sentido, mas, antes, justifica a
conclusã o de que a crenç a na bon-
dade da natureza humana é uma
dessas perniciosas ilusõ es com as
quais a humanidade espera que IMAGENS: SHUTTERSTOCK

Como modo de lidar com o desamparo


habitual do humano e fetichizado com o


poder, inaugurou-se o seguinte dizer: “O


mundo é dos espertos”, frase esta que legitima


a anulação do outro em nome da esperteza


Inspiração na tela
O cinema sempre traz roteiros em
geral recheados de superação e su-
cesso para inspirar os espectadores.
Em O Lado Bom da Vida, o persona-
gem de Bradley Cooper tenta se re-
cuperar do fim de seu casamento e
reconstruir sua vida mantendo o pen-
samento positivo.
Em À Procura da Felicidade, o perso-
nagem de Will Smith decide investir
todas as suas economias em um ne-
gócio que não dá certo, acaba per-
dendo o emprego, a casa, a esposa,
mas não a confiança de que conse-
guirá dar a volta por cima. O filme
é baseado na história real de Chris
Gardner.

A criança desejaria que o mundo fosse uma brincadeira, mas sabe que chega a hora de guardar os
brinquedos e que terá que sair da ilusória vida criada

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