Recebido, ocupei na mesa dos despachos o meu habitual lugar. Notei que o presidente estava
muito irritado, contendo-se a custo. Antes que eu dissesse algo, sem olhar-me, bateu várias vezes
com a mão direita espalmada sobre a mesa, acompanhando cada batida da famosa palavra de
Cambronne, gritando a seguir:
- Vocês querem criar um problema! Eu não quero ser ditador! A ser ditador que seja um de
vocês!
Surpreso com a cena, fitei-o e disse-lhe com voz calma, cujo tom diminuí gradativamente,
sacudindo a cabeça em sinal de discordância:
- Presidente! O que é isto?... Não faça isto... não faça isto...
Serenou o presidente e, mais tranqüilo, ouviu o que lhe narrei. Fiz questão de esclarecer que era
a opinião unânime dos generais com os quais falara, endossada por mim, fosse o Ato Institucional n°
5 aplicado ao senador.
Recusou-se, terminantemente, a agir desta maneira. Voltou a irritar-se e declarou que tomaria
providências para evitar a divulgação do aparte do senador Leite Chaves pelo Diário do Congresso
Nacional e para obrigar o ofensor a retratar-se publicamente.
Nossa despedida foi fria.
Durante o regresso ao quartel-general meditei sobre a desagradável audiência que acabara de ter
com o presidente, e procurei dissecá-la em todos os seus aspectos. Não havia dúvidas de que o
presidente fora avisado do motivo específico de minha ida ao palácio. Antecipara-se às minhas
palavras; reagira de modo rude, incompatível com a austeridade exigida de quem ocupa tão alto
cargo, e parecia mais receoso das reações políticas do que ferido em sua dignidade militar - pois é
um general.
Sabia, por ouvir dizer, dos arrebatamentos do general Ernesto Geisel quando em despachos,
audiências em pequenos grupos e diálogos. Contrariado, exasperava-se nestas ocasiões e, conforme
diferentes fontes, proferia palavras e locuções impublicáveis, entre as quais primava, pela inocência,
o já lembrado termo do general francês. Todavia, nunca assistira a nenhuma destas manifestações de
descontrole emocional e atribuíra à maledicência aquelas notícias pejorativas. Infelizmente, assistira
a confirmação do que se falava à boca pequena. No entanto, é de justiça proclamar que nunca mais
procedeu deste modo em minha presença.
Tempos mais tarde, estando eu no meu gabinete, no Setor Militar Urbano, recebi visita inusitada
de um colega ministro, a quem admiro pela sua correção moral e dedicação profissional. Como lhe
perguntasse o que desejava, foi direto ao assunto - estava preocupado com o comportamento do
presidente, quando se encolerizava durante os despachos, pois usava de termos indecorosos em suas
reações emocionais. Gostava do presidente Geisel e temia que estas manifestações afetassem a sua