quem os intrigantes aduladores de sua vaidosa personalidade procuravam denegrir e aviltar,'
empenhou-se em neutralizá-lo através de uma habilidosa aproximação direta com os generais, em
particular os de exército. É difícil acreditar - mesmo em se tratando de homem de vocação
esquerdista - tenha ele lançado mão da famigerada hierarquia paralela, tão gostosamente acolhida e
manipulada nos exércitos da Europa Oriental. Mas, é quase certo terem existido contatos diretos ou
por intermédio de seus assessores mais chegados com os comandantes de Área, embora os generais-
de-exército a quem interpelei o tenham negado. Ocorrências de conhecimento restrito levadas ao
palácio do Planalto e informações de várias fontes, todavia, afirmavam o contrário. Saltava assim
sobre a autoridade ministerial, com a conivência dos maus e ambiciosos generais.
Se dúvidas ainda persistissem sobre este comportamento presidencial, as ligações que
estabeleceu ou fez estabelecer com os generais, nos dias que antecederam a minha demissão, numa
sórdida confabulação para depor seu Ministro do Exército, seriam suficientes para dissipá-las.
Infelizmente, estes acontecimentos só podem ocorrer quando num ambiente militar não mais se
reverenciam os valores morais do soldado; quando, na miragem de soberbos lucros materiais, o
soldado põe a sua consciência a preço, e, finalmente, quando um Exército, vergado ao peso das
maquinações políticas, transforma-se numa comunidade dócil e abúlica.
A História dá-nos um exemplo muito triste dos exércitos em decomposição, ocorrido há pouco
mais de meio século, quando o general Dukonin - comandante-em-chefe do exército russo na frente
alemã - foi demitido sumariamente por ordem de Lenin e substituído pelo aspirante da reserva
Krilenko. O general foi linchado pela soldadesca.2
Este perigo existe e existirá sempre, nas ocasiões em que as cúpulas dos governos, traindo
regimes, abraçam teses ideológicas que agridem os lídimos postulados democráticos. Os três
ministros militares, em agosto de 1961, no manifesto que dirigiram à Nação Brasileira, tiveram a
coragem moral de proclamar que, em situações semelhantes, sob influência política e pressão do
chefe do governo - que no presidencialismo roça as fronteiras da prepotência - "as próprias Forças
Armadas, infiltradas e domesticadas, transformar-se-iam, como tem acontecido noutros países, em
simples milícias comunistas'?
Pensando do mesmo modo, tentei prevenir o Exército, em 12 de outubro de 1977. Se o aviso foi
ouvido e entendido só o destino dirá.