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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 4 DE MARÇO DE 2020 Metrópole A
Amanda Pupo / BRASÍLIA
O Ministério da Saúde vai in-
cluir mais países na lista de
alerta para casos suspeitos
do novo coronavírus, incluin-
do os Estados Unidos, infor-
mou o secretário executivo
do Ministério da Saúde, João
Gabbardo dos Reis. Com is-
so, aproximadamente 30 paí-
ses estarão na lista.
Se enquadram em casos sus-
peitos as pessoas que regres-
sam desses países e apresentam
febre e mais um sintoma gripal,
como tosse ou falta de ar. Em
função da ampliação, a pasta
destacou que, a partir de agora,
a preocupação do ministério é
mais direcionada a prevenção e
assistência.
“Com a inclusão dos Estados
Unidos, o número de suspeitos
tende a crescer muitas vezes”,
disse Gabbardo. Com isso, o se-
cretário executivo afirmou que
a orientação do ministério é de
que pessoas que venham da lis-
ta de países em alerta não procu-
rem o sistema de saúde quando
tiverem “sintomas leves ou esti-
verem quase assintomáticas”.
“Temos de desmobilizar esse
movimento. Ou vamos encher
unidades de saúde.”
O ministério ainda espera al-
terar os métodos para teste do
novo coronavírus a partir do
momento em que cem casos fo-
rem confirmados no Brasil. Nes-
sa etapa, a expectativa é de que
os esforços estarão voltados
aos casos graves, de pessoas
com síndromes respiratórias
agudas e pneumonia extensa,
por exemplo. Além disso, serão
testados aqueles casos que tive-
rem interesse epidemiológico,
para que o governo possa moni-
torar a circulação do vírus e ana-
lisar mutações. Os demais qua-
dros terão análise clínica.
Ontem, o número de suspei-
tos de infecção pelo novo coro-
navírus no Brasil aumentou de
433 para 488. Há somente dois
casos confirmados, de um ho-
mem de 61 anos e outro de 32
anos, ambos em São Paulo.
Das notificações suspeitas,
240 foram descartadas. A maio-
ria dos relatos está em São Pau-
lo, com 130, e em seguida vem
Rio Grande do Sul, com 82, e
Rio de Janeiro, com 62. O secre-
tário de Vigilância em Saúde do
Ministério, Wanderson de Oli-
veira, afirmou também que, ape-
sar de haver possibilidade, o
Brasil ainda não verificou a exis-
tência de circulação e transmis-
são do vírus internamente.
EUA. O Estado de Washington
atualizou o número de mortos
em decorrência do coronavírus
para 9 – há outros 27 casos posi-
tivos e 231 pessoas em supervi-
são. / COM AGÊNCIAS
ENTREVISTA
Fabiana Cambricoli
Um dos principais infectologis-
tas do País e coordenador do
Centro de Contingência para o
Coronavírus do Estado de São
Paulo, David Uip critica o alar-
mismo de algumas pessoas, or-
ganizações e governos diante
da nova doença. Ele questiona
a eficácia de medidas como o
fechamento de cidades na con-
tenção do surto e critica dire-
trizes da Organização Mundial
da Saúde (OMS) sobre isola-
mento de doentes. “Quarente-
na é uma coisa muito complica-
da. Na minha opinião, muito
discutível. Se você analisar as
recomendações da OMS de
quarentena, elas são pouco fac-
tíveis para países em desenvol-
vimento. Como você pensa
que pode isolar as pessoas em
um quarto? Não conhece co-
mo funciona uma favela, não
sabe o que é dormir dez pes-
soas em um quarto”, disse, em
entrevista ao Estado.
lComo o senhor vê a dissemina-
ção do coronavírus pelo mundo?
Era um cenário esperado?
Acho que tudo está dentro do
contexto. O que se espera é en-
tender melhor a velocidade (de
transmissão). O que está muito
estranho são as medidas toma-
das por governos e por institui-
ções, que não têm muito supor-
te nem na história nem técni-
co. Aqui no Brasil a minha per-
cepção é que está sendo tudo
bem conduzido pelo Ministé-
rio da Saúde.
lA quarentena de cidades, co-
mo Wuhan, é controversa...
Eu discuto muito o que foi fei-
to. Dá uma olhada no navio
(Diamond Princess, que ficou em
quarentena no Japão após um ca-
so confirmado). Quando atra-
cou, tinha um caso confirma-
do. Agora, são mais de 700. Vo-
cê deixou em situação de casa
fechada uma porção de pes-
soas. Eu discuto muito o que
chamo de macroisolamento.
lE o que seria ideal?
Não tem mundo ideal para in-
fecção viral.
lMas na situação do Brasil, sem
surto, como deve ser caso come-
ce a transmissão local?
Redução de danos. Sou absolu-
tamente contra qualquer tipo
de isolamento de cidades, ain-
da mais no Brasil, porque ela
não é real, não vai acontecer.
Por isso que estou questionan-
do muito a OMS não decretar
uma pandemia porque você
acaba com essa situação. Nós
estamos diante de uma doença
viral, de pouca morbidade e de
baixa letalidade, baixa mortali-
dade, com grupos de gravidade
muito bem estabelecidos. A
gravidade está poupando jo-
vens e está atingindo pessoas
ou com comorbidades ou aci-
ma de 60 anos, especialmente
acima de 80 anos. Isso está cla-
ríssimo. Sou contra o isolamen-
to de cidades, não é factível e
não acontece no mundo real.
Na minha opinião, a solução é
cuidar de pacientes graves. Vo-
cê tem de evitar a mortalidade.
Criou-se uma dimensão que é
maior do que o fato por en-
quanto. O que você pode fazer
(para evitar complicações)? Vo-
cê tem duas possibilidades de
complicação: uma é a própria
ação do vírus e a outra são as
complicações bacterianas. Al-
go possível é aumentar a vaci-
nação para essas doenças bac-
terianas em populações prees-
tabelecidas: vacina antipneu-
mocócica, vacina anti-hemófi-
los influenza, vacina mais pre-
coce contra o vírus influenza
da gripe. São coisas indiretas
que têm algum tipo de ajuda.
lAlguns pesquisadores pre-
veem vacina em até um ano...
É otimismo porque, para você
ter segurança e competência,
isso normalmente demora
mais, mesmo entendendo que
se está em momento crítico.
lQuais os cenários mais prová-
veis para os próximos meses do
surto e qual deve ser a ação dos
governos?
Primeiro, vai aumentar o nú-
mero de países com casos e o
número de casos por país. Isso
eu não tenho dúvida. Segundo,
vai se perder o dado epidemio-
lógico. Aquela história de onde
veio o caso vai se perder.
lSobre o cuidado aos pacientes
mais graves, o SUS tem capacida-
de para isso?
Depende muito do que esta-
mos falando. O Estado de São
Paulo tem hoje 101 hospitais
estaduais, tem 100 mil leitos,
20 mil só do SUS, tem 7 mil lei-
tos de UTI, então é uma estru-
tura robusta. Se essa coisa ti-
ver uma demanda fora do co-
mum, ninguém sustenta, nem
São Paulo, nem Brasil, nem lu-
gar nenhum do mundo. Então
você vai ter de limitar aos
doentes que têm indicação de
internação. E aí as estruturas
vão se adequando: você adia as
cirurgias eletivas, dá agilidade
aos pacientes de UTI. Tem
uma porção de formas de fazer
a gestão de leitos.
lO senhor acha correta a compa-
ração com a situação vivida em
1918, com a gripe espanhola?
Não, é outro mundo. Até mui-
to recentemente você não en-
frentava essas coisas, você es-
perava os acontecimentos.
Agora você parte para cima.
Em dois dias, estabelece o ge-
noma do vírus. Já tem um mon-
te de laboratórios fazendo pes-
quisa de vacina, de medica-
mentos.
lEsse pânico em torno do coro-
navírus não acaba mais prejudi-
cando do que ajudando?
Acho que é um desserviço.
Olha o que está acontecendo
com máscara e álcool gel. Está
em falta e já quadruplicou o
preço. Não tem o menor senti-
do. Máscara para uso no dia a
dia é uma besteira, até porque
ela tem durabilidade de duas a
três horas. As pessoas preci-
sam ter a responsabilidade so-
cial de não sair comprando lo-
tes de álcool, caixas de másca-
ras, estocando alimento. Não
tem nexo.
Mateus Vargas / BRASÍLIA
Fabricantes de medicamentos
temem impacto na produção
de remédios no País, o que po-
deria levar à alta nos preços.
Segundo dados de associações
da indústria, mais de 90% dos
insumos farmacêuticos ativos
usados no Brasil são importa-
dos, e parte relevante vem da
China, epicentro da doença.
Até o momento, porém, não foi
registrado nenhum problema
de abastecimento.
As entidades do setor dizem
que trabalham para mapear a si-
tuação dos estoques e eventual
necessidade de reajustes. Os da-
dos serão levados para uma reu-
nião hoje da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvi-
sa). Na semana passada, a agên-
cia publicou um edital pedindo
para a indústria informar sobre
os estoques. O Estado apurou
que o ministro da Saúde, Luiz
Henrique Mandetta, já manifes-
tou preocupação sobre o tema
com colegas do governo.
A presidente da ProGenéri-
cos, Telma Salles, disse ao Esta-
do que a situação “preocupa”,
mas que não há relatos de asso-
ciadas com problemas com for-
necedores da China. Já para o
presidente do Sindicato da In-
dústria de Produtos Farmacêu-
ticos (Sindusfarma), a alta do
dólar tem pressionado mais a
indústria do que o avanço do no-
vo coronavírus. O presidente
da Associação de Laboratórios
Farmacêuticos Nacionais (Ala-
nac) reforça que a situação preo-
cupa, mas que não há relatos de
interrupção de fornecimento
da China.
Outra questão são os preços.
A legislação brasileira impede
um ajuste de preços por even-
tos extraordinários, como alta
do dólar ou avanço de uma
doença que afete a economia.
Em nota, a Anvisa disse que
“está avaliando medidas que as-
segurem a manutenção do abas-
tecimento”. Já o Ministério da
Saúde afirmou que tem contra-
to com empresas da China para
importação de medicamento e
“não há, até o momento, nenhu-
ma sinalização de risco de des-
cumprimento”.
l O Chile e a Argentina registra-
ram ontem os primeiros casos
de coronavírus. As informações
foram confirmadas pelo presiden-
te chileno, Sebastián Piñera, e
pelo ministro da saúde argentino,
Gines Gonzalez Garcia.
No caso da Argentina, o pacien-
te é um homem de 43 anos que
voltou de uma viagem à Itália no
dia 1º. Ele está internado em Bue-
nos Aires. No Chile, a vítima do
vírus é um homem de 33 anos
que viajou por cerca de um mês
pelo sudeste asiático, incluindo
Cingapura, onde há registro de
mais de cem infecções.
Anteriormente, a América Lati-
na tinha relatos em Brasil (2),
México (5), Equador (7) e Repúbli-
ca Dominicana (1). No mundo, os
países mais afetados são China
(80.151 casos e 2.943 mortes),
Coreia do Sul (5.186 infecções e
28 óbitos), Itália (2.502 casos,
79 mortes), Irã (2.336 relatos, 77
fatalidades) e Japão (268 casos,
12 mortes). / COM AGÊNCIAS
lEscolas
‘Quarentena é pouco factível para país em desenvolvimento’
David Uip, Infectologista e coordenador do centro de contingência de SP
lA Anvisa liberou ontem a im-
portação de imunoglobulina com-
prada pelo Ministério da Saúde
para ser distribuída à rede públi-
ca. Como o Estado revelou, an-
teontem, o estoque do produto
estava “baixíssimo”, conforme
fontes do governo. A expectativa
de secretários estaduais era de
que o medicamento terminasse
em cerca de 30 dias.
A droga é usada para imunizar
pacientes de diversas doenças e,
na leitura do Ministério da Saúde,
poderá servir para casos mais
graves do novo coronavírus.
Cerca de 45 mil frascos do pro-
duto estão guardados em aero-
portos no Brasil à espera de aval
da Anvisa para serem distribuí-
dos. Trata-se de parte de um con-
trato de R$ 209 milhões, fechado
pelo governo em dezembro de
2019 com empresa da China pa-
ra entrega de 300 mil frascos. O
restante deve ser embarcado em
breve. Segundo indústria e gover-
no, o consumo médio mensal no
SUS de imunoglobulina é de 40
mil frascos. / M.V.
Estoques serão centro de
reunião hoje na Anvisa
com o setor; sindicato diz
que dólar alto afeta
mais do que a doença
Argentina e Chile
têm primeiros casos,
ambos importados
Coronavírus: EUA vão para rol de alerta
Brasil monitora países com quadro gripal e vírus confirmado; nº de suspeitas tende a crescer e receio é de corrida a unidades de saúde
“Eu não acho que
instituições como escolas e
bancos deveriam tomar
essas decisões individuais
(de quarentena e isolamento).”
David Uip
INFECTOLOGISTA
DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO – 26/7/
Coordenador de centro
de contingência paulista
questiona medidas da
OMS e sugere focar em
casos graves
Pressionada, Anvisa
libera a compra de
imunoglobulina
Fabricante teme impacto
na produção de remédios