O Estado de São Paulo (2020-03-04)

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A16 QUARTA-FEIRA, 4 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Metrópole

Chuva na Baixada deixa 18 mortos;


Sudeste tem 140 mortos neste verão


WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Danos. Baixada Santista tem 200 desabrigados; n° de pessoas que tiveram de sair de casa chega a 87 mil nos 4 Estados


Um dia após culpar


população, Crivella


pede desculpas


Turismo


Governo quer mais


cruzeiros em Fernando


de Noronha. Pág. A


SÃO PAULO E GUARUJÁ (SP)


Um temporal forte em San-


tos, Guarujá e São Vicente, no


litoral sul paulista, deixou pe-


lo menos 18 mortos entre an-


teontem e ontem. Houve vá-


rios deslizamentos nos três


municípios e, conforme ba-


lanço da Defesa Civil do Esta-


do, havia ainda 30 desapareci-


dos e 163 desabrigados na noi-


te de ontem – além de 11 desa-


lojados. Neste verão, o total


de mortes por chuvas no Su-


deste – São Paulo, Rio, Minas


e Espírito Santo – já chegou a


pelo menos 140 – 70% a mais


do que no verão passado,


quando houve 82 vítimas.


Após eventos extremos – co-


mo chuvas de mais de 100 milí-


metros em um só dia em Belo


Horizonte (janeiro) e na capital


paulista (fevereiro) –, o total de


desabrigados e desalojados no


período passa de 87 mil, segun-


do dados da Defesa Civil compi-


lados pelo Estado.


A combinação de efeitos de


longo prazo das mudanças cli-


máticas, temperaturas mais bai-


xas nos oceanos e falhas urba-


nísticas nas cidades leva aos de-


sastres, dizem especialistas


(mais informações nesta página)


“Há um tempo, chuvas de 120


milímetros no mesmo dia eram


a cada 50 ou 100 anos. Agora,


vemos isso se repetir em pou-


cas semanas”, diz Ivan Carlos


Maglio, pesquisador da Univer-


sidade de São Paulo (USP).


O Núcleo de Gerenciamento


de Emergência da Defesa Civil


do Estado indicou que a chuva


acumulada nos temporais


mais recentes no Guarujá foi


de 282 milímetros; em Santos,


no mesmo período, chegou a


218 mm. A média histórica pre-


vista para a Baixada Santista


durante todo o mês de março é


de 257,3 milímetros.


Ontem, o Guarujá era o local


com mais mortos (15) e desapa-


recidos (19). Um dos locais


mais atingidos foi o Morro do
Macaco Molhado, onde cinco
morreram – incluindo dois bom-
beiros que tentavam encontrar
uma mãe e um bebê após um
desabamento, quando a terra
deslizou outra vez.
O ajudante de pedreiro Lucia-

no Oliveira, o Aranha, de 59
anos, dormia em casa, no morro,
quando houve o deslizamento,
por volta de 1h30. Ele ficou soter-
rado até o umbigo e teve auxílio
de vizinhos e bombeiros. “Achei
que iria perder metade do corpo.
Me ajudaram a sair pela janela.”
No início da tarde, mesmo com a
chuva, Oliveira estava nas proxi-
midades da casa, preocupado
em conseguir documentos. Já a
casa, de madeira, em que vivia há
seis anos, desmoronou. “Não te-
nho lugar para ir. Perdi tudo, es-
tou só com a roupa do corpo.”
Bombeiros estimavam 30 imó-
veis atingidos no local. “Como
algumas (moradias) não estão ca-

dastradas, é difícil fazer estimati-
va mais próxima da realidade”,
disse o secretário adjunto de De-
fesa Civil do Guarujá, Carlos
Eduardo Smicelato. A prefeitura
prepara um abrigo com 200 va-
gas, que pode ser ampliado para
até 400. O Estado prometeu alu-
guel social aos desabrigados e a
Defesa Civil se mobiliza para ti-
rar moradores de áreas de risco,
pois há perigo de mais desaba-
mentos.
Em Santos, deslizamentos
atingiram os Morros Santa Ma-
ria, São Bento, Vila Progresso e
Monte Serrat – muitos morado-
res abandonaram as casas. A pre-
feitura distribuiu lonas plásti-

cas a moradores e suspendeu
parte das aulas, por dificulda-
des de acesso. Um colégio aco-
lheu desabrigados.
Houve ao menos quatro que-
das de barreira na Rodovia Dou-
tor Manuel Hipólito Rego, em
dois pontos da Rio-Santos e
mais dois da Guarujá-Bertioga.
O VLT da Baixada também ama-
nheceu paralisado, após desliza-
mento de terra perto do túnel
que liga Santos a São Vicente.

Vítimas. No Estado de São Pau-
lo, foram 42 mortes por chuva
este verão, número que pode su-
bir diante do total de desapare-
cidos. No ano anterior, haviam

sido 41. Minas é o Estado com
mais mortos (72), quatro vezes
mais do que no verão anterior.
Em Belo Horizonte, temporais
em janeiro deixaram 13 mortos e
os estragos nas ruas custarão ao
menos R$ 300 milhões.
O governo federal anunciou
há um mês R$ 892 milhões para
Minas, Rio e Espírito Santo por
causa das chuvas. O Ministério
do Desenvolvimento Regional
disse ontem que avaliará a neces-
sidade de liberar verba para a Bai-
xada Santista. / PRISCILA MENGUE,
JOSÉ MARIA TOMAZELA, JOÃO KER,
GILBERTO AMENDOLA, MATEUS
VARGAS e LUCAS MELO, ESPECIAL
PARA O ESTADO

O


desempregado Feli-
pe Oliveira, de 22
anos, morava em um
barraco destruído pelo tem-
poral no Morro do Macaco
Molhado, no Guarujá. Ele se
mudou há três meses, junta-
mente com a mulher, grávi-
da, e a filha de 4 anos.
Após o deslizamento, ele
deixou a família com a irmã e
voltou ao local do desastre.
“Consegui pegar só umas
roupinhas. Desmoronou,
caiu tudo em cima de mim.
Minha filha ficou presa debai-

xo da madeira. Um amigo veio e
ajudou. Senão, a gente não iria
conseguir sair. Depois fomos à
luta ajudar todo mundo.”
O cenário no local, onde cin-
co morreram, era de destruição
ontem. Barracos vieram abaixo,
móveis e eletrodomésticos fica-
ram destruídos, além de lama e
dificuldade para retirar escom-
bros na busca por sobreviven-
tes. O resgate era feito manual-
mente, pois não havia como
usar máquinas. Há risco de no-
vos deslizamentos.
Os bombeiros faziam movi-

mentos minuciosos e eram avi-
sados por apitos sobre a possibi-
lidade de algo pior acontecer.
No alto do morro, voluntários,
enfileirados, ajudavam a tirar a
lama. Um balde passava de mão
em mão até ser despejado em
área isolada. Nas ruas da parte
baixa, a população usava enxa-
das e carrinhos de mão para reti-
rar material avermelhado.
Entre os moradores, o senti-
mento era de incredulidade.
“Tudo tremia na casa”, lembra
Bruna da Rocha, de 27 anos, que
mora nas proximidades do des-
lizamento no Morro do Macaco
Molhado, no Guarujá, cidade da
Baixada Santista mais atingida
pelo temporal. “Começou todo
mundo a gritar, chorando, pe-
dindo ajuda. Nunca vi algo as-
sim na vida”, diz a dona de casa.
E mesmo quem não vivia no

morro correu para ajudar. Luiz
Vitor Feitosa era um dos que es-
tavam cobertos de lama. Ele
nem morava lá, mas foi logo ao
saber do deslizamento, preocu-
pado com parentes. “Acordei
com meu pai me chamando pa-
ra ajudar. Já encontraram um
tio e uma tia minha mortos”,
contou ele, ainda na expectati-
va de encontrar outra tia e mais
três primos desaparecidos.

Auxílio. Segundo o Estado,
12,5 toneladas de materiais de
ajuda humanitária (colchões,
cobertores, cestas básicas, água
sanitária e água potável) foram
para as cidades afetadas. As re-
des sociais também tiveram mo-
bilização por doações. O Santos
(time de futebol) foi um dos
que coletaram donativos. / P.M. e
L.M., ESPECIAL PARA O ESTADO

‘MINHA FILHA FICOU


PRESA NA MADEIRA’


Gilberto Amendola


A pergunta é: por que está cho-


vendo tanto no Sudeste? Espe-


cialistas ouvidos pelo Estado


afirmam que um conjunto de fa-


tores é o responsável pelas chu-


vas extremas – basicamente o


encontro de questões meteoro-


lógicas com problemas so-


cioambientais. “Mas nada que


já não fosse apontado por relató-


rios científicos há cinco ou dez
anos”, disse André Ferretti,
mestre em Ciências Florestais
e gerente de Economia da Biodi-
versidade da Fundação Grupo
Boticário.
Segundo a meteorologista da
Climatempo Josélia Pegorim,
este é um verão em que o Ocea-
no Pacífico está apresentando
um comportamento neutro.
“Não temos El Niño ou La Niña.

Então, quando isso acontece, a
influência do Oceano Atlântico
ganha mais relevância. Como a
temperatura ali tem permaneci-
do mais fria (sem muitas alter-
nâncias), criaram-se corredo-
res de umidade que partem de
norte para sul. Esses corredo-
res de umidade e mais a passa-
gem de frentes frias formam a
engrenagem que tem resultado
em fortes chuvas.

De acordo com o pesquisador
e meteorologista Giovanni Do-
lif, do Centro Nacional de Moni-
toramento e Alertas de Desas-
tres Naturais (Cemaden), tra-
ta-se ainda de uma combinação
de fatores em diferentes esca-
las de tempo e espaço. “Na at-
mosfera existe a formação de
grandes vórtices, que costu-
mam se formar em períodos
mais frios e nas camadas mé-

dias da atmosfera. Esse ar frio
favorece a subida do ar mais
quente e úmido, formando nu-
vens carregadas e, consequente-
mente, as chuvas”, disse.
Ferretti disse que o País não
se preparou para isso e “está à
mercê de temperaturas mais ex-
tremas, o que é também um no-
vo padrão”. “Há impermeabili-
zação do solo das regiões metro-
politanas e ilhas de calor. Essa

massa de calor que interage
com a umidade acaba provocan-
do precipitações mais fortes”,
explicou. “Nós tiramos das nos-
sas cidades a capacidade de ab-
sorção do excedente de água.”
Para a professora Cecília Her-
zog, pesquisadora da PUC-Rio,
a saída é trazer a natureza de
volta para as cidades, como “so-
lução”. “Precisamos de um sis-
tema com abertura de córregos


  • e não canalizações. E, claro, de
    políticas habitacionais pensa-
    das para a população de baixa
    renda”, disse.


WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Morro. Bombeiros atuam sob risco de novo deslizamento


Desespero


Desempregado perdeu a casa no Guarujá


Tragédia. Temporal causa deslizamento de encostas em Santos, São Vicente e Guarujá. Havia ainda na região 30 desaparecidos e


200 desabrigados ontem à noite. São Paulo, Rio, Minas e Espírito Santo registram 70% mais óbitos na estação chuvosa do que em 2 019


lUm dia após culpar a popula-
ção pelos estragos causados pe-
la chuva, o prefeito do Rio, Marce-
lo Crivella (Republicanos), disse
ontem que “talvez tenha” se ex-
pressado mal e “até” pediu des-
culpas. Na segunda, ao visitar
Realengo (zona oeste), um dos
locais mais prejudicados pela
chuva de sábado, ele havia dito
que “a culpa é de grande parte
da população, que joga lixo nos
rios frequentemente”.
Nesta terça, Crivella admitiu
problemas na conservação da
cidade e culpou a falta de dinhei-
ro. “A conservação da cidade
realmente não está nem perto do
que a gente gostaria. Nessa crise
toda, nós tivemos de dar priorida-
de para Educação e Saúde”, afir-
mou. O prefeito anunciou que vai
retomar negociações para desa-
propriar 200 casas no entorno do
rio Grande, em Jacarepaguá (zo-
na oeste), e vai pedir ao governo
federal recursos para um pisci-
não. / FÁBIO GRELLET

VÍTIMAS


FONTE: DEFESA CIVIL ESTADUAL

SP

4142


MG

72


18


ES

15
7

RJ

11
16

2019 (TOTAL 82)
2020 (TOTAL 140)

Brasil está ‘à mercê de temperaturas mais extremas’

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