Sexta-feira,13demarçode2020|Valor| 13
des países exportadoresde petróleo,como Méxi-
co,Equador, Nigéria, éuma faca de doisgumes.
Muitos desses países têm estrutura institucional
insuficiente, particularmentena saúde, para lidar
comumchoquecomoessevírus,queéumgrande
desafio.Temosque nos preocupar com os merca-
dos emergentes, sim, e épor isso que o Banco
MundialeoFMIjásemanifestaram,dizendoestar
preparadosparaesticar seus orçamentos e aju-
dá-losaatravessarestemomentoturbulento.
Valor:Agoraqueo coronavíruschegouàmaior
economiado planeta,queaindaporcimapareceter
sepreparadomal,devemosesperarumimpacto
maiornaeconomiaglobaldoquefoiquandoos
maioresatingidoserama Chinae a Europa?
Kahn:Acreditoque sim. Podemos dizerque o
poder público americano foi lento no reconheci-
mento da ameaça e na mobilização dos recursos
para monitorar, conter e tratar o vírus. Diria que,
naúltimasemana,osentidodeurgêncianodeba-
tepúblicoseintensificou,entãohámaisdiscussão
do que antessobre a necessidadede um pacote
fiscalsignificativo.Issoébom.Poroutrolado,aes-
trutura federal do país tornaa coordenação mais
difícil, porque o governo tem seu papeldividido
com os governosestaduais elocais.Tambémcon-
cordoqueadireçãodaeconomiaglobaléemboa
parte determinada peladireção da economia
americana. Se essevírus continuar asepropagar
atéametadedoano,corremosoriscodeterreces-
sãobastantesérianosEUA.
Valor:Nasegunda-feirafoi informadoqueonú-
merode novoscasosnaChinaenaCoreiadoSulse
estabilizoue aproduçãoindustrialcomeçaa serre-
tomada.Quãotranquilizadoraé essainformação?
Kahn:Essesdois países foram criticadospela
primeirarespostaquederamaovírus.Maséjus-
to dizer que ambos estão respondendo bem
agressivamenteecom agilidadenacontenção
da doença. Tambéméverdade que, quando um
país aposta nessessistemas agressivos de qua-
rentena,comofoi particularmenteo casona
China, está aceitandoque vai ter custoseconô-
micosmuitoaltos.Ofatodeestaremdispostosa
seguiressecaminhoébenéficoparaomundo.É
um fato positivo, ou pelo menos moderador,
que menos transmissões vão vir desses países.
Mas creio que aesta altura podeser tarde de-
maisparaevitarapandemiaglobal.
Valor:Se emalgumassemanas a ArábiaSaudita
eaRússiase entendereme, ao mesmotempo,aepi-
demiaestiversobcontrole,podemosesperarquea
economiavoltea seuestadoanterioreessaqueda
sejalembradacomoumepisódio isolado?
Kahn:Aindaépossível que tenhamos oque
tenhochamado de “cenário benigno”, em que
até ofim de abril, talvez antes,teremos uma
contenção eficaz do número de casos. Ou seja,
nãoparariaaepidemia,masonúmero decasos
começariaadeclinar.Aíospaísescomeçariama
sentirque,demaneirageral,estãoconseguindo
controlá-la. Nesse caso,acho que o medoque
estamosvendo em muitos países diminuiria, e
as pessoas começariam a voltar ao trabalho.
Voltam agastar e ainvestir. Nãose retornaria
imediatamente ao normal, mas teríamos oque
os economistas chamam de recuperação em
formade“V”.Issoéparecidocomoqueaconte-
ceuem2003,comaSars.Aindaépossívelteres-
perança de chegar a um cenário parecido com
esse.Nãosoucientista,maspeloquetenhovisto
daspessoasqueconhecemcientificamenteesta
epidemia, estáse tornando cada vezmais im-
provável que esse seja ocaso. Numcenário me-
nos benigno, demora maismesespara conse-
guirmoscontrolaraepidemia.Quantomaisde-
morar, maisperniciosa será paraaeconomia
global,quevaidemorarmaisparacrescer.
Valor:Osefeitospolíticosdaepidemiasãotão
perturbadoresquantoos econômicos?
Kahn:Umaepidemia comoesta implica
grande exigência para acapacidade dos gover-
nos de reagir eimplementarpolíticas públicas.
Issoprovocarespostasfortesnapopulação,par-
ticularmente em mercados emergentes. Esse é
um desafio extraordinário até para o lídermais
popular, porque oque é posto em jogoé o
apoioda população. Já estamosvendoem mui-
tospaísesqueapopulaçãosevoltacontraalide-
rança,porquenãosesentesegura.Outraconse-
quênciapode seronacionalismo,com aideia
dequequemtrazovírussãoestrangeiros,então
não os queremos. E opopulismo, porque não
confiamosno governo paragarantir nossase-
gurança, queremosfulano ou beltrano.Já vi-
moscoisasassimemmercadosemergentes.Po-
demos perguntar que tipo de efeito a epidemia
vai ter,por exemplo, na agenda de reformasde
umgoverno.Devesetornarmaisdifícil,porque
há crise e ogovernojánão tem omesmoapoio.
Ou será que o governo fica mais forte, porque o
líder évisto como alguém que lida bem com a
crise? São perguntas importantes nosmerca-
dosemergentes:oslíderesegovernosestãosen-
dopostosàprova.
Valor:Parecetambémsero casoparaos
paísesdesenvolvidos. DonaldTrump estásob
pressãonosEUA.
Kahn:De fato. Acrescento que, no cenário
maissevero da epidemia, seu processo de ree-
leição estariasob grande ameaça. No cenário
benigno, segue sendo o favorito,mas se a situa-
çãopiorar,aschancesdelepiorambastante.
Valor:Mesmoantesdaepidemia,asaúde
já eratemaimportantenoprocessoeleitoral,
aomenosnasprimáriasdemocratas.Sobre-
tudoa respeitodoserviçopúblico. O temaga-
nhaumnovoimpulso?
Kahn:Certamente muitosanalistas políticos
acreditamque essa epidemiapode tornar o sis-
temadesaúdeumassuntodominantenocená-
rio político americano. Já vinha sendoimpor-
tante do lado democrata, mas não do lado re-
publicano.Ébempossívelquechegueaocentro
daarena.Masumacertezaéqueumassuntoin-
contornável será a maneira como opresidente
estálidandocomacrise.(DV)■
DIVULGAÇÃO
RobertKahn,diretor
deEstratégiaGlobal
doEurasiaGroup:no
cenáriomaissevero
daepidemia,
processodereeleição
deTr ump“estaria
sobgrandeameaça”