Valor - Eu & Fim de Semana (2020-03-13)

(Antfer) #1

18 |Valor|Sexta-feira,13demarçode


gravidadedos problemas vividospelo país.
Falarammaisalto as muitascartasiradasde
assinantessimpáticosaosmilitares.
Durantea Guerra Fria,o conceito de
“centroextremo”, abrindo espaçosde ex-
pressãoora paraum lado, ora paraoutro,
serviucomoum meiode ofuscaçãoideoló-
gica da revista,que Zevinexemplificaas-
sim: se um governode esquerda,eleitode-
mocraticamente,ameaçassea segurança
do capital,poderiaser removido—sob o
argumento de que aescolhaera entredei-
xar os comunistasentrarem,edepoisa
UniãoSoviética,ou proteger a liberdade
políticae de investimento.
Zevintomaessa situaçãohipotética,mas
realistaem sentidoilustrativo, paraobser-
var,nesta entrevista,que não cabe julgaras
posiçõesassumidaspela revistaem termos
de “certo” ou “errado” comomatériade or-
dem moralou por seus resultados,mas no
quadrodas relaçõesdessasatitudescom o
liberalismoeseusignificadosegundoavi-
são tripartite que ele propõeno livro,nos
camposintegradosda democracia,das fi-
nançase do império.
Outrasvezes,o “centroextremo”pode
recomendar opiniõescautelosamenteam-
bíguassobreassuntos sujeitos a desdobra-
mentosaindanebulosos.Sobreas tendên-
cias privatizantesdo governobrasileiro,

por exemplo, a revistadisseque “Jair Bolso-
naroé um populistaperigoso, comalgu-
mas boasideias”.
OjornalistaamericanoJamesFallows,ci-
tadopor Zevin,tomoua frasecomode-
monstraçãoda arrogânciatípica,em mais
um momentode pretensasuperioridade
moralmanifestadapela revista.A propósi-
to: em outrapassagemdo livro, um ansio-
so novato, tentandoredigirseu primeiro
textoparaa revista,perguntacomose es-
creveao mododas normasda casa.Res-
pondeum editorveterano:“Simples.Faça
de contaque você é Deus”.
Em sua buscadas maneiraspossíveisde
conceituare praticaro liberalismo“lato
sensu”, ou “at large”, comodiz o títulodo li-
vrode Zevin,“TheEconomist”nãoparecese
embaraçarao tomarposição,ainda que in-
voluntária,emquestõestranscendentesaos
interessesmaisdiretos da City,tradicional-
menteidentificadoscom o liberalismoem
suasváriasformatações.
Não haveria mesmo, na verdade, comoig-
norarproblemasem que a segurançareserva-
daaoinvestimentoporregulamentosdemer-
cadoé incluídaentreostemasde discussão
críticadoaltograudefinanceirizaçãohojeca-
racterística do capitalismo—com efeitos va-
riados sobreo bem-estarde largas faixas da
populaçãoem todoomundo, por efeito da

concentraçãoderendaqueacarreta.
As mudançasclimáticas, por exemplo,
mereceramumaediçãointeiradarevista.Da
mesmaforma,não têm faltadomatériasa
respeitoda ascensãodo populismode direi-
taouaosproblemascolocadospelacrescen-
te desigualdadede renda.A atualeditora,
ZannyMintonBeddoes,assinouuma“sur-
vey”especialsobreoassuntoem 2012eo
abordounovamenteem artigocomemora-
tivodos 175anosdarevista.Masédeceticis-
mo o olharsobrea importância do salário
mínimoededesconfiançasobrearealgravi-
dadedas estatísticasde desigualdadereuni-
das por EmmanuelSaez,GabrielZuchman,
ThomasPikettyeoutrasdamesmalinha.
“A questão aconsideraréque tipo de solu-
ções estãodispostosa contemplareaté que
pontoessas propostas se afastam do padrão
dereformasliberais(ouneoliberais)doperío-
do anterior a 2008”,diz Zevin, referindo-se à
evidente falta de entusiasmo da revista para
apoiar propostas de mudançamaisincisivas,
sobretudona área financeira.Na sua opinião,
oafastamentoé“muitopequeno”.
Zevincita exemplosde ideiasque têm a
simpatiadarevista:legislaçãoantimonopó-
lio maisvigorosa,para fazervalera concor-
rência;eliminaçãodebrechastributáriasna
remuneraçãode administradoresfinancei-
ros eoutrasformasde evasãofiscal;um im-
postosobreo carbono.Algumaflexibilida-
de de opiniãotambémtransparecena acei-
taçãodo uso heterodoxode políticasfiscais
paraestimularaatividadeeconômica,aque
o Bancoda Inglaterrae outrosbancoscen-
trais recorreram comoúltimorecursopara
enfrentara recessão.Mas seus editoresnão
gostamde impostosobreariquezaou des-
membramentode bancos[paratorná-los
menosresilientesemsituaçõesdecrise].
“TheEconomist”não está sozinha na
oposição, para não dizerindiferença, a ara-
gensde revisãodo pensamentoeconômico
aceitosem restriçõesnas últimas décadas.
Afinal,comodiz Zevin,a revistaé a repre-
sentanteda vertentedominantedo libera-
lismoe, assim,daresistênciados liberaisa
mudançasque a esquerdapropõe, “mesmo
quandoreconhecemaexistênciade alguns
dessesmesmosproblemas”.
Zevinécrítico, não ocultasuas posições
políticas,mas procuramanter-seimparcial,
comose notana linguagemnarrativaque
empregaao longodas 544 páginas do livro.
“Conscientemente,escreviparaquepessoas
de váriasinclinaçõesideológicas—esquer-
da, centro, direitae até mesmoos orgulho-
sos leitoresda ‘Economist’—pudessemen-
tender,debatere,espero, apreciarahistória
dasideiasqueolivroconta.”■

Aoabordaros
desafiosdoReino
Unidoapóso Brexit,a
“TheEconomist”
dissequeBoris
Johnson“precisade
umaestrelaguia”e
queessaorientação
devesero liberalismo


BENSTANSALL/POOL/AFP
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