Valor - Eu & Fim de Semana (2020-03-13)

(Antfer) #1

26 | Valor|Sexta-feira,13demarçode2020


L

ogodepoisdaquebradasbarra-
gensem Mariana (MG),em 2015,
os irmãosHumbertoeFernando
Campanapartiramparaacidade
mineirapreocupadoscom os efeitosde um
dos maioresdesastresambientais da histó-
ria. Da lamaque restou,veioumaideia:
criarcobogós,tijolosvazadostradicionais
na arquiteturanordestina,comumamão
abertacircundada por cadaquadrado.
Acriaçãodos cobogós seriaumaforma
de reutilização da lama.Comohavia muito
metalna lamadecorrenteda quedada bar-
ragem,oque a desmanchava quandopos-
ta no calor,os tijolosvazadosforamconce-
bidoscom outraargila,numaolariada re-
gião de Mariana. Apalmada mãofoi feita
para dizer“ba sta”,“para” e“chega”aos cri-
mes ambientais.
Passadosquasecincoanoseoutro desas-
tre ambientalem MinasGerais,os cobogós
formamumaparedede 1,6 mil tijolosde
terracotaque tem outrosignificado: dar
boas-vindasaos visitantesda exposiçãore-
trospectiva“IrmãosCampana- 35 Revolu-
ções”, no Museude Arte Modernado Rio de
Janeiro(MAM-RJ),que revisitaos 35 anos
da produçãoda dupla.
Amostracomeçanestesábado(dia 14) e
vai até 17 de maio. Comcuradoriada italia-
naFrancescaAlfanoMiglietti,pretendedes-
fazeras fronteiras,cada vez menosclarasna
culturaocidental, entrearte e design.As pe-
ças —parte delasinédita—estão divididas
em seis setores:“Pensamento”,“Amor”, “So-
nho”,“Metamorfose”,“Segredos”e“Tempo”,
nosquaisasquasecemobrasquecompõem
a exposiçãoestãoorganizadaspelo concei-
to e não pela cronologia.Os setoressão se-
paradosentresi por colunasfeitasde piaça-

va, que remetemao cauledas árvores.Um
céu de folhascobre partedo espaçoexposi-
tivo,remetendoàscopasdasárvores.
Na infância e adolescência em Brotas (SP),
contamos irmãos, os dois passavam o dia no
quintaldecasa eas noitesem um cinemada
cidade,ondetomaramcontatocomboapar-
te do que se produzia na época: desde obras
de grandesdiretores comoFedericoFellini,
Pier Paolo Pasolini eStanley Kubrick até a
chanchada brasileira. “A gente era amigodo
donodocinema,entrava,viatudo”, dizHum-
berto.“Émeioumahistóriade‘CinemaPara-
diso’”, afirma Fernando, em referência ao fil-
me de1988, que contaa história do garoto
Toto (Salvatore Cascio) e sua relação com Al-
fredo (Philippe Noiret), projecionista do ci-
nemalocal,frequentadopelomenino.
Na família,o únicoque tinhauma histó-
ria na vida artística era um primomaisve-
lho: opoeta RobertoPiva (1937-2010).“Ele
fez muitonossacabeça.Contava as viagens
dele de ácido, de cogumelo, a gentepunha
tudoisso na cabeça.ORobertosemprefoi
contratudo. Ele instalouesse espíritoin-
conformista[emnós]”,dizHumberto.
Fernando, nascido em Brotas em 1961,
queria ser astronauta. Humberto, nascido
emRioClaroem1953,queriaseríndio.Essas
diferençassurgidas na infância, eles contam,
marcamadiferença no estilo de cada.“Cada
umsecompletadessaforma:ummaisprimi-
tivo [Humberto],ooutro mais tecnológico”,
diz Fernando. “A gente faz uma traduçãoen-
tre ourbano e orural, mistura o vernacular
comotecnológico”, afirmaHumberto.
Filhos de um agrônomocomumapro-
fessoraprimária,os dois fundaramoEstú-
dio Campanaem 1983.No galpãoem San-
ta Cecília,na regiãocentralde São Paulo,

DESIGN


Comumagrande


exposiçãono


MAM-RJ, irmãos


Campana celebram


35 anosdeuma


parceriaque


desenha suavisão


domundoempeças.


Por DaniloThomaz,


para o Valor,doRio


Segredo da


boa forma


CobogódosIrmãos
Campanaque
reutilizaa lamadas
barragensem
Mariana:a palmada
mãofoi feitapara
dizer“basta”, “para”
e“chega”aoscrimes
ambientais


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