Valor Econômico (2020-03-14, 15 e 16)

(Antfer) #1

JornalValor--- Página 10 da edição"16/03/2020 1a CAD B" ---- Impressapor RCalheiros às 15/03/2020@19:27:59


B10|Sábado,domingoe segunda-feira, 14, 15 e 16 de marçode 2020


Agronegócios


valor.com.br


Glifosato


BayerpertodeacordoemprocessosnosEUA


ABayer, gigante de agrotóxicos,


informouna sexta-feira que


acertou os termospreliminares


de um acordo comumasériede


escritóriosde advocaciaque


representamdezenas de milhares


de demandantes em açõesque


associamo RoundupReady, feito


à base de glifosato, a casosde


câncernos EstadosUnidos.Esse


passoaproxima a companhiade


umasoluçãofinalpara o caso.


valor.com.br/agro


Safra 2020/ 21


ConselhorecomendaR$5,7biparaoFuncafé


O ConselhoDeliberativo da


Políticado Café(CDPC)aprovou


na últimasexta-feira, em reunião


realizadaem Brasília,o


orçamento do Fundo de Defesa


da EconomiaCafeeira (Funcafé)


para a safra 2020/21. O


colegiadorecomendouque seja


destinadoo valor recorde de


R$ 5,7 bilhões,12,6%mais


que na atualtemporada,que


vai terminarem 30 de junho.


valor.com.br/agro


Soja


Chuvasreduzempotencialdesafraargentina


A possibilidadede a Argentina


colherumasupersafra de soja


ficoupara trás.Semchuvas há 23


dias nas principaisáreas


produtoras do país,a Bolsade


Rosáriocortou sua estimativa


de colheitaem 3,5 milhõesde


toneladasna safra 2019/21. A


projeçãoatualé de 51,5milhões,


ante 55 milhõesde toneladasem


fevereiro, quandofoi divulgadao


primeira estimativa para a safra.


valor.com.br/agro


CenáriosOmonitoramentodosfornecedoresdiretosde


animaisevoluiu,masindiretoscontinuamasergargalo


Desafios ambientais


dos frigoríficos ainda


são grandes no Norte


O diretor de sustentabilidade da Marfrig,Paulo Pianez: em buscade avançosno controle dos fornecedores indiretos


CLAUDIO BELLI/VALOR

Marina Sallese


Luiz HenriqueMendes


De São Paulo


Dez anos após a “Farra do Boi”,o


barulhento relatório do Greenpeace


que despertou a comunidade inter-


nacionalpara aresponsabilidade


dos frigoríficos no desmatamento


da Amazônia, os principais exporta-


doresde carne bovina do país evo-


luíram no monitoramento dos for-


necedoresdiretosde gado,barran-


domilharesdepecuaristasemsitua-


ção irregular. Mas o problemaestá


longe do fim, o que tornaa situação


cada vez mais urgente dadaaseveri-


dadedasmudançasclimáticas.


Atualmente,oprincipalgargalo


está no fornecimentoindireto.Os


sistemas de monitoramento exis-


tentesnãosãocapazesdecertificar


aregularidade do criador de be-


zerroouboi magroque vende o


animalaoprodutorparaengorda.


No últimoano, oaumento do


desmatamento, aliado àretórica an-


tiambiental de autoridades do go-


verno, intensificou apressão sobre


as indústrias, sobretudo as maiores


—JBS, Marfrig eMinerva —, que


compramaomenos38%dogadono


bioma amazônico.Conforme dados


do IBGE compilados pela associação


civilImaflora,o rebanhobovino


amazônicocresceu mais de 20 vezes


desde 1974esuperou 64 milhões de


cabeças em 2018,enquanto o efeti-


vo do país todo“apenas” dobrou,


para213,5milhõesdecabeças.


Para responder ao problema am-


biental, os principaisfrigoríficos


buscammecanismospara mitigar o


risco de serem acusados de “lava-


gemdegado”, masasoluçãodopro-


blema tambémdepende do engaja-


mentodogovernofederal,quepare-


ce ausente do debate.Um grupo de


trabalho que estudava formasde


monitorarofornecimento indireto


de gadofoi encerrado pelo Ministé-


riodoMeioAmbienteem2019.


Procurada peloValor, aPasta re-


direcionou o assuntoao Ministério


da Agricultura —que, por sua vez,


atribuiu aresponsabilidadeao setor


privadoepassouabolaparaaCon-


federação Nacional da Agriculturae


Pecuária do Brasil (CNA). “O que se


debateno momento éaa doção de


protocolosprivados por parte das


empresasque operamno setor de


carnes, com contratosde longo pra-


zo comprodutores em áreas de


maiorrisco ambiental”,informou o


MinistériodaAgricultura,emnota.


Do pontode vista regulatório,


os frigoríficos sugerem mudanças


paraviabilizar um controle mais


efetivo dos indiretos. Atualmente,


osdocumentosqueregulamamo-


vimentação de gadoentre pecua-


ristasnãosãodeacessopúblico.


Alémdisso, não bastagarantir


queograndefrigoríficopreservea


Amazônia.Dezenasde indústrias


de médioepequenoportenão


têm qualquer mecanismode con-


trole,alegamexecutivos da indús-


tria. O argumentoécontestado


por MauroArmelin,diretor-exe-


cutivoda ONGAmigosda Terra -


Amazônia.“Seostrêsmaioresfize-


rem,50%doproblemavaiestarre-


solvido, e cria-seum ciclo virtuoso


demelhoradacadeia”, defendeu.


Outranecessidadeéumapolítica


de regularizaçãoambientalpara


pequenosprodutores,sem a qual a


exclusãosocialse torna um proble-


madegrandesproporções,deacor-


do com executivosdas indústrias,


membrosdo MinistérioPúblicoFe-


deral(MPF)eorganizaçõesnão-go-


vernamentais(ONGs).“Terumban-


codedadosemontarumalistasuja


semaaderênciadoprodutornunca


foiasolução.Éprecisobatalharpela


reinserçãodele na cadeia”, afirmou


o coordenadorde pecuária susten-


tável da The NatureConservancy


Brasil(TNC),FranciscoFonseca.


Enquanto uma soluçãonacional


paraosfornecedoresindiretosnãoé


engendrada, iniciativas estaduais e


privadas ganham espaço. No Pará,


ondeoMPF fezos primeirosTermos


deAjustedeConduta(TACs)da Car-


ne, em 2009, estáse formandouma


força-tarefaentreos setores público,


privado e da sociedadecivil a fim de


resolverofantasmadosindiretos.


Para atacaroproblemae suas


arestas, ogoverno do Pará vaialocar


R$ 92 milhões,recebidos da Opera-


ção Lava-Jato, em açõesde fomento,


fiscalizaçãoe regularização. Segun-


do Mauro O'de Almeida, secretário


de Estado de MeioAmbienteeSus-


tentabilidadedo Estado, ocaráter


doprogramaédesenvolvimentistae


não puramente conservacionista.


“Trazer opessoal para alegalidade e


incentivar a eficiênciasão nossas


metas”, disse. Segundo ele, no Esta-


do a lotação média nas fazendas,


queéde1cabeçadegadoporhecta-


re, podeser facilmente triplicada


comaçõesdeassistênciatécnica.


“O desafio dos indiretos está


atreladoaos pequenosprodutores,


quefazemacriaemassentamentos,


sobreáreasdesmatadasecompou-


quíssima tecnologia”, destacou


FranciscoFonseca,da TNC. Ao lon-


go dos últimosanos,a organização


constatoudificuldadede rastrearo


gadoindividualmente.“Chegamos,


inclusive,atentarrastrearos ani-


mais usandobrincose bólus[equi-


pamentoseletrônicoscolocadosno


rúmendo boi],mas sem sucesso


por contado custo-benefício e das


extensasáreasnaAmazônia”, disse.


Agora, com o auxílio da iniciati-


va governamental britânicaPart-


nerships for Forests (P4F),mais


uma frente de trabalho se abre.Por


meiode um consórcio envolvendo


TNC,Amigosda Terra e a startup


mineira Safe Trace, ecom apoiodo


governo do Pará, aP4F lançará uma


plataforma de rastreabilidade.Ten-


do a tecnologia blockchain como


aliada —para preservarosi gilode


cadaelo da cadeia, seja ofrigorífico


parceiro, produtor ou governo —, a


ideia é criar um sistema que cruze


dadosdo Cadastro Ambiental Rural


(CAR)e da Guia de TrânsitoAnimal


(GTA) de pecuaristas dispostos a


fornecer suas informaçõesvolunta-


riamente, em troca de assistência


para resolver os seus passivos.


A metaé incluir,até maio, 300


imóveis rurais na plataforma. Esti-


ma-seque cadaimóvelleve aqua-


tro produtores indiretos, soman-


do 1,4 mil cadastrados, que movi-


mentam, em média,1milhão de


cabeças de gadopor ano. “Prova-


do opiloto em São Félix do Xingu


e sudeste do Pará, espera-se que o


modelo seja replicável paratodo


oEstadoe outrasregiões”, afir-


mou Luiz de Almeida, da P4F.


Do outrolado do balcão, os fri-


goríficos tentam encontrar solu-


ções,enquanto são observadospe-


los consumidores europeusepor


investidores. A JBS, que tem no bio-


ma amazônicometade de seus 90


mil fornecedores, fará novassuges-


tões ao governo.Com uma listade


8 mil produtoresbloqueados na


Amazônia, Márcio Nappo, diretor


de sustentabilidade da companhia,


argumentaque ocontrole dos for-


necedoresdiretos avançou muito


em dez anos, mas admitiuque a ba-


talha dos indiretos está no começo.


Em busca de uma solução,aJBS


trabalha em alguns projetos, ainda


embrionários.Umdeleséaatualiza-


ção da proposta, feitaanos atrás,pa-


ra a criaçãode uma Guia de Trânsito


Animal para fins ambientais —a


“GTA Verde”. Aideia éatrelar aGTA,


documento de política sanitária


usado para verificar o cumprimento


de vacinações obrigatóriaseconter


eventuaissurtos de doenças, às in-


formaçõesambientaisdoprodutor.


Anosatrás, apropostade GTA


Verde previa vetaraemissãodo do-


cumento para o pecuarista que esti-


vesse na listade áreas embargadas


doInstitutodeMeio-Ambienteedos


Recursos Naturais Renováveis (Iba-


ma).Mas oplano continha uma fra-


gilidade:se oprodutor não pudesse


emitira GTApara movimentar oga-


do,colocaria em risco o controlesa-


nitário, na medida em que o trans-


porte de animais poderia se tornar


clandestino,admitiuNappo,daJBS.


Por isso,aideiaagoraéque a


GTA Verde informe sobre a situa-


ção ambiental do produtor,mas


não vete a emissão das guias.As-


sim, as indústriasque quisessem


determinariam aos pecuaristas di-


retosquenãofornecessemlotesde


animais oriundos dos indiretos


comirregularidadesambientais.


Na Marfrig,segundamaiorin-


dústriade carnebovinado mundo,


estáemcursoacriaçãodeummapa


de mitigaçãode risco de fornecedo-


res indiretos, segundo o diretorde


sustentabilidadePauloPianez.Com


testesapartirdesetembroeentrada


emfuncionamentoem2021,aMar-


frig vai sobrepor mapascom as re-


giõestípicasde produçãode bezer-


roscomáreasdevegetaçãonativa.


Senãoresolveoproblemadefini-


tivamente,o serviçoao menosaju-


daráaMarfriganortearascompras


dos fornecedores diretos. Atual-


mente,quase40% do gadoabatido


nos frigoríficosda companhiaé


oriundodo biomaamazônico. A


companhiatem 13,1 mil fazendas


fornecedorase3milbloqueadas.


Terceiramaior indústria de car-


ne bovina do país, aMinerva tam-


bém tentaminimizarorisco de in-


diretos. De acordocom Taciano


Custódio, responsável pela área de


sustentabilidade,aempresafazum


mapeamentointernode seus for-


necedorespara identificar aqueles


que atuamno ciclo completo—


produzindo os própriosbezerros.


Segundoele, essesprodutoressão


menossuscetíveisaproblemas.En-


tre 45% e 50% dos bovinos compra-


dospelaempresavêmdobioma.


MPF promete cobrança,masquer evitar enxurradademultas


De São Paulo


Quando o Ministério Público Fe-


deral (MPF)iniciou sua ofensiva


contraosfrigoríficosbrasileiros,não


tinha a maisvaga noção do desafio


que se imporia. Àépoca responsável


pelos Termos de Ajuste de Conduta


(TACs)no Pará,pioneiro na iniciati-


va, oprocuradorDanielAzeredo,


hojesecretário-executivodaCâmara


deMeioAmbienteePatrimônioCul-


turaldoMPF, disseque precisou


construir, ao lado das empresas, al-


go novono país.Os TACs previam


que se fizesse umaauditoria das


compras de gadodasindústrias,


masfaltavadescobrirdequeforma.


As incertezas iam desdese havia


necessidade de visitar os frigoríficos


e as fazendasaté comofinanciar as


auditorias.Eoresultadodopilotode


2013 no Pará não agradou. “A em-


presa contratada fez um trabalho


muitoruimeaí agentemudoupara


o processo em que o próprio frigorí-


ficocontratavaaauditoria”,disse.


Nessesmoldes,foramrealizadas


no Pará duas auditorias,divulgadas


em 2018 e2019, referentesa 2016e



  1. Mas o modelo —com ajustes


técnicos e critériosunificadospara


compras de gadono Amazonas,


Amapá, MatoGrossoe Rondônia —


rodará pela primeira vez nosfrigorí-


ficoscomTACnessesEstadosapenas


em 2020. Em fevereiro, um protoco-


lounificandoasauditoriasemtodos


osEstadosdopaísfoiestabelecido.


Para o Greenpeace, o Brasil já leva


tempo demais nessabatalha,oque


fez a ONGse retirar da mesade dis-


cussõescomosfrigoríficosem2017,


afirmou Adriana Charoux,estrate-


gista da campanhade Amazôniada


ONG.Asaída do Greenpeace ocor-


reu após uma conjunçãode notícias


negativassobreosetor,comoadela-


ção premiada dos donos da JBS, a


operação CarneFraca e, principal-


mente, a operação Carne Fria, defla-


grada pelo Ibamaem cima de com-


pras irregulares de fornecedoresin-


diretos da JBS que desmataram. A


empresa foi multadana época, mas


recorreu alegando ter sido cobrada


poralgoquenãotinhacondiçõesle-


gaisderealizar(ver matériaacima).


Para RicardoNegrini,procura-


dordoMPFnoPará,acobrançaaos


frigoríficos em relaçãoaos indire-


tos devevir gradativamente,por-


queumapuniçãoàsempresashoje


terminaria com aemissãode uma


enxurrada de multas, com pouco


efeito práticona promoção de me-


lhorias. “Eu não estoudizendo que


não vou multar, mas a gente tam-


bém consideraograu de compro-


metimentodasempresas”,disse.


Segundo o MPF,no bioma ama-


zônico há 150 frigoríficos, que res-


pondem por 90% do mercado lega-


lizado, eeles perfazem três grupos:


das empresascom TACeauditoria,


com 23 membros; os comTAC e


sem auditoria, que são 70; e os sem


TAC esem auditoria, quase60. O


terceiro grupo éomaispreocupan-


te e está na mira dos procuradores.


No Amazonas, o Frigonosso foi


multado em outubro em R$ 3,8 mi-


lhões pela ausência de esforçosem


cumpriroTACdoEstado. Masquem


tinhaassinado o acordo comoMPF,


em 2013,na verdade, era oFrigorífi-


co Amazona,que arrendou, mais


tarde,aoperaçãoaoFrigonosso.


“Nessa situação,há muitasou-


tras empresas no bioma”, disse


Rafaelda Rocha, procurador do


Amazonas.De qualquer forma,


segundoele,foipedidaapenhora


doestabelecimentoe,casoopedi-


dosejaacatado,oFrigonossoiráa


leilão para pagamentoda multa.


Amaioriadessasmultas,contudo,


caduca sem retornoefetivo. Pro-


curado pela reportagem, oFrigo-


nossonão respondeu ao contato.


(MSeLHM,comacolaboraçãode


Rafael Walendorff , de Brasília)


Fontes:Imaflora,comdadosdo IBGE

Gadoamazônico
Rebanhobovino no biomapor Estado

Rebanho(emmilhõesde cabeças)* Evoluçãodo rebanhona Amazônia
Em milhõesde cabeças

1974 1978 1982 1986 1990 1994 1998 2002 2006 2010 2014 2018

0

20

40

60

80

3,18 4,53

8,63

10,79

15,19

21,79

27,51

40,33

54,66

57,57

61,03

64,28

1,905

Tocantins

0,817

Roraima

14,367

Rondônia

3,745

Maranhão

0,055

Amapá

3,017

Acre

Total(Bioma)

64,277

Total(Brasil)

213,52 3

20,6 28

Pará

18,364

MatoGrosso

1,376

Amazônia

30%
do rebanhonacionalfica

no biomaamazônico
Free download pdf