JornalValor--- Página 13 da edição"24/03/2020 1a CAD A" ---- Impressapor rcalheiros às 23/03/2020@20:02:
Terça-feira, 24 de marçode 2020|Valor| A
Pandemia e ascensão da vida online
Agênciasreguladorasbritânicasencaramosdesafiosdofuturo. PorMarcoTsuyama
“A crise do
coronavírus é
umarestrição
às atividades
econômicas sem
precedentes na
históriado
pós-guerra”.
DeJanHatzius,economistachefe
dobancoGoldmanSachs
Francisco Gaetanie
VirgilioAlmeida
Um “novo normal”
emergirá, incorporando
vários hábitos que
colocamosem prática
porcausada covid- 19
O
avançodo coronavírus
está sendo acompa-
nhado em temporeal
com baseem informa-
çõesoficiaisde todosos países
afetados.Épossível que aquie
ali os dadosestejam sendosu-
bestimados ou insuficientemen-
te notificados,masno geralo
mundo está assistindoaum es-
forçoglobalde cooperaçãoepi-
demiológica. Isso estáaconte-
cendomesmoem um momento
de refluxoda globalização,crise
econômicae ascensãodo popu-
lismo em algunsdosmaiores
países do mundocomoos EUA,
Rússia, Índiae Brasil.
Este cenário, típicodas disto-
piasliterárias —impossível não
pensar no clássico“A Peste”de Al-
bert Camus—ecinematográficos,
como“O SétimoSelo”de Ingmar
Bergman, estásendoassimilado
pelasvárias naçõesde formahete-
rogênea, porémcomuma aliada
importante: a tecnologia.Famílias
mantém-se em contato por apli-
cativos. Reuniões ocorrem por
meio de formatos não presenciais.
Opções de lazer digital domésti-
cas são acionadas e estimuladas.
Autoridades cooperam comparti-
lhando seus dados,pesquisas e
análises. Políticos divulgamnarra-
tivasmaisconciliatórias esolidá-
rias —com as exceções de praxe.
Cientistas engajam-se em uma
competição positiva por vacinas.
Autoridades sanitárias comparti-
lhamsoluções preventivas emiti-
gadoras em temporeal.
Quanto mais nos informar-
mose cooperarmosmaissuave
seráoimpactodestaonda.Opaís
tem capacidadee potencial para
isso, se canalizarmos esta grande
mente digital coletiva para a
multiplicaçãode nossasforças.
Solidariedadee cooperaçãose-
rão fundamentais. Atecnologia
podepotencializaraçõespositi-
vas de contenção eassimilação,
de modoacontribuirparaque
não caiamosno desesperoe na
barbárie —com a qualtemos
flertadomuitoultimamente.
Associadoao avançoglobalda
pandemiadocoronavírus,perce-
be-seque a internete as platafor-
mas tecnológicaspassarão a ter
um novopapel no dia-a-diada
população. Oprofessorde filoso-
fia da Universidadede Oxford,
LucianoFloridi,cunhouhá al-
gumtempoatrásotermo“onli-
fe’’ paraindicaraexistênciahí-
bridada vida contemporânea,
ondeasbarreirasentreoonlinee
off-linesão cadavez menoscla-
ras e passamanão ter diferenças.
Comprar, trabalhar,divertir, es-
tudar, interagircom amigose fa-
mília,tudopodeser feitonos
computadoresecelulares,como
tambémpresencialmente.
O coronavírusvai mudaresse
cenárioe a vida onlineterá um
papelcadavez maispreponde-
rante. A pergunta natural é,
quaisosimpactosdessaascensão
da vida onlineparaa sociedade
brasileira, com sua enormedesi-
gualdadeeconômicaesocial?Es-
tamospreparadosparaessanova
formade viver,confinadoseiso-
ladosfisicamente, mas conecta-
doseligadosdigitalmente?
À medida que acrise da co-
vid-19 avança,as pessoas vão cada
vez mais usar as redessociais, pro-
curando informações, pedindo
ajuda, organizandogrupos de
apoio, fazendo compras de itens
essenciais e buscando orientação
médica.Asempresasirãoexpandir
otrabalhoremoto, tipo home offi-
ce,reuniõespresenciaissedesloca-
rão paraas plataformas de ví-
deo-conferência, escolaseuniver-
sidadescolocarãoseuscursosonli-
ne. Esse é o cenário que se vê nos
países onde o coronavírus chegou
primeiro e alimitação da proximi-
dadedas pessoas,o chamado dis-
tanciamento social, passou a ser
fundamental para suavizar o pro-
cessodedisseminaçãodovírus.
Neste contexto,surgem novas
perguntas. Asociedadebrasileira
está preparada para essamudança
maciça paraomundo online?Co-
mo criar os incentivos para mover
partes da economiapara o mundo
digital?Oqueo governo precisa
fazerpara possibilitar que a ascen-
são da vida onlinenão deixepara
trás grande parteda sociedade
brasileira? Comoas operadoras e
as big techs poderiam agir, no cur-
toprazo,paraaumentarainclusão
online, principalmente nas classes
menosfavorecidas e commenos
disponibilidade para arcarcom os
custosdeconexões?
Paralelamente,as notícias fal-
sas se espalhamcommaisrapi-
dez e facilidade do que o próprio
coronavírus e são igualmente pe-
rigosas,poisgeramdesconfiança,
polarizações, desarmonia e da-
nos àsaúde pública. E oque pode
serfeitoparareduziresseladone-
gativo da vida online? Quais me-
canismosregulatórios são neces-
sários para que as plataformas
tecnológicas, comoGoogle,Face-
book, Twitter eWhatsApp, te-
nham regras claras etransparen-
tesparaprotegerasociedadebra-
sileira das ondasde notícias fal-
sassobreapandemia?
Asgrandesempresasdetecno-
logiadevemconsiderar que o
ambienteonlinebrasileirotem
suas característicaspróprias.Por
E
m meioàs discussõesdo
Brexite outras confu-
sões,poucos tem atenta-
do paraumatransfor-
maçãoigualmenterelevanteque
tem se dadonaquelepaís.Ana-
ção que liderouaonda de migra-
ção dos serviçospúblicosparao
setor privado nos anos 1980,
criandoomodelode agênciasde
regulaçãoparacontrolarocará-
ter de monopólionaturaldesse
tipo de indústria,sinalizouuma
mudançaigualmentesignificati-
vanoseuconceitooriginal.
No fim de 2019,aOfwat,agên-
cia reguladorade água e sanea-
mento da Inglaterra e do País de
Galesfezarevisãotarifáriaparato-
das as concessionárias daquele
país.Com pequenas alterações,es-
sas concessionáriasprivadas man-
tinhamo modeloinstituídopela
privatização em 1989. Comose sa-
be,arevisão tarifária,nomodelo
de incentivos, disseminados pelos
própriosinglesesàquelaépoca,es-
tabelece de períodoemperíodo
um nível tarifário querestringe as
vantagensobtidas pelo poderde
mercado, proporcionando uma
tarifa menordo queasconcessio-
náriasgostariame,aomesmotem-
po, assegura o fluxonecessário de
investimentos para uma prestação
deserviçosadequados(proporcio-
nando uma tarifa maiordo queo
cliente/usuáriogostaria).
Essa é basicamente a funçãoes-
sencial das agências reguladoras
criadas apartirdo modelo que,
inauguradonaterradarainha,ins-
piroudiversos países, comooBra-
sil, que estavam com amesmadifi-
culdadedeexpandiranecessidade
definanciamentodosetorpúblico
econciliá-lo com a expansão dos
serviços públicos. No governo Fer-
nandoHenrique, várias agências
reguladorasforamcriadasparare-
gularossetoresque aConstituição
de 1988conferiatitularidadeà
União. Na mesmaépoca, os gover-
nos estaduais criavamas agências
estaduais para regularos serviços
de gás canalizado (segundo a
Constituição,serviçode titularida-
de dos Estados). No governo Lula,
omarcoregulatóriodosaneamen-
to (Lei 11.445/07),impôs uma
agência reguladorapara os muni-
cípios que quisessem conceder os
serviços de saneamento (titulari-
dadedos municípios, segundo a
CF). Tudo parareplicar o modelo
inglêseequilibrarosinteressesen-
treclienteseosinvestidores.
Entretanto, a busca exclusiva
desse equilíbrio deixa de levar em
exemplo, oWhatsAppnão trans-
mite ovírus,mas podetrazer
enormesprejuízosà sociedade
ao transmitir,de maneiracripto-
grafada,mentiras erumoresque
dificultamo controleda epide-
mia.Éprecisoavaliarmecanis-
mos de regulação para as mídias
sociaisnestestemposdecrise.
O mundo não será o mesmo
quandoestesurtorefluir.Aexpres-
sãoégasta,masum“novonormal”
emergirá,incorporandováriosdos
hábitosque estamoscolocando
em prática comoconsequência da
epidemia. O “online’’ será o novo
normal. Como tornaromundo
online maisinclusivo? Precisamos
mesmode tantas viagens? Oensi-
no à distância não deveria ser ex-
ploradocom mais atenção? Atele-
medicina, regulada e circunscrita,
não precisaria ser encaradade
uma forma mais aberta e mais am-
pla como alternativa paracertas
interações? O coronavírusvai in-
tensificar essasdiscussões eacele-
rar aviradadigital. “Co mo” e“em
que direção” dependerão de polí-
ticas públicas e de nossas escolhas,
individuaisecoletivas.
FranciscoGaetanié professorda
Ebape-FGV, ex-secretárioexecutivo dos
Ministérios do MeioAmbiente e
Planejamento e ex-presidente da Escola
Nacionalde AdministraçãoPública.
VirgilioAlmeidaé professor associadoao
BerkmanKleinCenter da Universidadede
Harvard, professor emérito da UFMGe
ex-secretário de Política de Informática do
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
conta interessesde outros atores
sociais, em especial os não-usuá-
rios (não atendidos) dos sistemas,
inclusiveasgeraçõesfuturas.Indu-
bitavelmente,um níveltarifário
pode satisfazertanto concessioná-
rias comousuários, maspassar
longe do atendimentodo interes-
se de moradores ajusanteou mes-
mo os descendentes dos que acor-
daram a tarifa de equilíbrio pen-
sandonos seus interesses imedia-
tos. Embora as fortesexternalida-
des (impactossocioambientais)
dessetipodeserviçopúblicosejam
argumento para que o Estado atue
fortemente no setor, as agências
(assimcomoos tomadoresde de-
cisãodasindústrias),emsuamaio-
ria,nãoseatêmaoproblema.
Mas arevisãode 2019da Ofwat
mudou esse aspecto. Na metodo-
logiafinal,queguiatodasasdeter-
minações finais paraas concessio-
nárias, elencoucomoprioridade
para o setor oque chamou de “de-
safios futuros”. O documentofaz
umaespécie de autocríticarefe-
rente às revisõesanterioresdizen-
do que, emboraem geralas em-
presas tenham melhoradosuas
entregasaos usuários,“é claro que
osetorcomoumtodoprecisafazer
muito mais para acelerareenfren-
tarosdesafiosfuturos”.
Entre os desafios que eles enu-
meramsedestacamosambientais,
uma vez que as mudanças climáti-
cas e o crescimento da população
aumentarão a pressão tantosobre
a águaescassa, comoa necessida-
de de uma drenagemeficiente ea
qualidade ambiental das cidades.
Comissoarevisãotarifáriaparato-
das as prestadoras de serviço no
Reino Unidoincluiu maisde 1 bi-
lhão de libras para proteçãode en-
chentes, 469 milhões de libras pa-
ralidarcomosdesafiosdegrandes
períodosde estiagem,melhoria de
maisde 12 mil quilômetros de
rios, redução de incidentes de po-
luição em 30%, reduçãode ruptu-
rasem aproximadamente12%, fo-
mento à redução do consumode
águas por usuários paraacimade
13%,cortedasperdasem16%.
Tudo isso previstonos planos
denegóciosaprovadosparafaze-
rempartedastarifas.
A maiorempresade saneamen-
to do Reino Unido, queabastece
cerca de 15 milhões de habitantes
(ou 27% da população), aThames
Water, terá, por exemplo, assegu-
radana tarifa 1.469 milhão de li-
bras apenas parainvestiremme-
lhorias do serviço, resiliênciaeem
meio ambiente.Nessevalor, qua-
se um terço (474 milhões) são pa-
ra atenderobrigações estabeleci-
das no Programa Nacional Am-
biental paraa Indústriada Água
(Winep) e 179 milhões para o de-
senvolvimento de novas fontes es-
tratégicas para assegurar o abas-
tecimento em momentosdesecas
de longa duração.
Comissoemaistodas as neces-
sidades de custeio einvestimento
da empresa, à concessionária foi
autorizada umareceita de 10,.
bilhões de libras, aser obtida, não
apenaspor tarifas, mas por vendas
debiorrecursos(807milhões),por
exemplo.Adeterminaçãoainda
faz outras recomendações econô-
mico-financeiras comoo nívelde
alavancagem. Mas agrande novi-
dadedizrespeitoàsmelhorasope-
racionais que,muitas vezes,são
contrárias à saúde financeira da
empresa,comoareduçãode 6,3%
noconsumopercapitadeágua.
Outrasreduçõesambiciosaspa-
ra asustentabilidade eresiliência
dos serviços foram listadas: 15% de
vazamentos frente aos compro-
missosassumidos na revisãopas-
sada, 30% de acidentes de polui-
ção, 36% em enchentes de esgotos,
53% de interrupção de serviços de
água. Mas além dos desempenhos
operacionais, chamaatenção a
preocupação comoimpactode
carbono da concessionária, daí a
determinação de 9,3%de cresci-
mentoda energia renovável pro-
duzidaemseusnegócios.
Éimportante que as revisões ta-
rifárias aquino Brasil sigam esse
exemplodeumavisãomaisabran-
gentedos serviços públicos, afinal
não dá parapensar osaneamento
(nema energia) de formaisolada.
Asmudançasclimáticascertamen-
te trarãocada vez mais,comode-
monstramos seguidos casosde
crises hídricas,impactonos regi-
mes de chuvase, consequente-
mente,na qualidade epreço dos
serviços de saneamento. É preciso
que os reguladores atentem para
essa situação eque incentivem po-
líticas de sustentabilidade do se-
tor. Medidas racionais de conser-
vação de recursos voltadaspara a
resiliência funcionamcomoinves-
timentos; são saídas de recursos
hoje, masretornamcom vanta-
gensnofuturo.
MarcoTs uyamaCardosoé especialista
em regulação, doutor pelo Programade
Pós-Graduaçãoem Energia da USP, e autor
do livro “Procurandoo petróleo sueco:onde
a Suéciacolocou o seu lixo”.
Cartasde
Leitores
Outras notícias do Reino Unido
Frase do dia
Unidospelainformação
Maisummarcohistóriconatra-
jetóriadaimprensabrasileira!
Estamesmaimprensa,hoje,infe-
lizmente,odiadapeloineptoe
belicosopresidenteJairBolsona-
ro.Nacontramãodopresidente,
quedesprezaagravidadeda
pandemiadonovocoronavírus,
osprincipaisjornaisdopaís,es-
tamparamumacapaconjunta:
“Juntosvamosderrotarovírus”,
e,“unidospelainformaçãoepe-
laresponsabilidade”.
PauloPanossian
Depressão
OeconomistaBrunoCarazzafoi
criativoaotitularseuartigona
páginaA8daediçãodeontem
doValor:VUL-nerabilidades.Es-
seautênticocisnenegroveio
apanharnossopaísdecalças
curtas.Comparadaàcrisede
2007/8,quandotínhamosuma
situaçãofiscalconfortável,saí-
mosrapidamentedela,comuma
reaçãoem“V”, adotandoasme-
didascontracíclicasindicadas,
masesquecendoopénoacelera-
dor,tantoqueem2010oPIB
cresceu7,5%,comtodososmales
queseseguiram.
No momento, a situaçãoé
gravíssima. Não podemoses-
quecerque as pequenas e mé-
dias empresassão as grandes
empregadoras do nosso país. A
economiainformal dominapar-
te importanteda área de servi-
ços e deverá ser severamente
afetadacom as drásticasmedi-
das de contenção adotadas.
EnquantoissoPauloGuedes,
comumesparadrapodeR$
mensaisdurantetrêsmeses,pre-
tendeabrandaroproblema,o
quepareceserumapiadade
maugosto.Achoque,infeliz-
mente,ahipótesedocrescimen-
toem“L”seráomaisprovável,
porissoapertemososcintos,
poisestamosnaeminênciade
umaprofundadepressão.
DirceuLuiz Natal
Covid-
Para evitar o crescimento da co-
vid-19é de sumaimportância
que sigamos, sem exceção, todas
as orientaçõesmédicas.O con-
troleda pandemiadepende de
cadaum de nós. De todosnós,
unidos,para superaro delicado
momentoe sobreviver ao som-
brio presságiodos próximos
dias. Lembre-se, nenhumpaís
tem condições hospitalares para
suportaro pico de atendimen-
tos que, infelizmente,deverá
acontecer.
Humberto SchuwartzSoares
●
Passadaessafasedapandemia
dacovid-19,nadavoltaráaser
comoantes,sejanaeconomia,
nagestãopúblicacomoprinci-
palmentenocomportamento
socialentretodosnós.Talper-
cepçãosedeveàlongaeinédita
quarentenaglobalqueaqueto-
dosestãosubmetidos,quemu-
daráparasempreaHistóriada
humanidade
JoséNobre deAlmeida
É preciso que os
reguladores atentem
para o fato de que
medidasracionaisde
conservaçãode
recursos voltadas
para a resiliência
funcionamcomo
investimentos; são
saídas de recursoshoje,
masretornamcom
vantagensno futuro
Opinião
Correspondênciaspara
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Paulo - SP, ou para
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