O Estado de São Paulo (2020-03-25)

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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 25 DE MARÇO DE 2020 Metrópole A


Renata Okumura

Diante das restrições impostas
pelo novo coronavírus com a
suspensão de aulas e o fecha-
mento temporário de acade-
mias, muitos consumidores se
perguntam como fica o paga-
mento das mensalidades. “A
pandemia atual no mundo dos
contratos é muito devastadora.
Quase todos foram afetados”,
afirmou João Pedro Biazi, advo-
gado e mestre em Direito Civil
pela Universidade de São Paulo
(USP). Segundo o Código de De-
fesa do Consumidor, é permiti-
do ao cliente pedir o cancela-
mento dos serviços sem ônus
em situações como a emergên-
cia atual que o Brasil enfrenta.
No caso das mensalidades es-
colares, se o colégio não pode
prestar o serviço educacional
temporariamente, ele não pode-
ria cobrar a mensalidade. “Ao
contrário das instituições que

conseguiram rapidamente se
adaptar às aulas online, algu-
mas não têm estrutura para au-
las remotas. É importante ava-
liar se existe ou não a impossibi-
lidade da prestação dos servi-
ços educacionais”, disse Biazi.
Além disso, mesmo nas aulas
remotas há uma diminuição do
serviço oferecido. “As aulas on-
line conseguem mitigar um pou-
co, mas a parcela total das ativi-
dades não será prestada, como
aulas de laboratório e refei-
ções”, afirmou ele. Quem per-
deu parte da renda mensal em
razão dos prejuízos econômi-
cos pode entrar em contato
com a direção da escola para pe-
dir o abatimento desses custos.
Se o contrato não puder ser
cumprido, o consumidor que
não realizar o pagamento não
poderá ter o nome incluído em
cadastro de devedores.

Academias e cursos. A regra é
semelhante para academias de
ginástica. Quem pagou adianta-
do pode solicitar o reembolso
compatível ao serviço que não
chegou a utilizar ou ainda pedir
para o contrato ser estendido,
quando a situação for normali-
zada. A possibilidade de encer-
ramento de contrato anual sem
o pagamento de multas é a mes-
ma para cursos de idiomas, dan-
ças e pré-vestibulares, por
exemplo. Segundo a Fundação
Procon-SP, a solução de proble-
mas em contratos deverá ser
guiada “pelos princípios da boa-
fé, razoabilidade, proporcionali-
dade e transparência, sendo im-
prescindíveis equilíbrio e bom
senso”.

João Prata


A quarentena causou situação
inusitada para as escolas parti-
culares e também um embate
de como agir. O Sindicato dos
Estabelecimentos de Ensino do
Estado de São Paulo (Sieeesp)
recomendou a antecipação das
férias de julho para abril e o iní-
cio do ensino a distância a par-
tir da maio. A Associação Brasi-
leira de Escolas Particulares (A-
bepar), por sua vez, considerou
a decisão absurda e aconselhou
que as aulas online comecem a
partir do próximo mês.
O presidente do Sieeesp, Ben-
jamin Ribeiro da Silva, explicou
que a decisão teve como preocu-
pação as escolas privadas meno-
res, que ainda não estão estrutu-
radas para ensinar pela inter-
net. “Por isso sugerimos a ante-
cipação. É uma situação inusita-
da e as atitudes tomadas visam
a minimizar o problema, que
não tem como ser resolvido
100%.”
O sindicato criou uma equipe
de crise e, na opinião dela, a an-
tecipação das férias dará tempo
para essa estruturação. “Sabe-
mos que as grandes escolas con-
seguem se organizar de uma for-
ma ou de outra e aplicar a educa-
ção a distância. Mas as meno-
res, não. No Estado de São Pau-
lo são 10 mil escolas, 80% delas
têm menos de 500 alunos. A


maioria não está preparada”, de-
clarou.
Mauro Aguiar, diretor da Abe-
par e do Colégio Bandeirantes,
discorda. “É uma decisão com-
pletamente equivocada do
Sieeesp. Estamos fazendo esfor-

ço grande, mobilizando conse-
lhos estaduais do Brasil inteiro,
escolas, famílias e professores
para tentar normalizar a vida.
Seria absurdo desmobilizar to-
do processo.”
A associação entende que dar
férias aos professores neste mo-
mento seria tirar de cena quem
mais pode auxiliar a minimizar
os problemas provocados pela
quarentena. “É absurdo o que o
Sieeesp publicou”, prosseguiu.
Para Aguiar, a educação a distân-
cia não demanda que se fique
online o tempo inteiro. “Há vá-
rias formas que vão de aplicati-
vos em smartphones a métodos

mais convencionais de enviar o
material para casa dos alunos.”
Benjamin rebate. “A Abepar
só atende escolas de classe A e
A+ e B+. São escolas que estão
estruturadas. Para eles é bastan-
te fácil propor isso. Cada um
tem de conversar com sua co-
munidade e ver a melhor forma
de passar por este período.”
O Sieeesp não obriga as esco-
las sindicalizadas e antecipar as
férias – trata-se apenas de uma
recomendação. Benjamin tam-
bém prefere não fazer previsão
de quando as aulas presenciais
vão recomeçar. “O que digo ho-
je pode não valer amanhã. Tudo
tem mudado em uma velocida-
de muito rápida. Mas estamos
monitorando diariamente e
nos readequando.”
A Abepar acredita que o ensi-
no a distância acontecerá nos
meses de abril, maio e junho e
espera que os alunos voltem a
frequentar as escolas a partir de
agosto. “Vamos seguir essa li-
nha e terminar o semestre, por-
que é uma recomendação tam-
bém do Sindicato dos Professo-
res manter as férias em julho”,
finalizou Aguiar.

Exemplos. Entre as escolas
paulistanas, a estratégia adota-
da para esse período de quaren-
tena tem variado. O Colégio Al-
bert Einstein aderiu à antecipa-
ção das férias e informou por
meio de comunicado que dará
desconto na mensalidade en-
quanto a escola estiver fechada.
O quadro completo de funcio-
nários do período integral en-
trou em férias desde a última
semana, com salários e benefí-
cios mantidos integralmente.
O restante dos professores sai-
rá de férias a partir de abril.
Já a Waldorf São Paulo come-
çou desde a última semana o en-
sino a distância para turmas a
partir do ensino fundamental –
já os alunos do maternal e do
jardim de infância continuam
sem aula.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Gonçalo Junior


Enquanto internautas organi-
zam aplausos coletivos para
profissionais de saúde, que es-
tão na linha de frente do com-
bate ao coronavírus, parte da
população que utiliza o trans-
porte público em São Paulo
vai na contramão e discrimi-
na médicos, enfermeiros, fi-
sioterapeutas, auxiliares e
técnicos de enfermagem.

O Conselho Regional de En-
fermagem de São Paulo (Co-
ren/SP) recebeu no mês de mar-
ço 20 denúncias de agressões,
na maioria verbais, contra es-
ses profissionais em ônibus,
trens e metrôs. Na visão dos
agressores, os profissionais de
saúde estariam disseminando
a doença.
As denúncias mais comuns
envolvem o impedimento do
profissional uniformizado de
entrar no vagão dos trens e me-
trôs. Profissionais ouvem fra-
ses como “sai do vagão, seu
doente”, “você não vai entrar
aqui e passar doença” e “sai de
perto que você vai me contami-
nar”. Isso aconteceu com duas
funcionárias da equipe da en-
fermeira Caroline Padovani,
que atua em um hospital de
grande porte de São Paulo.
O episódio ocorreu no fim da
tarde de quinta-feira, na Esta-
ção São Joaquim do Metrô, na
zona sul paulistana. “Duas en-
fermeiras não conseguiam en-


trar no vagão porque as pes-
soas diziam: ‘Vocês não vão en-
trar e passar doença’. Foi neces-
sária a intervenção de seguran-
ças”, conta a profissional de 32
anos.
A técnica de enfermagem Ce-
licia de Vasconcelos Pereira,
de 37 anos, trabalha na Liberda-
de, região central, e conta que
está sendo hostilizada tanto na
ida quanto na volta do traba-
lho, também na Linha Azul do
Metrô. “Eles nos xingam por-
que estamos de branco”, conta
a técnica. Ao pegar um trem na
Estação Brás, para Rio Grande
da Serra, um rapaz chegou per-
to e disse: “Nesse vagão você
não entra”. Ela decidiu esperar
o próximo até seu destino, no
ABC paulista. Em muitos ca-
sos, profissionais contam que
a discriminação é mais sutil,
quase velada. “Quando estou
sentada, as pessoas viram de
costas ou se afastam. O banco
ao meu lado quase sempre fica
vazio”, diz outra enfermeira.

Fenômeno novo. Renata Pie-
tro, presidente do Coren, ava-
lia que as hostilidades em am-
bientes públicos são um fenô-
meno novo. “Nos últimos
anos, nós investigamos a vio-
lência contra os profissionais
no ambiente de trabalho. Até
então, esse era nosso foco.
Com a pandemia, começamos
a receber mensagens de profis-
sionais que estavam sendo

agredidos no transporte públi-
co. Foi uma surpresa. Come-
çou com o coronavírus.”
Os profissionais de saúde são
facilmente identificáveis pelo
uniforme branco. Alguns hospi-
tais exigem que cheguem uni-
formizados ao trabalho. Com is-
so, usam camisa, calça e o cole-

te na rua. Quando chegam ao
hospital, completam o unifor-
me com o jaleco, que só pode
ser utilizado ali.

Com covid-19. Uma enfermei-
ra do Hospital Nove de Julho
explica que as roupas que se uti-
lizam no transporte não são as

vestimentas de proteção do
hospital. “Quem assume pa-
cientes da covid-19, por exem-
plo, usa a roupa privativa, de
centro cirúrgico, aquela azul na
maioria dos lugares. Você entra
no setor e não pode sair com
ela. Além dessa roupa, temos a
paramentação: gorro, óculos,
máscara N95, avental imper-
meável e luvas de procedimen-
to. Em algumas situações, usa-
mos o protetor facial, a másca-
ra de acrílico que protege o ros-
to todo”, diz a profissional. “O
hospital não seria negligente
de permitir usar a mesma rou-
pa na rua e no trabalho.”
Para contornar o preconcei-
to em relação ao uso do branco
no transporte público, alguns
hospitais já dispensam o uso do
uniforme para entrar na unida-
de, o que era obrigatório, e am-
pliaram a quantidade de vestuá-
rios para o profissional trocar
de roupa quando chegar. “Isso
ajudou bastante. Dentro do
transporte público, nós não es-
tamos mais sendo identifica-
dos. As pessoas precisam enten-
der que o risco que nós temos
de transmitir é o mesmo de
qualquer outra pessoa”, afirma
Caroline Padovani.
O Conselho Regional de En-
fermagem solicitou reuniões
com a Secretaria de Transpor-
tes Metropolitanos e a Secreta-
ria da Segurança Pública para
discutir o problema. Uma das
propostas é a criação de vagões
ou transportes específicos para
profissionais de saúde. A Secre-
taria Estadual dos Transportes
Metropolitanos, que engloba as
empresas CPTM, Metrô e EM-
TU, afirma que “valoriza os pro-
fissionais da saúde, que neste
período prestam alta contribui-
ção à sociedade e vêm trabalhan-
do com conhecimento e de for-
ma humanitária para proteger e
salvar vidas”.

Boletim de ocorrência. Para
os profissionais de saúde, a reco-
mendação do órgão é registrar
boletins de ocorrência sobre
eventuais agressões. No conta-
to com os seis funcionários de
sua equipe, Caroline disse para
evitarem o uso do uniforme e
tentarem entender o momento
de instabilidade emocional das
pessoas. “Não queremos aplau-
sos, apenas respeito pelo nosso
trabalho.”

l Alternativa
l Diferenças

Órgãos divergem sobre


antecipar férias escolares


l Respeito

Se o colégio não
consegue prestar o
serviço temporariamente,
não poderia cobrar a
mensalidade

Consumidor pode


pedir cancelamento


de serviços sem ônus


“Se a pessoa não tem aulas
presenciais, pode pedir o
encerramento do contrato
ou a substituição por aulas
online, por exemplo.”
João Pedro Biazi
ESPECIALISTA EM
DIREITO CIVIL

GOOGLE MAPS

Associação de escolas


particulares defende


atividades a distância;


sindicato vê dificuldades


para colégios menores


“Grandes escolas
conseguem se organizar de
uma forma ou de outra e
aplicar a educação a
distância. As menores, não.”
Benjamin Ribeiro da Silva
PRESIDENTE DO SIEEESP

Sem aulas. Colégio Albert Einstein: férias e desconto

ALEX SILVA/ESTADÃO

Profissionais


de saúde são


hostilizados


em trens


“Não queremos
aplausos, apenas
respeito pelo nosso
trabalho.”
Caroline Padovani
ENFERMEIRA

Conselho recebeu no mês de março 20


denúncias de agressões, na maioria verbais


‘Você não vai entrar aqui’. Caroline relata o preconceito contra colegas uniformizados

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