O Estado de São Paulo (2020-03-25)

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B4 Economia QUARTA-FEIRA, 25 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


FÁBIO


ALVES


É


grande a preocupação de in-
vestidores de que o Brasil,
quando sair da crise deflagra-
da pela pandemia do coronavírus, te-
rá que enfrentar uma bomba fiscal.
Em meio ao aumento de aversão a
risco e ao estresse dos mercados glo-
bais, o temor com o fiscal também
vem ajudando a pressionar com for-
ça as taxas dos contratos mais longos
da curva de juros, enquanto os mais
curtos passaram a recuar pela aposta
de um novo corte da taxa Selic.
Essa inclinação maior da curva de
juros gera um aperto das condições
financeiras num momento inopor-
tuno, em meio a projeções de reces-
são da economia brasileira.
A ameaça fiscal não é só pelos bi-
lhões e bilhões de reais que vêm sen-

do anunciados para combater o impac-
to da pandemia, mas também pela for-
te queda da arrecadação com a espera-
da contração da atividade econômica.
O presidente da Câmara dos Deputa-
dos, Rodrigo Maia, prevê que o gasto
para enfrentar a crise pode ser de R$
300 bilhões a R$ 400 bilhões. E há pro-
jeções do governo que indicam que as
medidas adotadas até agora já eleva-
riam o rombo das contas públicas para
R$ 220 bilhões neste ano.
Mas a incerteza sobre quanto o sur-
to de coronavírus irá afetar, de fato, a
economia brasileira, ou seja, de quan-
to será o tombo com a paralisação da
atividade econômica, deixa os investi-
dores mais nervosos sobre o tamanho
do déficit fiscal adiante.
Mais ainda: o Judiciário também as-

sustou o mercado depois que o minis-
tro Alexandre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal (STF), determinou,
em liminar, a suspensão por seis meses
do pagamento das dívidas do Estado
de São Paulo com a União, afetando já
uma parcela de R$ 1,2 bilhão vencida
na segunda-feira. O medo é de que haja
um efeito dominó e ninguém mais seja
obrigado a pagar as dívidas.
O sentimento dos investidores é de
que faltam liderança e coordenação en-
tre os três poderes em relação às medi-
das econômicas necessárias para lidar

com o impacto da pandemia do corona-
vírus. Estão batendo cabeça.
“O governo e o Congresso precisam
dizer claramente que as medidas que
estão sendo adotadas terão um impac-
to fiscal no curto prazo, mas que serão
revertidas no ano que vem”, diz um
economista de um grande fundo.
“Sem uma resposta coordenada, na
dúvida, os investidores pensam: isso

não vai dar certo e que, lá na frente, vai
dar em inflação alta.”
Outros participantes do mercado se
mostraram preocupados até com a pro-
posta de líderes do Congresso, incluin-
do Rodrigo Maia, de aprovar uma Pro-
posta de Emenda Constitucional
(PEC) para permitir um “orçamento
de guerra”, ou um orçamento paralelo
menos engessado pelos impedimen-
tos, por exemplo, da Lei de Responsabi-
lidade Fiscal, com os parlamentares co-
gitando destinar até R$ 500 bilhões pa-
ra lidar com a crise.
“Teoricamente é ok essa ideia, mas
pode ser também um gerador de conta-
bilidade criativa”, critica o economis-
ta-chefe de um fundo paulista.
Na visão dele, a falta de um plano
claro e coordenado de saúde pública –
em razão da ausência de uma liderança
clara do presidente Bolsonaro sobre o
tema – vai aumentar a crise econômica
e, concomitantemente, a pressão políti-
ca e social por medidas de alívio fiscal.
“Se esse momento político gerar per-
missividade fiscal, teremos muito
mais dificuldade de nos recuperar de-
pois que isso tudo passar”, diz.
Já um economista de um grande ban-

co estrangeiro diz que a sensação no
momento é que governo federal, Es-
tados, Congresso e o Judiciário es-
tão todos coordenados, neste mo-
mento, no seguinte lema: “Vamos
todo mundo gastar”.
Para ele, a situação fiscal brasilei-
ra hoje é muito pior do que era em
2009, quando houve o esforço de
combater a crise financeira mun-
dial. “É compreensível que se au-
mente gastos com saúde neste mo-
mento e se faça uma ponte entre ago-
ra e o futuro com benefícios sociais
aos mais vulneráveis enquanto a
economia está paralisada”, diz.
“Mas será, de fato, um desafio se as-
segurar que todo esse gasto desapa-
reça ao final do ano.”
Há o consenso de que é preciso,
sim, aumentar os gastos com saúde
e com proteção dos que perderem
renda e emprego em razão das medi-
das para conter a disseminação do
vírus, o problema é se o Congresso –
ou mesmo o governo – quiser esten-
der indefinidamente esses gastos.

]
COLUNISTA DO BROADCAST

Debate. Ruas vazias, economia parada e discussão sobre como gastar dinheiro público

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TWITTER: @COLUNAFABIOALVE
FÁBIO ALVES ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS

Anne Warth / BRASÍLIA


A Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel) suspendeu os
cortes no fornecimento de ener-
gia por falta de pagamento das
contas de luz por 90 dias (três
meses). O motivo é a pandemia
do novo coronavírus, que difi-
culta o trabalho da equipe de
manutenção das redes de distri-
buidoras e até mesmo o paga-
mento das contas de luz por par-
te dos clientes. A decisão foi
aprovada por unanimidade pe-


los cinco diretores do órgão re-
gulador.
A medida valerá para todos os
consumidores residenciais e
também para serviços essen-
ciais – como unidades de saúde
e hospitais, serviços de entrega
de alimentos e metrô, por exem-
plo. “Nesse momento de crise,
algumas atividades devem ser
mantidas para não haver desor-
dem pública, desabastecimen-
to e aflição das pessoas”, disse
relator do processo, diretor San-
doval de Araújo Feitosa.
Além da suspensão de cortes,
a população de baixa renda, ca-
dastrada no programa Tarifa So-
cial, terá outro benefício. Verifi-
cações periódicas em relação ao
cadastro dessas pessoas não se-
rão realizadas, de forma que nin-
guém seja retirado do programa

nos próximos três meses. Esti-
mativas do setor apontam que
50% dos consumidores pagam
as tarifas de energia em agên-
cias bancárias, lotéricas e redes
de atendimento das próprias
distribuidoras, todos reduzidos
em razão do avanço da covid-19.
Decretos publicados no fim
de semana no Diário Oficial da
União ampliaram a lista de ativi-

dades classificadas como essen-
ciais e que, consequentemente,
também terão direito à suspen-
são de corte de energia por ina-
dimplência.
Integram a lista empresas de
telecomunicações e internet,
serviço de call center, compa-
nhias de água, esgoto e lixo,
guarda e uso de substâncias ra-
dioativas e vigilância sanitária,
por exemplo.
“Não se trata de isentar con-
sumidores, mas de garantir a
continuidade do fornecimento
em momento de calamidade pú-
blica”, afirmou Feitosa.
O diretor fez um apelo aos
clientes que continuem a man-
ter as contas em dia, se pude-
rem, já que as empresas preci-
sam pagar seus empregados.
Apesar de suspender o corte ,
as dívidas não serão perdoadas.
Pelo contrário: passado o prazo
da medida, elas serão cobradas
com multa e juros.

Luciana Dyniewicz


A crise provocada pelo coro-
navírus mudou uma convic-
ção profunda da grande maio-
ria dos analistas. Agora, é pra-
ticamente uma unanimidade
que a hora é de aumentar os
gastos públicos. Mesmo com
o alto nível de endividamen-
to do Brasil – a dívida bruta
alcançou 76% do PIB em janei-
ro –, a avaliação é que há, sim,
espaço para o País aumentar
os gastos e tentar suavizar a
crise decorrente da pande-
mia. Entre as opções para ex-
pandir sua política fiscal, o
Brasil pode usar o “colchão
de liquidez” do Tesouro Na-
cional, emitir dívida ou mes-
mo recorrer às reservas inter-
nacionais, apontam econo-
mistas.

Até agora, o governo Jair Bol-
sonaro anunciou medidas eco-
nômicas que somam R$ 199 bi-
lhões, ou 2,7% do PIB. Outros
países – menos endividados –
estão com pacotes muito mais
pesados. O da Alemanha, por
exemplo, já se aproxima dos
30% do PIB.
“O gasto total que o Brasil de-
ve fazer depende de quanto tem-
po a economia vai ficar parada.
Dada a magnitude da crise, a
prioridade é sustentar famílias
e empresas. Neste momento, é
muito pior gerar desemprego
em massa por uma resposta de
política econômica inadequada


do que ficar vendo quanto dá ou
não para gastar”, diz o econo-
mista Pedro Schneider, do Itaú
Unibanco.
Segundo o economista, dos
R$ 199 bilhões anunciados pelo
governo, R$ 81 bilhões (ou 41%
do total) significam realmente
um aumento dos gastos. O res-
tante é, por exemplo, um adia-
mento de receita que o governo
tem alta probabilidade de rece-
ber ainda neste ano.
“O importante agora é que as
medidas adotadas sejam emer-
genciais e restritas à crise. Não
se deve criar um gasto perma-
nente, porque o Brasil ainda
tem um desafio de consolida-
ção fiscal”, destaca Schneider.
O economista aponta ainda
que, para poder ampliar os gas-
tos, o governo poderia usar re-
cursos do “colchão de liquidez”
do Tesouro Nacional, uma re-
serva que o País tem para lidar
com situações adversas do mer-
cado. O valor disponível no “col-
chão”, porém, não é público. Sa-
be-se que a conta única do Te-
souro tem cerca de R$ 1 trilhão

disponível, mas apenas parte
desse montante é do “colchão
de liquidez”, explica Schneider.
Recorrer a esses recursos ago-
ra evitaria que o governo tives-
se de emitir dívida em um mo-
mento como o atual, em que as
condições do mercado são des-
favoráveis, com o investidor
avesso ao risco.

Reservas. O economista Bráu-
lio Borges, da consultoria LCA,
no entanto, propõe que o gover-
no utilize parte de suas reservas
internacionais para injetar até
R$ 600 bilhões na economia, va-
lor superior até mesmo aos R$
500 bilhões que já se fala nos
bastidores do Congresso, em
Brasília.
De acordo com os cálculos de
Borges, o Brasil poderia se desfa-
zer de US$ 127 bilhões de suas
reservas (cerca de 35% do total)
e ainda teria o volume recomen-
dado pelo Fundo Monetário In-
ternacional (FMI). Vendendo
esses recursos com lucro, o País
poderia levantar R$ 600 bi-
lhões, explica ele.
A ideia por trás disso tudo é
não aumentar o nível de endivi-
damento do Brasil: “Se o País
admite que vai gastar agora e ele-
var, por exemplo, a dívida em
dez pontos porcentuais, em um
segundo momento, vai ter de fa-
zer um ajuste fiscal draconiano
para reduzir a dívida novamen-
te. O objetivo é evitar esse ajus-
te muito severo depois.”

O economista afirma ainda
que os R$ 600 bilhões seriam
necessários apenas se a econo-
mia continuasse parada por cer-
ca de três meses. “Se a quarente-
na for de um mês, o pacote pode
ser menor.”
Se o governo, porém, não qui-
ser se desfazer das reservas
nem do “colchão de liquidez”,
pode vender títulos. Apesar da
volatilidade no mercado finan-
ceiro, haveria demanda, por
exemplo, por parte dos fundos
de pensão, que necessitam de
papéis de longo prazo e com al-
ta taxa de retorno. O problema
aí é que, com os investidores
avessos ao risco, eles podem
acabar pedido uma alta taxa de
juros do governo brasileiro.
“O País pode jogar essa conta
lá para frente. Pode emitir títu-

los para daqui a 20 ou 30 anos.
Mas o limite vai estar no preço
que será pago”, diz Fabio Klein,
economista da consultoria Ten-
dências.
Klein diz que se financiar a
um preço mais caro agora não
seria um problema grave se, pas-
sada a crise, o governo retomas-
se a agenda de reformas com
“pressa e seriedade”. “Se isso
não acontecer, flertamos com a
insolvência de novo”, destaca.
O economista afirma ainda que
o governo poderia ir ao merca-
do para se financiar e, ao mes-
mo tempo, emitir um comunica-
do em que se comprometesse a
continuar com as reformas as-
sim que esse momento mais
crítico passasse. “É preciso mos-
trar um plano de ação. A ques-
tão é que o governo bate muita

cabeça nesse sentido”, acres-
centa.
Procurado para comentar as
possibilidades de aumento de
gastos, o Ministério da Econo-
mia afirmou, em nota, não estar
se pronunciando sobre medi-
das que ainda não são públicas.
“O grupo de monitoramento da
crise econômica relacionada ao
covid-19 está analisando diver-
sas alternativas para reduzir os
impactos da pandemia para o se-
tor produtivo e, especialmente,
sobre a população mais vulnerá-
vel. Assim que houver novas de-
cisões, elas serão informadas.”
Sobre o uso das reservas inter-
nacionais, o Banco Central in-
formou que elas “não são uma
poupança ou recursos do Esta-
do a serem utilizados como ins-
trumento de estímulo fiscal”.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


l Calamidade

Aneel suspende cortes de energia por três meses


l Emergência

Bancos podem manter dinheiro parado. Pág. B6}


“Não se trata de isentar
consumidores, mas de
garantir a continuidade
do fornecimento em
momento de calamidade
pública.”
Sandoval de Araújo Feitosa
DIRETOR DA ANEEL

NILTON FUKUDA/ESTADÃO

Pausa. Passado o prazo da medida, contas serão cobradas

A medida anunciada


ontem valerá para


todos os consumidores


residenciais e também
para serviços essenciais


WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Há espaço para


gasto público subir,


dizem economistas


“O importante agora é que
as medidas adotadas sejam
emergenciais e restritas à
crise. Não se deve criar um
gasto permanente.”
Pedro Schneider
ECONOMISTA DO ITAÚ UNIBANCO

Para analistas, governo pode usar recursos do Tesouro, emitir


títulos ou usar reservas para enfrentar crise provocada pelo vírus


Bomba fiscal


Problema é se o Congresso e
o governo quiserem estender
indefinidamente esses gastos

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