O Estado de São Paulo (2020-03-26)

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O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 26 DE MARÇO DE 2020 Metrópole A


Nesta última semana, fiquei


muito doente, como nunca fi-


quei antes. Eu estou infectada


com a covid-19 e minha família


também. Quando comecei a fi-


car doente na terça (dia 10 de


março), eu só estava com dor


de garganta e febre baixa, fui


melhorando e na quinta-feira


fui para escola. Na sexta-feira,


meus pais me contaram que


meu avô, que é médico, achava


que estávamos com covid-19.


Eu fiquei um pouco assustada


e triste porque queria muito


brincar com meus amigos na


escola, mas, para prevenir e


não infectar meus colegas, não


fui para a escola.


No sábado, minha irmã mais


nova (Laura, de 10 meses) ficou


muito doente, coitada! A febre


dela alcançou 42ºC! Meu avô


mandou minha mãe levar mi-


nha irmãzinha para o hospital


e eu fiquei com meu pai. Lá,


ela fez alguns exames, como


por exemplo o do coronavírus


e ela foi internada durante o


fim de semana. Todos os resul-


tados de exames da minha ir-


mã deram negativos, menos o


do coronavírus que deu “inde-


tectável”. A Laurinha voltou


pra casa na segunda-feira.


Uns dias depois, eu comecei


a ficar com falta de ar e tontu-


ra, então minha mãe me levou


para o hospital. Lá, fiz vários


exames: de sangue, de narina e


um raio X. Como já achavam


que estávamos com coronaví-


rus, todos os exames foram fei-


tos na sala de isolamento. Foi


legal fazer o raio X. Depois dos


exames, o médico me mandou


para casa, estava muito tarde.


Como ainda estava com mui-


ta falta de ar, o meu avô pediu


para a minha mãe alugar um ci-


lindro de oxigênio que parece


um botijão de gás. Mesmo fa-


zendo inalação com o inalador


e com o oxigênio, eu comecei a


me sentir pior.


Então, dois dias depois, vol-


tamos para o hospital. Eu esta-


va com muita dor no peito, difi-


culdade para respirar e tam-


bém estava muito cansada.


Quando chegamos ao hospital,


a minha médica me examinou


e disse que eu teria de ser inter-


nada na UTI. A médica do hos-


pital é minha endocrinologista


(Maya é acompanhada porque


tem síndrome de Turner, uma


condição genética que afeta o cres-


cimento. Segundo os médicos dis-


seram à mãe, a síndrome não in-


fluenciou no quadro da covid-


19), se chama Laura, igual mi-


nha irmãzinha, eu adoro ela!


Tive de fazer vários exames de


novo. Um exame foi bem legal


porque parecia que eu estava


numa nave espacial.


Quando cheguei à UTI, não


podia sair da sala nem para fa-


zer xixi. Fiquei triste porque


não queria ter de dormir no


hospital. Tive de fazer um exa-


me para ver se meu coração es-


tava bem, e ele estava. No dia


seguinte, minha mãe ficou mui-


to nervosa porque meu pai es-


tava muito doente e ela não po-


dia sair do hospital (o pai, o ar-


tista plástico Joaquim de Almei-


da, de 38 anos, é ex-atleta profis-


sional). O médico viu que eu es-


tava um pouco melhor e me


deixou ir para o quarto. Lá, eu


fiquei mais um tempo.


Quando finalmente fomos


para casa, não pude dar abraço


no meu pai porque não sabía-


mos se ele estava com uma bac-


téria. Assim que chegamos em


casa, ele foi para o hospital. Vi-


ram que ele estava com pneu-


monia bacteriana porque a co-


vid o deixou muito fraquinho.


Desde que chegamos em casa,


minha mãe tem cuidado de to-


dos nós. Ainda não estou 100%


nem meu pai e a Laurinha.


Mas daqui a pouquinhos esta-


remos todos bem. / DEPOIMENTO


A CRISTIANE BARBIERI

DEPOIMENTO


Mateus Vargas


André Borges / BRASÍLIA


O governo federal deve edi-


tar uma medida provisória pa-


ra adiar o reajuste anual de


preços de medicamentos que


podem ser usados em pacien-


tes do novo coronavírus.


Além disso, uma medicação


usada no combate à malária,


a chamada cloroquina, vai ser


produzida em larga escala e


distribuída em hospitais de


todo o País para ser testada


em pacientes graves.


O Estado apurou que seis


substâncias (lopinavir mais ri-


tonavir; cloroquina; hidroxiclo-


roquina; alfainterferona 2b; al-


fainterferona 1b; betainterfero-


na 1b) serão atingidas. Há cerca


de 20 medicamentos registra-


dos na Agência Nacional de Vigi-


lância Sanitária (Anvisa) com


esses componentes como prin-


cípio ativo.


Ainda não há uma cura ou pro-


tocolo clínico para a covid-19. A


lista de produtos foi feita pelo


governo com base em informa-


ções da Organização Mundial


da Saúde (OMS) sobre medica-


mentos que têm sido usados pa-


ra amenizar a gravidade. “Para


os outros medicamentos, man-


teremos o ajuste anual. Houve


aumento importante do dólar.


E esses insumos são compra-


dos de fora. É uma preocupação


também para não criar desabas-


tecimento”, disse ontem o se-


cretário de Ciência, Tecnologia


e Insumos Estratégicos (SC-


TIE) do Ministério da Saúde,


Denizar Vianna.


O Sindicato da Indústria de


Produtos Farmacêuticos (Sin-


dusfarma) calcula que o ajuste


de preços de medicamentos em


2020 deve ser de, no máximo,


4,08%. Para essa conta, são usa-


dos dados como o Índice de Pre-


ços ao Consumidor Aplicado


(IPCA) e a produtividade do se-


tor farmacêutico. O ajuste


anual é definido pela Câmara de


Regulação de Mercado de Medi-


camentos e passa a valer no dia


1.º. O preço de diversos medica-


mentos no Brasil é tabelado. Há


diferenças de valores para com-


pras públicas e privadas. Mui-


tos medicamentos isentos de


prescrição, ou seja, que não exi-


gem receita médico, têm os pre-


ços liberados dessa regulação.


Cloroquina. O Ministério da


Saúde ainda informou ontem


que serão liberadas 3,4 milhões


de unidades de cloroquina até


sexta-feira para envio a hospi-


tais. A ideia é que o saldo de uso


é “mais positivo que negativo”


em pacientes em situação de ris-


co. Viana, observou que “estu-


dos clínicos em humanos ainda


estão em curso”, mas “o que es-


tamos oferecendo é uma opção


terapêutica”. “É uma indicação


complementar, com o máximo


de controle.”


O ministro da Saúde, Luiz


Henrique Mandetta, destacou


que o remédio não será vendido


em farmácias para a população


em geral. Já se sabe, por exem-


plo, que a cloroquina pode cau-


sar arritmia cardíaca, dores agu-


das nos rins, entre outros efei-


tos colaterais.


Maya Amaral, estudante de 10 anos, infectada pelo novo coronavírus


Menina fala de internação


na UTI após se infectar


com o novo coronavírus;


pai e irmã também


passaram mal


‘Fiquei muito doente,


como nunca antes’,


relata estudante


Faltam vacinas


contra gripe em


postos pelo País


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Leonardo Augusto


ESPECIAL PARA O ESTADO


BELO HORIZONTE


Dois dias depois do início da cam-


panha de imunização contra a


gripe no Brasil, postos de saúde


da rede pública do País já regis-


tram falta de vacina. O Ministé-


rio da Saúde afirma que alguns


municípios estão imunizando


“para além do público prioritá-


rio”. A primeira fase da campa-


nha é voltada para idosos e traba-


lhadores do setor de saúde.


A vacinação estava prevista


para abril, mas, por causa da


pandemia do coronavírus, foi


antecipada e iniciada na segun-


da-feira. O objetivo é imunizar


a população para a gripe co-


mum e facilitar a triagem na re-


de de saúde de possíveis pacien-


tes com coronavírus.


Postos de saúde das cidades


de São Paulo, Belo Horizonte e


Recife relataram falta de vacina


nesta manhã e tarde de quarta-


feira. Em Curitiba, o estoque aca-


bou e a campanha foi suspensa.


A prefeitura de Manaus infor-


mou ter recebido “quantitativo


reduzido” para atendimento à


população dessa fase da campa-


nha. No Rio, ontem, também


houve reclamação por falta de


vacina na capital. A prefeitura


disse que a situação já foi norma-


lizada. Em Pernambuco, o Esta-


do alegou não ter recebido to-


das as doses necessárias.


Resposta. O Ministério da Saú-


de afirma que todos os Estados


estão abastecidos para a campa-


nha. “Alguns municípios estão


vacinando para além do público


prioritário. Por isso, alerta-se


sobre a importância de que Esta-


dos e municípios sigam a dinâ-


mica de vacinação, dividida por


fases e públicos prioritários.”


Governo vai barrar aumento anual de 6 substâncias que podem agir contra doença; e envia 3,4 milhões de doses de cloroquina a hospitais


Amilcar Tanuri , do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ


FOTOS ACERVO PESSOAL / MAYA AMARAL

Crianças infectadas pelo co-


ronavírus, em sua maioria,


não apresentam sintomas


ou têm apenas quadros le-


ves. Pelo mundo, já foram


registrados quadros graves


entre crianças, mas são ra-


ros. Apesar disso, elas po-


dem transmitir o vírus, o


que eleva a preocupação em


relação a contatos que man-


têm com pessoas do grupo


de risco, como idosos.


GERARD JULIEN / AFP–26/2/

Remédio em teste terá reajuste vetado


Sem comprovação. Cloroquina seria para caso sem opção






Alguns estudos prelimina-


res mostram que a cloro-


quina teria impacto na car-


ga viral. Vocês conseguiram com-


provar isso?


Os trabalhos que existem fo-


ram feitos com pouquíssimos


pacientes, não são robustos


em termos de números (de


voluntários) e de arregimenta-


ção aleatória. Não dá para ter


certeza do efeito da cloroqui-


na. A melhor maneira de fazer


isso seria com estudos mais


longos. Infelizmente, não será


possível fazer isso antes do


fim desta epidemia. O melhor


a fazer agora é não usar, por-


que essa droga tende a provo-


car mais dano do que vanta-


gens. E tem uma toxicidade


auditiva e visual alta se usada


em larga escala.






Os presidentes dos EUA,


Donald Trump, e do Bra-


sil, Jair Bolsonaro, pare-


cem mais otimistas em relação a


essa droga. Não há nenhum re-


sultado positivo em potencial?


Em testes feitos no tubo de


ensaio, a cloroquina inibe vá-


rios vírus, impede que eles in-


jetem seu material genético


dentro da célula (entrar nas


células é o mecanismo de inva-


são do vírus no organismo). Po-


rém a dose de cloroquina ne-


cessária para bloquear essa


ação é alta. Não teria como


alcançar isso no sangue dos


pacientes, que morreriam into-


xicados. Se a cloroquina tiver


ação seria imunorreguladora


(que potencializa a resposta imu-


nológica do organismo). Mas


acho que, por enquanto, é me-


lhor não usá-la até porque vai


faltar para quem precisa.






Vocês estão testando al-


guma outra substância


que poderia ter um efeito


similar?


Nenhuma, mas provavelmen-


te vamos nos associar a ou-


tros laboratórios para testar


algumas moléculas capazes de


intoxicar o vírus e destruí-lo. /


ROBERTA JANSEN

TRÊS PERGUNTAS PARA...


Susto. Maya


Amaral


(acima) foi


internada


depois de


sentir dores


no peito e


falta de ar; a


estudante


precisou de


um balão


de oxigênio


em casa


(ao lado)


PARA ENTENDER


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