e no entanto, para ser franca, tanto me faz que exista como não exista, nem sequer
sinto muito a sua falta, nem sequer gosto muito de si palavra de honra, nem de si, nem
do seu marido, nem do idiota do preto que está aqui conosco sempre preocupado
comigo, sempre a sorrir-me
- Mana
sempre à procura de mim - Onde está ela?
enquanto as pedras giram lentamente à nossa roda, o médico para o meu pai, a abrir
os braços sem entender - Olha melhorou
o dedo sentencioso, enquanto a minha mãe se vestia - Se durar um mês ou dois temos sorte
e menos uma a incomodar-me com a sua presença, as suas perguntas, a sua
preocupação - Filha
o seu medo que eu morra à fome por aí - Tu trabalhas em quê?
a oferecer-me dinheiro às escondidas, a oferecer-me comida, um calorífero elétrico
para o inverno - Tens a certeza que não sentes frio?
igualzinha ao preto benza-a Deus - Tens comido bem tu?
porque na sua opinião eu magra, eu fraca, com um tom de pele esquisito, eu sempre
no quintal sem me ralar com ninguém, a molhar-me se chovia e se não chovia a apanhar
demasiado sol na cabeça e quem apanha demasiado sol na cabeça fica número um para
uma congestão, deixe-me em paz de vez, não me procure, esqueça-me, de quarto
alugado em quarto alugado que não deem comigo e até hoje não deram, o meu pai para
os soldados - Vamos voltar ao arame
a beber água das folhas, a comer raízes e ervas, um javali decomposto numa
armadilha que os pretos esqueceram enquanto o porco couves e favas e batatas com o
meu pai a avaliar-lhe o pescoço e o trajeto da faca como o seu pai antes dele, o avô
antes do pai e portanto todos eles presentes, todos eles, de madrugada, acompanhados
pela cadela imóvel, à espera das perdizes que começavam a acordar numa cristazinha
da serra, quando era pequena o meu irmão passeava-me às cavalitas na aldeia e eu a
bater-lhe de punho fechado no cocuruto - Depressa depressa
enquanto ele corria debaixo de mim cada vez a respirar com mais dificuldade, cada
vez mais cansado, a tropeçar num barrote, a endireitar-se, a tropeçar de novo, eu a
puxar-lhe o cabelo - Para casa preto
e o meu irmão - Obrigado senhora
num suspiro coitado, eu a animá-lo