ossos, sei lá onde, e os pássaros em paz, levantavam a cabeça de manhã sem que
ninguém os importunasse, voavam, partiam, jogava-lhes pedras que não os alcançavam,
claro, também que força tinha eu, uma criança apenas, uma espécie de texugo que não
vi e se escapou a galope contornando um tronco, o cabo cripto no arame, para o furriel
- Deixar um preto vivo é um crime
enquanto a minha mãe, com o corpo ágil de dantes baixando-se, levantando-se,
abrindo gavetas, remexia objetos na cozinha com Sua Excelência a ajudá-la sem olhar
para mim, nunca me tocou no ombro, essa, nunca me fez um bolo, nem ao princípio
procurava o meu corpo, a maior parte das vezes ficava de olhos abertos até eu resvalar
para o lado e ela me perguntar - Acabaste?
enquanto se cobria, num suspiro, com o lençol e o cobertor, e puxava a almofada
para debaixo da cabeça, de olhos fechados como se já estivesse a dormir, informando
aborrecida - Demoraste mais tempo hoje
massajando uma das pernas numa careta enquanto a minha mãe batia as claras do
bolo na tigela, a minha irmã de colher estendida - Deixe-me provar senhora deixe-me provar
isto numa altura em que falava ainda e se interessava por nós, gostava de me
vasculhar as algibeiras à procura do canivete, das chaves, a minha mãe para ela, sempre
a agitar as claras - Guarda lá isso antes que te magoes
ao mesmo tempo que a minha irmã rodava as chaves no ar abrindo portas invisíveis,
desaparecendo no nada, dizendo-nos adeus - Já estou noutro sítio
e não estava porque mesmo sentado no chão conseguia agarrá-la, a minha irmã para
mim a sacudir o tornozelo que eu agarrava - Preto
e eu com vontade de bater-lhe, claro, se tivesse o meu carrinho de plástico à mão
atirava-lho, a minha mãe segurava-me o pulso antes e eu furioso a protestar, a propósito
de carrinho ganas de jogá-lo contra Sua Excelência agora de olhos fechados, de costas
para mim, a fingir que dormia, a amiga da loja de roupa acariciando-lhe o cabelo - À minha menina deu-lhe o soninho hoje
e a minha menina satisfeita, ronronando - Boneca
de unhas compridas, vermelhas, a acariciarem o braço da outra enquanto o furriel da
primeira seção nos fazia sinal que podíamos voltar, alguns soldados a montarem a
segurança no interior da mata, o meu pai ainda diante do mulato estendido que largara
a pistola vazia, com uma ferida algures na barriga, perto do umbigo ao léu, onde o
emblema do partido tatuado, a pele mais clara que a minha, quase da cor da minha
família, quase da cor do porco, os olhos também não escuros, a boca quase fina, o
cabelo, se o penteasse, liso, a mão esquerda no peito, a mão direita na direção do meu
pai ainda de pé junto a ele a apontar-lhe a gê três, o meu pai novo, magro, cansado,
embora na cara dele, intacta, a alegria de servir a Pátria, as marchas militares enquanto