papelinho com pó, nem sequer uma dose, nem sequer meia dose, uma quarteira que
mal dava para a cova de um dente, a banheira suja, a toalha no chão e depois sumia-se
dias seguidos, encontrava-o com os sócios, umas noites falava-me, outras noites não me
via, outras noites
- Não tenho tempo agora
a virar-me as costas ou a empurrar-me com o cotovelo, o meu irmão, desconfiado - O que se passa contigo?
porque as minhas pupilas mais agudas, os meus gestos mais largos, a minha mãe para
o meu pai, sem entender - Às vezes muda de feitio ela
e quem lhe tirava dinheiro da carteira, a minha mãe adivinhava porque eu adivinhava
que adivinhava mesmo sem falar nem mudar de expressão, uma vez pareceu-me, não
tenho a certeza porque não era piegas, que lágrimas, lágrimas é exagero, uma
umidadezinha discreta como quando o meu pai interrompia de súbito, a seguir ao jantar,
a leitura do jornal e abria a camisa mostrando-lhe o peito - Não me feriram há minutos com uma bala aqui?
a minha mãe trazia do quarto de banho um espelho para o acalmar, embora o meu
pai com o dedo espetado nas costelas - Sinto qualquer coisa metálica pode ter-se escondido
de um lado para o outro no tapete com vontade de chamar o enfermeiro da tropa e
que o helicóptero o impedisse de morrer, o enfermeiro a fingir que tirava com uma pinça
fosse o que fosse da pele e a mostrá-lo à minha mãe - O seu marido tinha razão minha senhora olhe só o projétil
e o meu irmão e eu calados embora o silêncio do meu irmão - Só queria ver-te adeus
diferente do meu, com uma espécie de raiva que eu não entendia a aparecer-lhe e a
desaparecer-lhe dos olhos onde me parecia que árvores, animais a correrem, um relevo
cor de sangue no chão mas se calhar engano-me, não vejo o meu pai a fazer mal seja a
quem for, esteve em África com outros velhos mas o que podem os velhos, a
levantarem-se a custo, a sentarem-se a custo, a caminharem devagarinho sem força
para se ampararem uns aos outros, nenhum deles, é evidente, capaz de encaixar uma
bazuca no ombro, a debicarem comida empurrada por um dedal de vinho e por isso se
a minha mãe - Passou as passas do Algarve em África coitado
claro que não acreditava como não acreditava que se morresse lá, ao dizer isto ao
meu irmão ele calado, debruçado para a pocilga a examinar o porco, demorando-se na
adega a refletir sobre as facas, eu diferente porque a injeção - Só queria ver-te adeus
tornava o mundo mais acolhedor, mais risonho, porque não é apenas a disposição
simpática, sou eu capaz de falar apesar do meu pai - Toma cuidado com os trilhos
avaliando o soalho com a pontinha dos pés, isto não sempre, lógico, volta e meia, de
súbito, quando a máquina de costura da vizinha parecia tricotar o mundo, um abril, em
pequena, acordei porque a minha mãe, na cama deles