- A operação correu lindamente
e ela, sem conseguir uma palavra, a concordar que sim para lhe dar prazer, para dar
prazer ao meu pai, para se convencer que dava prazer a si mesma, não conseguia mexer
um dedo mas encontrava-se bem disposta, calma, e agora, não é verdade, resolve-se a
questão das pedras tornando-as mais leves que a água, eu para o meu irmão, na adega - Pareces indeciso com as facas
ele sem me responder, só um relance vazio, ele - Se eu pudesse contar-te
e não podia contar-me, não contava fosse o que fosse também, em Angola calado,
em Portugal calado, o meu pai - Rapaz
e ele calado a lembrar-se do que durante tantos anos havia esquecido, das mãos, das
orelhas, do homem que morava com eles, dormia noutra esteira, ia e vinha, não lhes
falava, não parecia inquietar-se, não parecia interessar-se, fumava com os outros e
comia frangos, a tentar fugir e não a gê três, o meu pai a correr para ele com uma lâmina,
o homem caiu sem um som, primeiro de joelhos, depois de borco, depois quieto, quer
dizer a mão apanhou um bocado de terra, fechou-se e foi tudo antes de se abrir
lentamente, eu para o meu irmão - Quem era?
e o meu irmão sempre a estudar as facas, o vento produzia sons de madeira nas
folhas, uma telha quebrada não sei onde, no teto da capoeira ou no telhado da casa que
não sei quanto tempo aguentará ainda, o meu pai sentado na sala a observar a minha
mãe de olhos fechados, um cão, não um cabíri dos pretos, a trotar atrás de um cheiro,
de focinho rente às moitas para o escutar melhor, era a densidade ou cor dos cheiros
que os guiava, um sujeito no chão à espera que o matassem, as cabras trotando para
longe, a mandioca a torcer-se sem cessar nas esteiras, relâmpagos na chana mas não
chovia, os crocodilos do Cambo metade na água metade na areia, alguns deles tão
compridos que a minha mãe não acreditava, as cobrazitas do lodo a torcerem-se, os
milhafres da serra a vigiarem tudo, aproveitando o vento a fim de permanecerem
quietos e a certeza que alguma coisa ia acontecer nesta casa amanhã, se eu fosse capaz
de perguntar ao meu irmão - És tu quem vai matar o porco?
e não sou, não é que faltem as palavras, falta-me a garganta, qualquer coisa que me
impede os sons, acho que gosto do meu pai, ralava-se comigo, não perguntava fosse o
que fosse, não me censurava, tenho a certeza que sabia que comprava as injeções ao
outro e calava-se, uma tarde deu-me ideia de vê-lo ao longe e depois desapareceu a
embater nas pessoas, a embater num muro, não me ralhou, não contou à minha mãe,
quando não o olhava sentia-o atento a mim, observando os meus dedos que tremiam,
assustava-se quando eu falhava um gesto, comia sem levantar a cabeça para nós, todo
no interior do prato, a minha mãe - Algum turra?
e ele calado ou a acenar que não, ficava à porta do meu quarto, encostado ao umbral,
à espera que eu acordasse, com a palavra - Filha
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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