não escrevi nem mais uma carta até ao fim da comissão, para quê, se me acontecesse
qualquer maçada o Exército avisava-os e, do outro lado, lamechices, uma operação à
vesícula, o ensino caríssimo, a dolorosa separação de uns primos que mal conhecia, a
minha filha que não parava de coçar-se
- Andas por acaso a fazer alguma asneira tu?
as pedras da minha mulher, como era de esperar, a dilatarem-se, eu com ideias de
perguntar ao médico - Para quê enganá-la?
o médico, baixinho - Acha que temos o direito de tirar a esperança a uma pessoa?
sobretudo desde que o informaram que o duodeno dele fosse o que fosse que era
preciso estudar e quase lhe apeteceu proteger-se com uma borboleta de lata na lapela
ou uma velinha a um santo, plantada numa igreja qualquer, de chama a inclinar-se
sempre que abriam a porta o que talvez fosse um sinal de melhoras, era de certeza,
pensando bem, um sinal de melhoras, o soba ao ver a pistola - Não me mate nosso capitão
enquanto o porco em silêncio, de patas presas, lutando contra as cordas sem se
libertar delas, a aldeia antigamente alguns comércios e o bêbedo que tocava o sino aos
domingos, a feira de São Miguel no último sábado de cada mês, ciganos, ourives, barros
em mantas, fotografias num cenário de cartão, com buracos para as caras, que
representava a Última Ceia e ninguém queria ser Judas, queriam ser o discípulo dileto
com Jesus, sem buraco para a cara, inclinando a barba para ele, o médico a palpar
constantemente a barriga, dói menos, dói o mesmo, dói um bocadinho mais, às vezes
esquecia-se durante uma hora ou duas até o duodeno voltar de repente com o seu fim
a tiracolo, o meu filho, em cima de uma mesa, verificava a resistência do gancho no teto
da adega pendurando-se nele a pedalar no vazio, Sua Excelência - Que horror
a virar-se de costas incapaz de sentar-se, pela primeira vez mal penteada, de roupa
às três pancadas e alguns cabelos grisalhos pelos quais ninguém esperava, é a vida,
daqui a nada quarenta, daqui a nada cinquenta, daqui a nada a algália, é a vida também,
o que sucedeu ao meu corpo, às minhas pernas, ao meu modo de andar, o soba voltou
à noite, fechou-se com o capitão no cubículo que servia de carpintaria enquanto eu
vacilava entre duas facas até escolher uma por fim e o meu filho outra mais comprida,
mais grossa, pareceu-me que me espiava de uma maneira diferente mas sorri-lhe - Rapaz
passando a corda das patas traseiras no gancho e eu e o meu filho e dois homens que
vieram da vila começamos a puxar o corpo até o pendurarmos lá em cima, fixando-o
com nós enquanto o animal se encolhia para um lado e para o outro por enquanto sem
gritos, apenas a respirar com força, danado conosco, de boca aberta e narinas abertas,
sem entender ainda, incapaz de libertar as patas, a minha filha agora no fundo da adega,
quase não se coçando, a fitar-nos, a minha mulher sem as pedras em torno e de repente
percebi que desde o princípio da doença sozinha, se por acaso eu - Dá-me licença que a acompanhe?