- Cada vez mais bonita
a prima do meu pai para mim - Engordaste?
e a minha irmã numa pedra do quintal a detestar-se a si mesma, recordo-me dela
nascer, não me recordo que chorasse, em nenhuma época da sua vida me recordo que
chorasse, quando começou a olhar para a gente detestou-nos também salvo numa
ocasião em que me procurou no emprego, o contínuo - Está ali uma senhora à sua espera não quis dizer o nome
e a minha irmã a olhar-me sem um sorriso à entrada da sala, vestida à trouxe mouxe
e de carrapito mal amanhadíssimo, a mirar para cima dado que insignificante, pequena
e aqueles dedos tão feios - Só queria ver-te adeus
com não sei quê a rebentar nos olhos que segurava com força e não voltou a visitar-
me não fosse eu descobrir, quase nunca a encontrava e no caso de perguntar ao meu
pai a boca dele tremia, acenava que não a observar a janela engolindo palavras que não
adivinho quais fossem, no caso de as ter no prato cortá-las-ia aos bocadinhos com a
mesma faca vagarosa com que cortou orelhas para distribuir aos homens verdes,
imitando os gestos do capelão com a hóstia - Fazei isto em memória de Mim
mas não morreu em África ou morreu em África, não estou bem certo, levantava-se
de madrugada e ficava no corredor entre o quarto dele e o meu enquanto a casa ardia
sem que tivesse ordenado - Queima queima
a inchar no pijama, mudo, a minha mãe pegava-lhe na manga - Anda
a fim de o empurrar para o quarto quando ele tentava agarrar-me e o meu pai de
quimbo em quimbo, de que sobravam estacas apenas, na direção da almofada, estacas,
as últimas labaredas que desapareciam na terra, cinzas, animais mortos, utensílios,
algumas penas que teimavam, palhas dispersas, jerricans vazios, o que pareciam corpos
sem orelhas, o que pareciam cadáveres de árvores e o rio dos leprosos em baixo com a
sineta do enfermeiro a badalar ao vento para doentes desprovidos de membros, de
nariz, de boca, gatinhando no lodo e que não vemos do automóvel porque a gente ainda
em Lisboa, percebendo as luzes dos barcos no Tejo sob as últimas nuvens lilases que
antecedem o crepúsculo, se ao menos a minha mãe falasse comigo e me ajudasse a
entendê-la, a impressão que entre nós, posso estar enganado mas a impressão que
entre nós um diálogo cujas frases perdíamos ao pronunciá-las porque as orelhas que
nos cortaram as engolem de seguida escondendo-as num interior de mim que não
alcanço, na estrada para norte uma zona de serviço iluminada, silhuetas de gente,
carros, daqui a pouco a minha mãe - Filho
com um sorriso pintado na cara séria e portanto não um sorriso, adivinhando o que
ia acontecer e eu ignorava o que fosse, aposto que o meu pai à nossa espera no muro
do quintal tentando distinguir-nos de cima, erguendo a mão e suspendendo-a porque
não a gente, uma camioneta de gado cheia de bezerros, um trator, a aldeia quase morta
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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