com tantas casas abandonadas e tantas ruas comidas por capim de acaso que apenas
velhos mais velhos que a velhice habitam, de sardas nos pulsos e na calva e pernas que
tentam impedir o andar, Sua Excelência para mim
- No ano que vem não contes comigo
e de fato não conto contigo dado que no ano que vem já te foste embora de mim de
certeza e ao ires-te embora um caramelo na rua à tua espera que nos entrará porta
dentro, sem cerimônia, no caso de te demorares, não um preto como eu, um branco,
que me ordena - Quieto
a tratar-me, é evidente, não por senhor, por tu - Não te aproximes dela
e Sua Excelência ao lado dele - Ouviste?
de quando em quando um desvio na estrada, armazéns, prédios que mal se
distinguiam da noite ou nasciam a pouco e pouco dela, com marquises de roupa a secar
em adeusinhos brandos, os soldados, já não homens verdes, soldados, para o meu pai - Ele vinga-se
que despejaram jerricans nos quimbos, dispararam, correram, puxaram cavilhas e
segundos depois, cinco segundos depois, o pau a pique e o capim e as esteiras e os pilões
a erguerem-se sem peso no ar, à direita do automóvel o Tejo onde as palancas vinham
beber, tenho ideia de antílopes, de uma mulher a erguer-me do chão por causa de uma
espécie de tronco com patas e escamas que rastejava lentamente sobre restos de lixo,
na outra margem mais luzes, chaminés de fábricas diluindo-se no escuro, um avião
grande, com faróis nas asas, que baixava, baixava, Sua Excelência para mim a adormecer
pareceu-me e portanto não dando com o crocodilo que se aproximava da gente - Ainda falta muito?
e chuva, chuva em Angola, não aqui e apesar de tudo abrandei porque não gosto de
conduzir no alcatrão molhado, espero que a minha irmã na aldeia também e o meu pai
vestido de contínuo, inclinando-se para mim - Está uma senhora ali à sua espera que não disse quem era
ela com cinco, seis anos a pedir-me colo - Tenho medo
interrompendo-se de súbito a perguntar - És preto porquê?
e no meu entender continua com medo, esconde-se de pessoas, não as visita, não
fala, senta-se sozinha a um canto, aparece e desaparece sem ruído, espanta-me que não
salte a janela como os gatos nem se esconda num ramo alto da olaia do quintal a espiar-
nos julgando que não soubemos dela e não a vemos, não respondi a Sua Excelência
porque duas curvas seguidas e árvores com uma faixa branca de cal pintada no tronco
ameaçavam-me, daqui a nada afastamo-nos do rio e começam as quintas,
povoaçõezecas perdidas, bicicletas a pedalarem na berma, no ano passado um burro de
ciganos junto a um marco quilométrico, com as patas cada qual para a sua banda e a
boca escancarada - Mata mata