aposto que coberto de moscas e formigas se me aproximasse dele, Sua Excelência
sacudiu o braço e o perfume roçou-me, quanto gastarás por semana nesses frascos
doirados isto é quanto gastarei por semana visto que não trabalhas desde que a
empresa fechou e a miséria do subsídio de desemprego mal deve dar para as revistas
do quiosque das ruas acima da nossa, sempre com madames a confessarem-se à dona
de cabeleira postiça derivado ao tratamento dos ovários, sou eu que pago para te
fazeres desejar pelos outros comigo armado em parvo na montra do café enquanto tu
num prostíbulo disfarçado de posto de enfermagem ou talvez até ao mesmo tempo
prostíbulo e posto de enfermagem é a vida anda difícil, repara naquele círculo de pretos
de cócoras a fumarem pela mesma mutopa e a assarem grilos num pauzito, não fazia
ideia que isto na minha memória tem graça, o que a gente armazena na cave sem dar
por isso, os grilos, envernizados, a agitarem as patas, o meu pai nunca o meu nome,
sempre
- Filho
apesar de ter arranjado um com o apelido dele, ao entregar-me o cartão - Ficas a chamar-te como o meu pai
e eu a aprender português, é verdade os grilos, oxalá não torne a esquecê-los, e a
perder o luchaze, continuam umas palavras - Mona
a vogarem sozinhas, sem peso, num esconderijo da cabeça dizendo-se a si mesmas,
inventaram-me um ano de nascimento, um mês, um dia - Na minha opinião tem cara de março
hesitaram entre março e fim de maio - É mais parecido com março repara no perfil
e março pronto, março, nasci em março em Lisboa e dos meus pais, não de pretos,
de que servem pretos sem orelhas não é, estendidos no terreiro, que soldado as terá
posto numa garrafa de álcool, já não escuras, brancas, só cartilagens quase
transparentes agora, o resto os bichos foram comendo, mais o esfoliante que os tê seis
largaram sobre as lavras de apoio e tudo seco em torno, só as hienas e os pássaros de
bico curvo que se devoravam entre si os queriam, a luzita vermelha da gasolina do
automóvel começou a piscar e o queixo de Sua Excelência dobrado no peito deixando a
parte de trás do pescoço à mostra, lisa, suave, que me excitou de repente o que já não
me sucedia há meses com nenhuma província do seu corpo, uma vozita contente em
mim - Olá pescoço
e os meus dedos a saírem do volante, a demorarem-se nas costas do banco dela, a
tocarem piano no apoio da cabeça, a descerem devagarinho para a gola do vestido, a
suspenderem-se-lhe junto à cova do ladrão, a moverem-se no ar, a adivinharem os
tendões e o início da espinha e quando iam - Queima mata queima
alcançá-los, apertá-la, queimá-la, matá-la, Sua Excelência de súbito desperta, a
endireitar-se - Não te atrevas a mexer-me preto