isto mais ou menos na altura, há dez meses, um ano no máximo, em que a minha
mãe começou a queixar-se das guinadas no rim ou antes não se queixou nunca,
suspendia-se de repente a espalmar a mão com força nas costas, se a gente lhe
perguntava sorria, isto é puxava os cantos dos lábios para cima
- Um incomodozito sem importância já passa
e percebia-se na pele esticada das têmporas que não passava, se nenhum de nós por
perto ela séria, transportando-se a si mesma no cuidado de quem carrega um copo cheio
de água numa bandeja, custava-lhe subir degraus, descer degraus, levantar-se, lutando
para não se amparar, de óculos a respirarem depressa, depois da consulta na clínica o
médico chamou o meu pai de parte - Um problema no rim direito que já espalhou a doença
a minha mãe para o meu pai - O médico segredou-te o quê?
o meu pai demasiado rápido - Que são pedras
a minha mãe mais rápido ainda - Bem me parecia
e nunca tornou ao assunto, para quê, no fim de contas somente pedras, o que têm
as pedras, que mal fazem as pedras, olha que história mais cômica, pedras, até dá
vontade de rir contar que são pedras, não falemos mais nas pedras, que alívio, acabou-
se, operaram-na em setembro e a minha mãe cheia de tubos e cânulas num quarto todo
branco menos os chocolates, em que não tocava, à cabeceira, o meu pai - Não conseguiram pescá-las todas tens de continuar o tratamento que as dissolve
a minha mãe mais branca do que o quarto, fraquinha, segurando o punho do meu pai
com dó dele - Pois claro
dó do meu pai, da minha irmã que não a visitou, de mim - Perdoem entristecê-los
olhou a árvore a seguir à janela e foi tudo ou antes quase tudo, falta o meu pai a
afagar-lhe a palma com um dedo e puxando a frase aos sacões - Quem se entristece com pedras?
a minha mãe num cochicho que pensava divertido, coitada - Às vezes são as pedras que se entristecem conosco
de modo que estão ambos na casa da aldeia à nossa espera, a minha mãe por
enquanto não emagreceu assim muito mas continua branca, de tempos a tempos uma
transfusão ou um soro porque qualquer pessoa reconhece que as pedras são duras, nem
é preciso gastar cuspo com o assunto, são duras mãe é verdade, são duras, como é que
a gente faz com a dureza delas, como se consegue aguentar e no entanto a minha mãe
na aldeia à nossa espera com o meu pai, tão branca como no quarto todo branco menos
os chocolates, em que não tocava, à cabeceira, de óculos a respirarem cada vez mais
depressa enquanto o meu pai fingia não notar e fingia mal o pobre, percebia-se na
tremura da testa, na tremura do queixo, nas frases de vez em quando, pobre pai,
quebradas, a minha mãe a perceber igualmente e no entanto em silêncio, alheada, qual