- Vá lá
o das duas sobrancelhas para o meu pai - Rebentou um pneu pensa a gente não sei quanto darão por aquele monte de sucata
o meu pai interessado, a pensar nas jantes - Tem mesmo a certeza que não se aproveita nada?
porque há oficinas que compram peças em segunda mão jurando depois aos clientes
que novas - Pusemos-lhe uma bomba de óleo alemã
os clientes espreitam, só veem fios e cilindros de que não percebem um boi e é
evidente que engolem, se tivesse sido só o, si só, corrige, se tivesse sido só o alferes
paraquedista a morrer era como o outro, ninguém fica para semente, agora tantos
rapazes alegres de irem servir a Pátria com franqueza meu general, de homem para
homem não acha que exageraram um bocadinho, o das duas sobrancelhas para o meu
pai - Se conseguir salvar um parafuso já não é mau amigo
e não foi bem assim, talvez tenha enfeitado um pouco aqui e ali para tornar as coisas
mais claras, agora acho que entendem melhor o meu desassossego com a demora do
meu filho, trouxe-o de África lembram-se, escolhi-o sozinho ainda os quimbos ardiam e
embora a minha mulher quando cheguei a casa com ele - Podias ter arranjado um catraio um bocadinho menos preto
afeiçoou-se ao pequeno como se afeiçoa a tudo, já se sabe, são mães, espantam-me
sempre as porcarias que ela guarda, cordéis, lâmpadas fundidas, o primeiro sorriso que
lhe dei, não me recordo já como era e ela pronta a mostrá-lo descolando-o de uma
fatura antiga da luz - Está aqui
um sorriso sinceramente vulgar, queres que te faça outro agora, a minha mulher
ofendida comigo sepultou-o de novo no envelope, gasto, desbotadíssimo, entre o
indicador e o médio, um sorriso tão tímido - Como este nunca mais vi
e não adianta discutir que não mudam de ideias, encrencam-se e pronto, se o jogasse
no lixo caía o Carmo e a Trindade, ela que é uma paz de alma a eriçar as penas todas - O que aconteceu ao meu sorriso?
a gente espalmados no peito, inocentíssimos - Eu?
e elas a abrirem e a fecharem gavetas, danadas - Quem não te conheça que te compre
até darem com ele sob a pilha de pratas de chocolate de quando tinham seis anos,
muito bem alisadas com a unha até que nem um vestígio de prega, se por acaso uma
prata se rasgava colavam-na muito bem coladinha com um bocadito de adesivo
transparente, hoje aqui na aldeia não é o meu pai a preocupar-se, sou eu, felizmente
até agora nenhum jipe da Guarda a virar sem pressa junto ao plátano que à noite não
escurece como as outras árvores, fica igual, a única de copa verde entre as copas negras,
levantando-se a si mesma num meio-dia perpétuo, lembrei-me tanto dele, eu que nem
gosto muito de vegetais, em África conforme me lembrei, conforme me, me me,
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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