conforme me lembrei neste momento, no círculo de cadeiras no hospital com o
psicólogo, do major de operações pequeno, careca, ruivo, aqui conosco, na companhia,
da única vez que saiu da proteção do comando durante uma maldade das grandes, com
esfoliante, napalm e os pilotos sul africanos, nome de código primos, que não
conversavam como o psicólogo não conversa, escuta-nos assustado espero que com
medo dos aviões, os primos que nos atiravam à balda a cinco metros do chão e a dois
dias do alvo, quem não tem medo, a minha mulher a pesar no meu ombro a meio da
noite
- Pronto
apesar das pedras no rim a comerem-na sem descanso com aqueles dentinhos
horríveis, a alcançarem-lhe o fígado visto que o médico, desanimado
(o comissário Sangue do Povo avançava às arrecuas como o cancro) - Há um toque no fígado
e a pele dela diferente
(as pegadas começavam no rio em lugar de acabarem mas as marcas dos calcanhares,
mostrou o guia, mais fundas que a biqueira e portanto às arrecuas o esperto, um dos
furriéis para mim - Atravessamos a água?
e atravessamos a água o caralho, palerma, o paneleiro anda lá atrás e o psicólogo
sem achar posição no assento, atormentando o queixo, tal como a minha mulher não
achava posição nos lençóis porque um osso na anca, porque um osso nas costas, porque
se calhar estou velha e qual osso e qual velha, eram as pedras, é o sangue a apodrecer,
é o corpo que desiste, é ela a pesar-me no ombro - Estou aqui)
o major de operações pequeno, careca, ruivo, não se aproximando nunca do arame,
sempre a fumar uma boquilha curta e sem soprar o tabaco, deixando-o como lama a
empastelar-lhe a boca e tanto cagaço em você meu major, que tal o comissário Sangue
do Povo ao seu lado ou caminhando às arrecuas de calache ao alto, que tal pedritas no
rim, não muitas, duas ou três chegavam seu corno, trouxemos umas mulheres e uns
crianços, apanhados nas lavras de apoio, que ficaram à espera da polícia política e da
esposa espanhola do chefe da brigada que gostava de lhes aplicar choques elétricos nas,
o funeral do meu irmão na aldeia, depois da autópsia em Lisboa, o meu pai e eu fora do
prédio antigo onde cortavam os mortos e a que faltavam azulejos, à espera, o meu pai
para mim - Se a tua mãe cá estivesse
e a calar-se em seguida, eu com impulsos de perguntar - Sabia que o João era maricas?
sem perguntar claro, o meu pai que ouviu o que eu não disse - Não insultes os mortos
o meu irmão que dava ideia de um homem a sério e afinal olha, papo seco, a minha
madrasta - Não te casas?
e o meu irmão um gesto vago a provar a comida da panela - Tenho tempo