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B1 QUARTA-FEIRA, 1 DE ABRIL DE 2020 INCLUI CLASSIFICADOS O ESTADO DE S. PAULO
E&N
ECONOMIA & NEGÓCIOS
PAULO LOPES/FUTURA PRESS
Renée Pereira
Cleide Silva
Empresas de médio porte,
com faturamento acima de
R$ 10 milhões anuais, recla-
mam de falta de apoio do go-
verno federal para amenizar
os efeitos da pandemia do no-
vo coronavírus. Na semana
passada, elas ficaram de fora
do pacote anunciado para aju-
dar pequenas e médias compa-
nhias (com receita entre R$
360 mil e R$ 10 milhões por
ano) no pagamento da folha
de salários por dois meses. Al-
guns empresários falam em
risco para honrar os compro-
missos salariais já em abril e
se queixam da falta de crédito
no mercado.
O presidente da Fiesp e do
Ciesp, Paulo Skaf, levou a recla-
mação ao ministro da Econo-
mia, Paulo Guedes. Em sua ava-
liação, além do pacote ter de in-
cluir todas as empresas, sem tra-
va de faturamento, são necessá-
rias ferramentas para garantir o
capital de giro das companhias.
Segundo ele, é preciso ter ou-
tras linhas com garantia do Ban-
co Central para que os bancos
emprestem. Skaf disse que o go-
verno aumentou a liquidez no
mercado, reduzindo o compul-
sório dos bancos, por exemplo,
mas ainda assim as empresas es-
tão com dificuldades de acessar
os recursos. “O dinheiro tem de
chegar nas mãos das empresas.”
Alguns executivos confir-
mam a falta de liquidez no mer-
cado. O presidente da Enjoy Ho-
téis e Resorts, Alexandre Zuba-
ran, que tem hotéis e restauran-
tes em Olímpia (SP), afirma que
nos últimos dias tentou anteci-
par recebíveis de cartão de crédi-
to, mas teve a negativa da opera-
dora. “No mundo real, não há li-
quidez nem oferta de crédito”,
afirmou ele.
Para as empresas com fatura-
mento acima de R$ 10 milhões,
diz Zubaran, o trabalho tem sido
lento, descoordenado e cheio de
sinais contraditórios. “Já esta-
mos na terceira semana, vai vi-
rar o mês e não sei o que fazer
com a folha de pagamento”, dis-
se ele, citando o vaivém das me-
didas e divergências entre repre-
sentantes dos Estados, municí-
pios e governo federal.
O presidente do Sistema Inte-
grado de Parques e Atrações Tu-
rísticas (Sindepat) e do Beach
Park, Murilo Paschoal, disse que
também esteve em Brasília con-
versando com integrantes do go-
verno para explicar a situação
do setor, cuja cadeia emprega 4
milhões de pessoas. “Precisa-
mos de medidas que ajudem a
pagar o salário dos funcionários,
já que o faturamento das empre-
sas zerou.”
Seguro-desemprego. Uma das
sugestões é o governo usar o se-
guro desemprego para pagar os
funcionários, pois, se os empre-
gadores demitirem, já teria de fa-
zer o desembolso de qualquer
forma. “A maioria das empresas
do setor tem caixa para pouco
tempo.”
André Ricardo Telles, presi-
dente da Ecosan, que desenvol-
ve e produz equipamentos e sis-
temas para tratamento de água
e efluentes, também disse te-
mer pela falta de recursos. “Em
uma única semana, vários forne-
cedores cancelaram contratos”,
disse Telles. “E grandes empre-
sas que tinham pagamentos
agendados já não estão pagan-
do; não sei se estão preservando
dinheiro ou, pelo fato de esta-
rem trabalhando em home offi-
ce, há dificuldades técnicas para
o pagamento.” O executivo afir-
mou que tem tentado falar com
clientes, e que nenhum deu ex-
plicação sobre quando os paga-
mentos serão realizados.
Telles afirmou ter caixa para
pagar os funcionários, “que são
prioridade no momento”, mas,
por não receber de seus clientes,
vai ter de selecionar quais forne-
cedores poderá pagar. Segundo
ele, se tivesse acesso ao pacote
do governo, não precisaria se
preocupar com o pagamento
dos funcionários “e poderia prio-
rizar outras coisas”.
Calçados. O presidente da As-
sociação Brasileiras da Indús-
tria de Calçados (Abicalçados),
Haroldo Ferreira, também recla-
ma da falta de caixa das médias
empresas. Segundo ele, muitas
companhias do setor, que em-
prega 270 mil funcionários dire-
tos, correriam o risco de não ter
tempo hábil para conseguir pa-
gar os salários de março integral-
mente.
“O grande receio que temos é
de ocorrer uma convulsão so-
cial, caso as empresas não consi-
gam pagar os salários nos próxi-
mos dois meses”, afirmouFerrei-
ra, para quem o pacote de ajuda
para pagamento salarial não de-
veria ter teto. Segundo ele, 38%
das empresas do setor são de mi-
cro ou pequeno porte.
O gerente de política indus-
trial da Confederação Nacional
das Indústrias (CNI), João Emí-
lio Gonçalves, também defen-
deu que o plano do governo de-
veria ter cobertura maior para
atingir empresas com fatura-
mento superior. Ele ressalta
que, sem ajuda imediata, várias
empresas não conseguirão se-
quer pagar os salários de março.
A linha aberta pelo BNDES pa-
ra financiar capital de giro de em-
presas com faturamento de até
R$ 300 milhões ao ano engloba
parte das empresas. Porém, dis-
se Gonçalves, as taxas de juros
no mercado podem atingir mais
que o dobro da cobrada pelo pro-
grama recém-aprovado (de
3,75% ao ano), dependendo do
spread cobrado pelos agentes fi-
nanceiros.
Além disso, disse ele, é preci-
so regulamentar o sistema nacio-
nal de garantias para que as em-
presas consigam ter acesso às li-
nhas de financiamento. “Do con-
trário, não adianta ter recursos
em boas condições se a empresa
é barrada na análise de riscos.”
“As empresas precisam de
uma linha para capital de giro
em condições competitivas
com o momento atual, pois,
com redução geral da demanda,
a situação de várias delas é preo-
cupante”, disse Gonçalves.
“Também é preciso uma medi-
da para postergar o pagamento
de impostos por 90 dias, assim
como foi feito com as empresas
do Simples.”
Procurado, o Ministério da
Economia disse que o grupo de
monitoramento da crise econô-
mica relacionada à covid-19 ana-
lisa “diversas alternativas para
reduzir os impactos da pande-
mia para o setor produtivo e pa-
ra o setor público, com o objeti-
vo de preservar especialmente a
população mais vulnerável”.
Mas disse
que não co-
menta me-
didas em
análise.
“O dinheiro tem de chegar nas mãos das empresas .”
Fiesp vai à Justiça
pedir suspensão de
imposto estadual
Amanda Pupo/ BRASÍLIA
Diante da crise gerada pelo no-
vo coronavírus e seu impacto
no caixa das empresas, integran-
tes do Judiciário e do Legislati-
vo prepararam medidas de so-
corro na área de recuperação ju-
dicial e falência. Em comum,
nas duas frentes, está a possibili-
dade de empresas em recupera-
ção judicial apresentarem novo
plano de pagamento aos credo-
res em razão dos choques eco-
nômicos da covid-19.
O Conselho Nacional de Jus-
tiça (CNJ) aprovou ontem uma
recomendação que abre essa
chance às empresas. O docu-
mento orienta que os juízes au-
torizem a apresentação de um
novo plano aos credores quan-
do ficar comprovado que a em-
presa teve sua capacidade de
cumprir as obrigações reduzida
em razão da doença. É necessá-
rio que o negócio estivesse se-
guindo o cronograma de paga-
mentos antes da decretação de
estado de calamidade, que ocor-
reu no último dia 20.
O Congresso também pode
votar medida similar à recomen-
dada pelo órgão do Judiciário.
Relator do projeto de lei que
atualiza as regras de recupera-
ção judicial e falência, o deputa-
do Hugo Leal (PSD-RJ) preten-
de apresentar medidas emer-
genciais tanto para evitar que
empresas precisem entrar em
recuperação judicial, como pa-
ra auxiliar aquelas que já estão
nessa situação.
Integrante do grupo de traba-
lho que auxiliou o deputado so-
bre o tema, o juiz da 1ª Vara de
Recuperação Judicial e Falên-
cias de São Paulo, Daniel Car-
nio Costa, explicou que uma
das ideias é que as empresas pos-
sam apresentar um novo plano
incluindo as dívidas que são pos-
teriores ao momento em que en-
trou com o pedido de recupera-
ção na Justiça – algo que a lei
não permite hoje. “Seria possí-
vel repactuar tudo de novo, por-
que a situação gerada pelo novo
coronavírus é absolutamente
anormal”, explicou o magistra-
do.
Medida considerada preven-
tiva, para evitar que empresas
precisem entrar com pedidos
de recuperação, o grupo tam-
bém sugeriu a suspensão de dívi-
das durante um período de três
meses. Nesse prazo, as empre-
sas poderiam ter tempo para ne-
gociar com seus credores sem a
“pressão” das execuções. Se o
período não for suficiente e a
empresa conseguir comprovar
que seu faturamento caiu 30%
ou mais em comparação ao mes-
mo trimestre do ano passado,
ela poderá pedir na Justiça por
mais dois meses, abrindo espa-
ço para uma negociação coleti-
va.: “A negociação é livre e será
apenas supervisionada pelo Po-
der Judiciário. Esperamos que
essa ajuda seja suficiente para
preservar a grande maioria dos
negócios que são viáveis”,
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Empresas de médio porte recorrem ao
governo para manter salários em dia
Companhias em recuperação judicial podem ter novo plano
l Representatividade
Empresa fora do Simples pagará 30% do salário. Pág. B3 }
Paulo Skaf, presidente da Fiesp e do Ciesp
l A Fiesp e o Ciesp apresenta-
ram na noite de segunda-feira,
ao Tribunal de Justiça de São
Paulo, mandado coletivo pedindo
a suspensão por 180 dias do re-
colhimento de tributos estaduais.
O pedido vale para o ICMS relati-
vo aos fatos geradores de março,
abril, maio e junho, com a inclu-
são do ICMS por substituição
tributária, os débitos do imposto
com o Simples Nacional e os par-
celamentos estaduais. “As em-
presas estão sofrendo de forma
dramática a redução drástica da
atividade econômica”, disse o
presidente da Fiesp e do Ciesp,
Paulo Skaf. Se aceita pela Justi-
ça, a solicitação vai valer para
todas as empresas com sede no
Estado, e não apenas para os sin-
dicatos e as companhias repre-
sentadas pelas duas entidades.
Skaf lembrou que o próprio
governo do Estado já obteve no
Supremo Tribunal Federal (STF)
liminar para interromper, tempo-
rariamente, o pagamento da dívi-
da com a União.
Donas de faturamento superior a R$ 10 milhões ao ano, companhias reclamam que ainda não foram contempladas com medidas para
atenuar efeitos do novo coronavírus na atividade econômica; empresários pedem acesso a linhas de crédito para garantir capital de giro
NACHO DOCE/REUTERS–4/8/
Calçados. Com queda na demanda, empresários pedem a abertura de novas linhas de crédito para fazer frente a despesas
CNJ orienta juízes que
autorizem apresentação
de novo plano aos
credores se empresa
comprovar problemas
270 mil
é o número de empregos diretos
com carteira assinada oferecidos
hoje pelo setor de calçados, de
acordo com dados da Associa-
ção Brasileira da Indústria de
Calçados (Abicalçados)